CULTO E PROFECIA COMO INSTRUMENTOS DA TEOCRACIA
Uma grande parte da teologia do Antigo Testamento gira em torno do culto mosaico e do lugar onde este era realizado. A própria nação só ganhou tal status quando o tabernáculo foi inaugurado e a presença de Yahweh tornou-se visível ao povo. Com a entrada em Canaã, tornou-se necessário definir claramente o que era um culto aceitável, principalmente pelas semelhanças conceituais e verbais entre o yahwismo e as religiões dos cananeus. Uma aparente tensão, que existiu desde o começo da habitação em Canaã, foi a centralização do culto exigida em Deuteronômio 12, 14 e 16 e a existência dos famosos bamot (altos), em que todo Israel, dos camponeses aos monarcas, adorou. A ala liberal da erudição fez dessa aparente tensão uma tensão real e a base de sua datação recente para Deuteronômio e outras partes do AT. Talvez seja mais apropriado aceitar a idéia proposta por M. H. Segal de que Deuteronômio não insistia em um lugar único, mas em que o lugar fosse divinamente aprovado (i.e., não fosse um local de culto sincrético).14 Isso explicaria a nota crítica em relação a alguns reis: ―Os altos, porém, não foram tirados (1 Rs 15.14; 22.44).
Quando o templo foi construído, Israel partiu de uma premissa básica, a de que o templo não poderia conter ou limitar Yahweh, que era universal e onipresente (cf. 1 Rs 8.27). O templo era o local de Sua manifestação em glória, beleza, santidade e justiça, onde o desfavorecido e explorado podia buscar ajuda (8.21). A universalidade de Yahweh era vista no fato de o estrangeiro poder orar a Ele, caso tivesse se identificado com Seu povo (8.41-43), e no fato de que a oração de Israel no Exílio seria ouvida se dirigida ao templo (8.46-51). Certamente essa passagem é a base da ação de Daniel quando confrontado com o edito de Dario (Dn 6) e com o fato dos 70 anos de cativeiro preditos por Jeremias estarem se cumprindo (Dn 9). Essa prática permanece na mentalidade islâmica. Infelizmente, com o passar dos séculos, a confiança foi desviada Daquele que habitava no templo para o Templo em si, o mesmo erro que Israel praticou em relação à arca (1 Sm 4). Jeremias foi o profeta que mais veementemente atacou tal hierolatria (cf. Jr 7).
O movimento profético teve em Samuel seu ―fundador oficial. A ―escola de profetas, ainda incipiente e ―carismática em 1 Samuel 10, aparece mais organizada e ― teológica nas narrativas de Elias e Eliseu.
Os profetas aparentemente desfrutavam uma condição implicitamente aceita pela nação, que os colocava acima dos reis. Isso pode ser creditado ao fato de que Moisés era visto como o profeta por excelência e que servira de intermediário entre Yahweh e Israel. A etimologia da palavra hebraica nabi é incerta, mas é certo que em Reis, os profetas ungem e repreendem reis, dão conselho baseado em revelação divina15 e acompanham os exércitos à guerra (Odede e Eliseu são dois exemplos) como portavozes de Deus. Elias e Eliseu são dois casos peculiares no movimento profético em Reis, pois cumprem uma função sócio-político-religiosa singular, a de ministrar a graça pactual de Yahweh na resistência ao baalismo e no desmantelamento do aparato religioso criado para sustentar essa falsa religião. Enquanto o ministério de Elias foi primariamente de julgamento, o de Eliseu foi de misericórdia, o que fornece um paralelo marcante aos ministérios de João Batista e de Jesus.
