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A Era de Ouro de Israel: Davi e Salomão (2Sm 5.11-1Rs 11.43)

Nos cerca de setenta e cinco anos esboçados nesta seção presencia-se uma transformação quase completa na vida política e econômica de Israel. Davi e seu filho juntaram Judá e Israel, formando uma entidade militar capaz de dominar seus vizinhos e um empreendimento comercial que trouxeram riqueza e fama sem precedentes. As tribos antes pouco ligadas umas às outras foram agrupadas por uma monarquia poderosa que ditou as regras por quase quatro séculos. Foi de fato a era de ouro de Israel, caso tomemos a política e a economia como o padrão de medida. Se o valor for medido pelo caráter dos reis, a avaliação desse período torna-se mais complexa.

Reinou, pois, Davi sobre todo o Israel; julgava e fazia justiça a todo o seu povo. 2Sm 8.15

Aproximando-se os dias da morte de Davi, deu ele ordens a Salomão, seu filho, dizendo: […] Coragem, pois, e sê homem! Guarda os preceitos do SENHOR teu Deus, para andares nos seus caminhos, para guardares os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus testemunhos, […] para que prosperes em tudo quanto fizeres, e por onde quer que fores. lRs 2.1-3

Pelo que o SENHOR se indignou contra Salomão, pois desviara o seu coração do SENHOR Deus de Israel, que duas vezes lhe aparecera. E […] lhe tinha ordenado que não seguisse a outros deuses. Ele, porém, não guardou o que o SENHOR lhe ordenara. 1Rs 11.9-10

O Reinado de Davi (28m 5.11-24.25)

A paisagem oferecida por esses capítulos é de picos e vales. Com franqueza, vigor e tristeza, os anos de Davi em Jerusalém são narrados como uma série de sucessos sublimes e fracassos profundos. Duas questões importantes dominam o cenário: (1) Como avançará a monarquia? (2) Quem sucederá o famoso rei?

Davi consolida suas conquistas (5.11-8.18)

(1) Edificações e Batalhas (5.11-25). Davi pôs-se imediatamente a fortificar e embelezar sua capital. Sua nova residência apresentava um caráter luxuoso desconhecido mesmo nos melhores dias de Saul. Só o tamanho da família de Davi (veja 3.2-5; 5.13-16) indica uma corte extensa. O padrão de vida israelita estava mudando, e Davi encabeçava a mudança. Jerusalém era cidade de sua propriedade particular, conquistada por suas tropas pessoais, e não pelo exército tribal. Era o espólio ‘de sua vitória, e ele a tratava como tal. Quase que de imediato, Davi começou a fazer o que Saul não conseguira: expulsar da terra os filisteus. Bem-versado nas táticas filistéias e abençoado pela direção de Deus, Davi foi capaz de obter vitórias decisivas e de controlar e confinar o inimigo em suas próprias fronteiras (5.17-25) pela primeira vez em 150 anos.

(2) As Reformas Religiosas (6.1-7.29). Um dos erros básicos de Saul fora sua insensibilidade para com as instituições religiosas de Israel, em especial o santuário central e o sacerdócio. Mas Davi percebeu a importância da herança espiritual de Israel e procurou perpetuá-la e promovê-la. Israel não poderia ser realmente unida, a menos que seu chefe político fosse também seu líder religioso. Saul negligenciou por muito tempo a arca da aliança. Davi a levou a Jerusalém, e assim transformou sua cidade na capital religiosa e política. Esse golpe de mestre ampliou a lealdade do povo para com ele.

A Agitação na Corte (13.1-18.33)

As guerras de Davi custaram caro para o moral dos soldados arregimentados em Israel. Eles eram forçados a portar armas por períodos longos, junto com o exército particular de Davi, formado por mercenários. Na própria corte, aumentavam as intrigas e a conivência -especialmente entre as esposas de Davi- quando se levantava a questão de sua sucessão. Iniciou-se um conflito aberto pela coroa quando Amnom, filho mais velho de Davi (3.2), aproveitou-se injustamente de sua meia-irmã Tamar e depois a rejeitou com crueldade, embora pudesse tê-la pedido em casamento (13.1-19). Absalão, o terceiro filho (3.2), sem dúvida com segundas intenções, resolveu vingar a honra da irmã e remover um rival na sucessão ao trono. Irritou-se amargamente pelo fato de o pai não punir Amnom. Depois de dois anos, matou Amnom e fugiu para Gesur, estado arameu e terra natal de sua mãe (v. 20-39).