ARGUMENTO BÁSICO
Embora o autor ou editor final de Reis não tenha registrado nenhum tema específico para a obra, uma leitura cuidadosa sugere que seu propósito foi de oferecer a seus leitores uma história avaliativa da monarquia teocrática por meio das lentes das alianças de Israel, possivelmente provendo uma resposta para a inevitável pergunta, Como o povo escolhido de Yahweh acabou cativo na Babilônia? A ênfase que o livro oferece demonstra que isso é verdade. Os reis e seus reinos recebem atenção apenas na proporção de sua fidelidade ou distanciamento da aliança e interações ocasionais com os profetas, os porta-vozes de Yahweh. Ezequias e Josias são exemplos dessa tendência positiva, enquanto Manassés exemplifica a segunda. Acabe e Elias fornecem o melhor exemplo da interação, freqüentemente conturbada, entre rei e profeta. As pessoas às quais um historiador secular dedicaria um estudo mais detalhado são meramente mencionadas porque suas contribuições políticas não foram acompanhadas por padrões espirituais significativos (assim como Onri). Isto é visto também nos padrões estabelecidos para avaliar cada rei. Davi, o homem segundo o coração de Deus, é consistentemente apresentado como protótipo de devoção a Yahweh e a Sua aliança, enquanto Jeroboão é a epítome de infidelidade por todo o livro. Reis é obviamente uma obra de origem profética, uma vez que o livro é coberto de referências a profecias anunciadas e cumpridas (cf. 1 Rs 8.20; 12.15; 2 Rs 23.16-18). Portanto, o livro oferece uma alta visão da soberania de Yahweh na história de Seu povo e das nações ao redor. Essa mistura, entre profecia e lembrança da aliança, possivelmente contribui para o final incomum do livro. Uma vez que o juízo prometido na aliança tinha sido cumprido conforme profetizado, a nação no exílio deveria continuar confiando que a bênção prometida finalmente se tornaria realidade, conforme sugerido pela reabilitação do rei exilado Joaquim (2 Rs 25.27-30). O livro consiste de três partes principais e um epílogo. A primeira parte lida com a monarquia unida sob o domínio de Salomão (1 Rs 1-11). A segunda parte lida com a monarquia dividida, compreendendo um período de rivalidade entre os reinos gêmeos de Israel e Judá (1 Rs 12.1–16.28), um período de cooperação entre os dois reinos (1 Rs 16.29-2 Rs 8.29) e um período renovado de conflito até o fim do reino do Norte (2 Rs 9.1–17.41). A terceira parte mostra a história decadente do sobrevivente reino de Judá até seu cativeiro na Babilônia (18.1–25.26). O epílogo anuncia a esperança de restauração pela sobrevivência e reabilitação da descendência davídica na Babilônia (2 Rs 25.27-30).
O livro de Reis começa com uma visão interna de uma intriga da corte entre um Davi idoso e seus possíveis sucessores. Até certo ponto, 1 Reis continua a ―narrativa de sucessão‖ [ou ―eliminação‖] iniciada em 2 Samuel. O conflito destrutivo persegue a dinastia de Davi, conforme Natã havia predito (2 Sm 12.10). Portanto, Adonias, o quarto filho de Davi e o próximo na linha de sucessão, começou a armar a usurpação do trono, como seu meio-irmão Absalão o fizera (1.5,6; a redação dessa seção sugere o fracasso). Adonias, em sua preparação para a esperada batalha de poder na corte, obteve o apoio de Joabe e Abiatar (1.8-10), dois antigos aliados de seu pai e a (inocente?) participação de seus irmãos mais novos no que parece ter sido uma cerimônia particular ou velada. A natureza alarmante do projeto de Adonias dá início a uma manobra combinada de Bate-Seba, Benaia e Natã (e Zadoque) para garantir a subida de Salomão ao trono, uma manobra que finalmente encontrou a aprovação de Davi e teve rápida execução (1.14- 40). Quando a notícia da coroação de Salomão chegou ao banquete de Adonias, o pânico estabeleceu-se e os usurpadores em potencial buscaram refúgio no tabernáculo. Salomão concedeu proteção provisória a Adonias diante do reconhecimento deste quanto aos direitos reais de seu irmão (1.38-53). Não há indicação precisa de quanto tempo se passou entre os acontecimentos do capítulo 1 e as instruções de Davi a Salomão (2.1-9). É possível que uma co-regência tenha ocorrido nesse ponto. Em todo caso, as instruções de Davi concentram-se na obediência à lei mosaica como condição para desfrutar as promessas incondicionais da aliança davídica (2.1-4). Outras