Joabe, general de Davi, também era uma figura política poderosa. Sua tentativa astuta de obter reconciliação entre Davi e Absalão foi descoberta pelo rei. Ainda assim, conseguiu que o rei permitisse o retorno de Absalão a Jerusalém. Por dois anos, o jovem não teve acesso à corte do pai (14.1-33). A graça e a beleza pessoal de Absalão contrapunham-se a um oportunismo irresponsável. Ele instigou descontentamento entre os litigantes junto ao portão, dizendo que julgaria em favor deles, caso assumisse a responsabilidade dos negócios de Israel. Esse encanto e malícia fizeram dele uma ameaça séria à segurança de Davi (15.1-6). A conspiração dissimulada tornou-se rebelião aberta quando Absalão proclamou-se rei em Hebrom (v. 7-12). O abuso de poder cometido por Davi (caps. 11-12) foi superado com vantagem por Absalão. lO Cresceu o apoio à rebelião de Absalão. Davi reuniu seu grupo fiel de mercenários filisteus e fugiu de Jerusalém. O quadro do rei batido subindo o monte das Oliveiras com pés descalços, cabeça coberta em lamento e faces molhadas de lágrimas é a mais tocante do Antigo Testamento. Particularmente triste para Davi foi o relato de que seu sábio conselheiro e amigo, Aitofel,juntarase aos rebeldes (15.30s.; 16.15-23). Uma das poucas luzes era a lealdade de Husai, a quem Davi comissionou para ficar em Jerusalém a fim de espionar Absalão (15.32-37; 16.16-19). Husai conseguiu frustrar o conselho de Aitofel, que recomendou perseguição imediata de Davi (cap. 17).11 Aitofel ficou tão abatido que suicidou-se. Depois de consolidarsuas forças na Transjordânia, Davi, provavelmente acompanhado de grupos de cidadãos fiéis, enviou três exércitos para combater Absalão. Eles esmagaram de forma decisiva as tropas rebeldes. Absalão foi morto por Joabe, contra as ordens do pai dele. O general sabia que seria impossível obter paz enquanto Absalão vivesse (17.24-18.33).

A Restauração do Poder (19.1-24.21)

A morte de Absalão deixou Davi duplamente angustiado. Todo alívio que pudesse obter com a derrota dos rebeldes era anulado por suas lágrimas pelo filho morto (18.33-19.4). Além do luto de pai, o rei carregava um sentimento de desespero. Os líderes com quem contava para ser logo reconduzido do exílio foram intoleravelmente lentos em proferir um convite para que Davi retornasse (19.8b-13). (1) Outras Manifestações de Misericórdia (19.18b-43). Na dinâmica da providência divina, o duplo lamento. parece ter produzido uma compaixão renovada no coração do rei. Três incidentes ilustram essa mudança de espírito. O primeiro beneficiado foi Simei, benjamita que amaldiçoara a Davi quando Absalão usurpou o trono (16.5). Ele se encontrou com o reijunto ao Jordão, com uma grande comissão de recepção finalmente enviada para escoltar Davi até Jerusalém. Simei prostrou-se, pedindo a misericórdia do rei, e o rei selou com um voto sua promessa de clemência (19.16-23). Mefibosete, filho de Jônatas, também viajou até o Jordão para encontrar-se com Davi (19.24-30). O rapaz aleijado estivera em verdadeiro estado de lamentação durante a ausência do rei. Ele tivera todo o desejo de acompanhar Davi no exílio, mas fora enganado pelo servo que mentiu ao rei. Ziba disse a Davi que Mefibosete permanecera em Jerusalém na esperança de obter o trono do avô (16.3). Davi ouviu a explicação de Mefibosete e percebeu sua credibilidade na contrição do rapaz. O rei, compungido, revogou a dura promessa pela qual havia deserdado Mefibosete. O terceiro ato de misericórdia de Davi foi para com Barzilai, um homem mais velho, que havia fornecido comida para Davi em seu caminho para a Transjordânia (19.31-40). Apesar de Davi pedir que Barzilai morasse no palácio de Jerusalém, o ancião recusou o convite. Em sinal de apreço, Barzilai ofereceu um servo escolhido a Davi, e o rei respondeu oferecendo ao servo todos os privilégios da corte que Barzilai merecia por sua hospitalidade fiel.