instruções lidam primariamente com a tarefa de Salomão em remover a oposição a seu trono ao exercer justiça retributiva contra as pessoas desleais e de demonstrar lealdade pactual àqueles que haviam permanecido com ele em seu momento de necessidade (2.5-9). Essa seção termina com uma declaração resumida da vida de Davi e de como Salomão estabeleceu seu poder (2.10-12). Salomão seguiu as ordens de seu pai ao pé da letra (2.13-46). Adonias foi executado depois de ter cometido o erro de pedir Abisague como esposa, pedido no qual Salomão percebeu uma reivindicação indireta ao trono (2.13-21). Abiatar, um dos sacerdotes de Davi, foi mandado para o exílio em Anatote (2.26,27); Joabe, que inicialmente havia se posicionado ao lado de Adonias, foi executado no tabernáculo do Senhor, onde havia inutilmente procurado refúgio (que não era concedido no caso de homicídio deliberado, 2.28-35). Simei, que fustigara Davi à época de sua fuga de Jerusalém, recebeu graça por um pouco de tempo, mas também foi eliminado por ter violado os limites a ele impostos (2.36-46a). Assim, o reino tornou-se seguro por intermédio de Salomão (2.46b).
A terceira seção dessa divisão segue descrevendo como as bênçãos da aliança de Yahweh vieram repousar sobre Salomão (3.1-28). Apesar disso, a bênção é precedida por uma indicação velada de problemas que se seguiriam (3.1-3). A força política de Salomão foi suficiente para fazer com que o faraó (Siamun, 978-959 a.C.) lhe desse sua filha em casamento, situação muito incomum no Egito; essa informação é um indício do envolvimento futuro de Salomão com a idolatria, devido a suas mulheres estrangeiras (cap. 11). Em segundo lugar, os sempre presentes altos, centros de adoração sincrética, são mencionados aqui, quando o templo ainda não existia; mais tarde, eles competiriam com o templo pela fidelidade religiosa de Israel. O compromisso de Salomão para com Yahweh foi demonstrado em seu pedido por sabedoria, quando o Senhor lhe apareceu em Gibeom, aonde ele havia ido para oferecer sacrifícios (3.4-15). A evidência da bênção de Deus sobre ele segue-se em 3.16-28, em que uma sabedoria incomum é demonstrada no famoso incidente das duas prostitutas e o bebê. Com isto, Salomão ganhou o respeito de seu povo (3.28). A descrição da bênção de Deus continua na descrição do ―gabinete‖ e dos oficiais de Salomão (4.1-19); a estrutura era similar à do sistema de Davi, mas tornou-se progressivamente complexa, à medida que a sofisticação da corte cresceu e as demandas para sua manutenção chegaram a proporções nacionais (4.20-28). Isso foi sustentado por uma prosperidade, paz e produtividade incomuns em toda a história de Israel (4.25). Um elemento final dessa bênção divina foi o desenvolvimento do próprio Salomão como pessoa (4.29-34). Sua sabedoria tornou-se insuperável, seu conhecimento era enciclopédico e sua fama universal. A seção seguinte descreve os preparativos para a construção do templo (cap. 5) e sua efetiva conclusão (cap. 6 e 7.13-51), assim como a construção do majestoso palácio de Salomão (7.1-12). A bênção de Yahweh foi pronunciada sobre o templo e sobre seu construtor e seu povo, desde que a nação mantivesse a aliança sobre a qual o templo havia sido construído e dedicado (cap. 8 e 9). As duas seções finais dessa primeira divisão retratam e resumem o restante do livro. O capítulo 10 contém uma descrição da grande glória sob o domínio de Salomão, em que a paz e a prosperidade são garantidas pela obediência à promessa e fidelidade a Yahweh. O capítulo 11, entretanto, pinta um quadro em que Salomão pratica apostasia grosseira e idolatria. O pecado do rei teve repercussões nacionais devido a seu papel representativo, e os problemas começaram a aparecer tanto dentro quanto fora do reino, com reinos-satélite se rebelando (11.14-25) e uma revolução se formando no Norte (11.26-28). A resposta divina a essa infidelidade foi a ruptura nacional (aqui o tema de misericórdia por amor a Davi é apresentado pela primeira vez, 11.12,13; cf. 2 Rs 20.6), com a maior parte da nação separando-se do governo davídico. A segunda parte do livro começa com a tola decisão de Roboão de manter o sistema de impostos pesados e trabalhos forçados de Salomão (12.1-15), precipitando, assim, a ruptura que já se armava havia bastante tempo no Norte (12.16-24; cf. 12.16 e 2 Sm. 20.1).