(2) Outro Caso de Revolta (20.1-26). Essa seção final da história da corte de Davi reprisa pelo menos três temasjá encontrados nos livros de Samuel. Em primeiro lugar, a rivalidade entre Judá e as tribos do norte não tinha arrefecido de maneira nenhuma durante a revolta de Absalão e o exílio de Davi. O retorno de Davi instalou um cabo de guerra entre as duas partes do reino, com o rei usado como corda: Judá alegando domínio privilegiado sobre ele mediante parentesco tribal; Israel contando com uma dupla defesa do direito à bênção de Davi -sua vantagem quanto ao número dez vezes maior de tribos e a iniciativa na decisão de persuadir o rei a voltar (19.39-43). Em segundo lugar, membros de Benjamim, tribo de Saul, notadamente um certo Seba, tentaram instigar as tribos do norte contra Davi. Bem consciente da inimizade dos partidários da casa de Saul contra si, o rei não perdeu tempo, logo enviando Amasa para debelar a revolta. A vitória final, porém, foi creditada a J oabe, que traiçoeiramente matou Amasa e assumiu o controle das tropas (20.1-26). O fato de não ter sido encarregado da perseguição desde o início talvez reflita a forte desaprovação de Davi por ter Joabe matado a Absalão (18.14s.).

Em terceiro lugar, a lista dos líderes militares, oficiais da corte e sacerdotes (20.23-25) serve como epílogo da seção sobre a história da corte que começou com uma lista quase idêntica em 8.15-18. A repetição de alguns nomes indica a continuidade entre os anos iniciais e finais do reinado de Davi. A falta de uma nota sobre filhos de Davi servindo como sacerdotes (8.18) e a inclusão de Adorão como administrador dos “trabalhos forçados” (20.24) pode ser grande indício do fracasso da família de Davi e da necessidade de um controle mais estrito dos trabalhadores civis.

(3) Últimas Histórias e Orações (21.1-24.25). Esses capítulos são tanto um resumo do reinado de Davi – em vitória e derrota – como uma expressão de sua gratidão total a Javé por sua fidelidade infalível. O padrão literário mistura capacidade artística e mensagem intencional:

A História do ato pecaminoso de 8aul e sua expiação (21.1-14)
B Lista de heróis e seus feitos (21.15-22)
C Cântico de gratidão: Davi a Javé (22.1-51)
C’ Oráculo de confiança: Javé por meio de Davi (23.1-7)
B’ Lista de heróis e seus feitos (23.8-39)
A’ História do ato pecaminoso de Davi e sua expiação (24.1-25)

Essa seção em forma de arco expressa o entendimento que o autor tinha das ligações e dos contrastes entre Saul (A) e Davi (A’). Ela exalta as façanhas dos guerreiros que contribuíram para a defesa de Davi e a expansão de seu reino (B, B’). Acima de tudo, sua pedra angular é o louvor ao Senhor de Israel, o verdadeiro Guerreiro, Juiz e Pastor do povo e de seu rei (C, C’). Embora os capítulos 21-24 sejam muitas vezes considerados um apêndice, são moldados para, juntos com lSamuell-3, formar uma moldura para o livro de Samuel:

A Apuro e oração – de Ana (18m 1)
B Livramento divino (18m 1.19)
C 8almo de louvor – de Ana (18m 2.1-10)
C’ 8almo de louvor – de Davi (28m 22)
B’ Livramento divino (28m 24.25)
A’ Apuro e oração – de Davi (28m 24)1

Cruciais para a estrutura e o movimento do livro são os capítulos 11 e 12 de 2Samuel. O duplo pecado de Davi, homicídio e adultério, marcam uma mudança importante na narrativa, passando de bênção a julgamento, de triunfo a tragédia, de narrativa centrada no ministério público de Davi para outra centrada em sua personalidade íntima -vulnerável, sensível, piedosa e humilde diante de Deus. A habilidade e o escopo dos que compuseram o livro são de fato dignos de nota. Eles atingiram o alvo com eficácia incomum: “apresentar a pessoa de Davi como a portador a da possibilidade histórica de Israel e como o veículo dos propósitos de Deus em Israel”.

Davi Transfere o Reinado (IRs 1.1-2.46)

Esta seção aguça a questão que esteve oculta sob a superfície da história desde o nascimento de Salomão (2Sm 12.24-25) e a revolta de Absalão (2Sm 15): A quem Davi nomeará seu sucessor? Apesar da instabilidade óbvia da terra e da apreensão do povo quanto ao futuro, Davi não deu passos definidos para tomar essa de cisão até o final da vida. No início de IReis, a idade avançada e a vitalidade decrescente emprestam urgência à escolha. Adonias, o mais velho dos filhos sobreviventes (2Sm 3.4), reivindicara fortemente o trono, alistando os apoios de Abiatar e Joabe, o sacerdote e o general de Davi. Chegou a Jerusalém a notícia de que Adonias tinha na verdade realizado um a festa de coroação em Rogel. Em reação, Natã, o profeta, e Bate-Seba, mãe de Salomão, pressionaram o rei para que nomeasse Salomão. Cedendo ao pedido da esposa favorita, Davi selou a indicação de Salomão com um voto. O rei então deu provas concretas passando a ele seu exército particular de mercenários filisteus. Com Zadoque como sacerdote, Natã como profeta e Benaia, filho de Joiada, como general, Salomão foi coroado em Giom, enquanto as festas de Adonias transformavam-se em lamentação (IRs 1.1-53). Adonias, temendo pela vida, refugiou-se no santuário, onde foi poupado por Salomão. Por fim e de maneira tola, ele fez mais uma tentativa desesperada de destronar Salomão: pediu a consorte de Davi, Abisague, por esposa após a morte do pai. Salomão, percebendo as implicações políticas do pedido do irmão (transmitido astutamente pela influente Bate-Seba), executou Adonias.!” O novo rei baniu Abiatar para Anatote (cf.Jr 1.1) e matou Joabe para cumprir a última vontade de Davi: a vingança pela morte de Absalão e Amasa. Por fim, Salomão reinou sem rivais em Judá e Israel (lRs 2.1-46). O governo dinástico fora estabelecido. Por quase quatro séculos, os reis de Jerusalém seriam filhos de Davi.

Davi, apesar de seus lapsos morais, políticas controvertidas e incapacidade de comandar sua própria casa, deu a Israel um de seus melhores momentos. Todos os reis seguintes foram avaliados de acordo com a semelhança com ele. Aliás, provas arqueológicas recentes indicam que estrangeiros empregavam a frase “casa de Davi” em referência aos reis de Judá em Jerusalém. Os nomes ocorrem em paralelo com “rei de Israel” numa inscrição aramaica encontrada em Tel Dan. O texto aparentemente marca a vitória de um rei arameu sobre forças combinadas do rei de Israel e do rei da “casa de Davi”. Deve-se notar que a monarquia em Israel recebe o nome da nação, enquanto o rei de Judá carrega o título dinástico de seu célebre ancestral. Essa é a primeira ocorrência de “Israel” em textos semitas já descobertos e a primeira menção do nome do rei Davi em alguma inscrição fora da Bíblia hebraica.

Salomão em toda sua glória (3.1-11.43)

O caminho pedregoso de Salomão até o trono foi seguido de uma era de prosperidade econômica e política sem paralelos. Seus quarenta anos de reinado (c. 971-931) viram Israel elevar-se a esplêndidas alturas em realizações pacíficas, assim como o longo governo do pai testemunhara sucessos militares sem precedentes. Originalmente chamado Jedidias (“amado pelo SENHOR”) por Natã (2Sm 12.24s.), Salomão (provável nome majestático) permanece por trás do relato bíblico até os últimos dias de Davi. Afastados os outros como Amnom, Absalão e Adonias, Salomão subiu ao trono e acentuou seu poder e prestígio.

Autoria e Composição de Reis

A história de Salomão domina os primeiros onze capítulos de Reis. A admirável História da Corte de Davi termina em IReis 2.46. O relato sobre os sucessores de Davi em Judá e seus correspondentes nortistas em Israel (IRs 3-2Rs 25) é obra de um compilador talentoso e inspirado que deram ao livro um aspecto teológico uniforme e uma apresentação de excelente estilo da história de Israel. É provável que tenha vivido no final da história de Judá (c. 590).18 A ênfase em Elias, Eliseu e outros profetas, juntamente com a perspectiva profética geral do editor, levam muitos a atribuir 1-2Reis a Jeremias. Aliás, o autor desconhecido de fato via a história de Israel de uma perspectiva semelhante à de Jeremias e escreveu sob muitas das mesmas influências. Aqui, como em 1-2Samuel, a mera crônica dos eventos deu lugar a um tratamento subjetivo. O historiador não é um defensor da corte cujo propósito seria celebrar as façanhas do rei, como costumava acontecer entre os povos antigos (os hititas são, provavelmente, uma exceção). Antes, avalia e com freqüência critica os governantes, comparando cada um com Davi, o grande protótipo real. O compilador de Reis fornece algumas indicações de suas fontes. É provável que a maior parte do material a respeito de Salomão em IReis 3-11 tenha sido extraída do Livro da História de Salomão 01.41),19 enquanto muitas das outras histórias foram encontradas no livro das Crônicas dos Reis de Israel e seu correspondente de Judá. A LXX dá a entender que 8.12s. (LXX 8.53) foi extraído do livro dos Justos (cf. Js 10.13; 2Sm 1.18). Os feitos de Elias e de Eliseu podem ter sido transmitidos oralmente na escola dos profetas.

Todo esse material foi organizado com perícia numa narrativa histórica sincronizada. As crônicas dos dois reinos, antes separadas, foram combinadas com esmero e entrelaçadas aos comentários proféticos do próprio editor.” Como resultado, o Livro é uma história escrita com um propósito religioso e prático […] O aspecto notável é que quando tudo estava perdido, alguém encontrou a história daquele período trágico digno de ser lembrado como uma lição da disciplina divina em relação a seu povo.

Salomão -o Sábio Mestre

Como o primeiro governante dinástico de Israel, Salomão assumiu o ofício sem nenhum poder carismático óbvio. No relato da visão que teve em Gibeão, porém, Deus lhe ofereceu a escolha de dons (Rs 3.5-14). Salomão, consciente de suas amplas e pesadas responsabilidades, requisitou uma mente sábia e perspicaz. Tirou plena vantagem de seus contatos internacionais, de sua riqueza e da ausência de guerras para se dedicar a realizações literárias. Sua coleção de provérbios, seu repertório de enigmas e seu conhecimento enciclopédico acerca da natureza valeram-lhe uma reputação superior à de seus contemporâneos egípcios, árabes, cananeus e edomitas (4.29- 34) e o tornaram o grande patrono da literatura sapiencial de Israel. O valor específico de Salomão na literatura do Antigo Testamento será discutido juntamente com Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos (Cantares). Salomão não somente galgou posição heróica em Israel como também conquistou o imaginário de muitos povos em várias áreas. Nenhuma figura da antiguidade (talvez com exceção de Alexandre Magno) é tão amplamente celebrada na literatura de um povo entre judeus, árabes e etíopes.

Salomão -Mercador e Estadista

Davi legara ao filho um império substancial. A tarefa de Salomão era controlá-lo e fortalecer o governo centralizado para manter o império. Desconsiderando até certo ponto as tradicionais fronteiras tribais, Salomão estabeleceu distritos administrativos, sendo cada um responsável pela manutenção da corte um mês por ano (4.7-19), uma tarefa difícil (v. 22s.). Outra medida impopular de Salomão foi arregimentar trabalhadores dentre as tribos. Teoricamente, os 30 000 israelitas envolvidos em projetos públicos (5.13-18) não eram escravos como os trabalhadores cananeus (9.15- 22). Mas eles prezavam tanto a liberdade que não se submetiam sem reclamar. O assassinato de Adonirão (ou Adorâo), superintendente dos trabalhos forçados (4.6; 5.14; 12.18), dá sinais da forte resistência contra as práticas rígidas de Salomão. O legado mais duradouro e influente da era de Salomão foi o templo de Jerusalém. Apenas durante esse período Israel teve a combinação de riqueza, governo centralizado e alívio de ataques inimigos necessária para completar um projeto dessa magnitude. Os recursos do reino de Salomão e os laços de amizade com a Fenícia (5.1) foram explorados ao máximo para prover uma casa de adoração. Artesãos estrangeiros eram indispensáveis: (1) a vida pastoril dos israelitas não estimulava o artesanato; (2) a proibição contra qualquer réplica da deidade (Êx 20.4) tendia a limitar a atividade artística. Descobertas arqueológicas em Canaã juntamente com as bem detalhadas descrições bíblicas (lRs 5-8) permitem uma reconstrução razoável do templo e de sua mobília. Entretanto, nada do templo em si permanece,” e ainda não se descobriu nenhum resquício do templo fenício do século x. O santuário de Tainat, ria Síria, datado do século IX, contém a mesma tríplice divisão: pórtico, nave (Lugar Santo) e santuário interior (Santo dos Santos.

A política externa de Salomão baseava-se em alianças de amizade, muitas vezes seladas por casamento, e na manutenção de um exército colossal. Entre suas esposas estava a filha do faraó, para quem construiu uma ala especial em seu palácio (3.1; 7.8). Essa aliança vantajosa testemunha tanto o prestígio de Salomão como a fraqueza do Egito, pois, embora os reis egípcios costumassem se casar com princesas estrangeiras, raramente davam suas filhas para não-egípcios. Como dote, o faraó (talvez Siamun, um dos últimos da frágil XXI Dinastia) deu a Salomão a cidade fronteiriça de Gezer (9.16). A aliança de Salomão com Hirão de Tiro também foi vantajosa (5.1-12). Os fenícios'” acabavam de entrar no auge de sua expansão colonial. Eles forneceram perícia no campo da arquitetura e muitos materiais, especialmente o cedro do Líbano, para o templo e os palácios. Construíram e tripularam navios para Salomão, provendo um mercado para o trigo e o azeite de Israel. Esse laço mostrou-se especialmente lucrativo quando Hirão estendeu a Salomão um empréstimo substancial (9.11). Salomão foi o primeiro israelita a usar carruagens de modo eficaz. Aquartelada num círculo de cidades fronteiriças fortificadas (v.15-19), sua milícia incluía 4000 cocheiras para cavalos,” 1400 carros e 12000 cavaleiros (4.26). Escavações recentes em Hazor, Eglom e Gezer descobriram vestígios dos tempos de Salomão.

O comércio era o forte de Salomão. Ansioso por controlar a “ponte” terrestre entre a Ásia e o Egito, ele dominava as principais rotas norte-sul de caravanas. Navios mercantes carregavam suas cargas de portos como EziomGeber para portos na Ásia e na África. A famosa visita da rainha de Sabá (10.1- 13) pode ter tido interesses comerciais. Ao que parece, seu povo, os sabeanos no sudoeste da Arábia, corria risco de supressão econômica por causa do rigor com que Salomão controlava as rotas de suas caravanas. Embora a viagem da rainha tenha sido bem-sucedida, é provável que tenha sido obrigada a dividir os benefícios com Salomão.” Ele também era mediador entre os hititas e arameus, povos do norte, e os egípcios, que lhes vendiam carruagens. O rei mantinha um monopólio semelhante aos empreendimentos comercias realizados a cavalo na Cilícia ClO.28s.). Os empreendimentos comerciais de Salomão trouxeram uma riqueza fabulosa a Jerusalém. Infelizmente, essa riqueza não beneficiou todas as classes em Israel. Nem aliviou a severa taxação necessária para sustentar os grandes projetos de construção. As pessoas comuns, na realidade, talvez tivessem menos conforto no reinado de Salomão que nos de Davi e de Saul. A tendência à centralização da riqueza, que provocava a ira nos grandes profetas do século VIII, começou no reinado de ouro de Salomão.

Inquietações entre os vizinhos de Israel revelavam que Salomão estava perdendo o controle do império. Hadade liderou uma revolta em Edom. De modo mais temerário, Rezom conquistou Damasco, desafiando o domínio de Salomão sobre as cidades-estados araméias (11.14-25). O autor de Reis interpretou esses acontecimentos como sinais de julgamento divino em consequência das sérias transgressões religiosas de Salomão. Observe a advertência quanto a essa possibilidade na segunda visão de Salomão (9.1-9). O livro não repreende Salomão por sua sensualidade ou vida amoral, mas por desobedecer ao ideal monoteísta de Israel. Abraçando as religiões das esposas, Salomão abandonou sua herança israelita e afastou-se de suas responsabilidades reais na condição de guardião da fé.

A exemplo dos reinados anteriores de Saul e de Davi, o de Salomão divide-se em duas fases: a do “bom rei” e a do “mau rei”.” O julgamento tinha de vir, se não durante a vida de Salomão (ele foi poupado por amor a Davi), então mais tarde. E de fato veio.

———– Retirado de: Lasor, Hubbard e Bush – Introdução ao Antigo Testamento.


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