Em uma tentativa de reforçar sua posição, Jeroboão ignorou a exigência de obediência a Yahweh (cf. 11.37,38) e instituiu um sistema religioso rival (12.26-33), que permaneceria, por todo o livro como a medida final de conduta infiel para um rei. O juízo sobre Jeroboão foi pronunciado por um profeta, cuja morte ilustrou a completa loucura em desprezar os mandamentos de Yahweh (13.1-32). A tentativa de Jeroboão de fugir à maldição de Yahweh sobre sua família apenas trouxe mais condenação. O fracasso e a punição final de Israel foram prometidos pelo mesmo profeta que havia trazido as notícias de sua elevação à realeza (cap. 14). Os dois primeiros reis da dinastia davídica na monarquia dividida foram predominantemente maus, apesar de seu sucesso contra Jeroboão. Jerusalém foi saqueada uma vez (14.25-28), como resultado de uma crescente rebelião. A situação em Judá degenerou-se por 20 anos, até que Asa restaurou o verdadeiro culto a Yahweh (15.9-15). Mesmo Asa, entretanto, não manteve sua confiança em Yahweh, confiando antes em alianças políticas (12.16-24), um precedente lamentável freqüentemente seguido pelos reis que vieram depois.
Durante o reinado de Asa sobre Judá, Israel viu a elevação e a queda de cinco reis maus. Nadabe, herdeiro de Jeroboão (15.25-27), foi assassinado por Baasa (15.28– 16.7), cujo filho, Elá, foi assassinado por Zinri depois de um breve reinado de 2 anos (16.8-10). A carreira real de Zinri durou apenas sete dias, depois dos quais ele cometeu suicídio, para não ter de se render a Onri, cujo contragolpe instituiu a primeira dinastia estável de Israel, depois de eliminar Tibni, um rival na luta pelo trono (16.21-26). Onri instituiu a nova capital de Israel, Samaria, e gravou um nome para si mesmo na história do Oriente Médio Antigo, em que Israel era freqüentemente chamado de ―a casa de Onri‖. Ao casar seu filho Acabe com uma princesa dos sidônios, Jezabel, Onri trouxe para dentro de Israel as sementes do mal que finalmente destruiriam não apenas sua dinastia, mas toda a nação. O segundo período da era da monarquia dividida começa com Acabe, que chegou ao trono em 874 a.C. Seu reino foi contemporâneo ao ministério do enigmático Elias, o profeta não-conformista de Yahweh. Era uma época de profunda apostasia religiosa, de constante conflito militar com o reino emergente de Aram (ou Síria) e de uma aliança preocupante entre Israel e Judá, que beneficiou o primeiro e quase arruinou o último, tanto espiritual quanto politicamente. O livro dispensa atenção especial ao conflito entre o yahwismo, representado por Elias, e o baalismo, representado por Jezabel e seus profetas da corte. O capítulo 17 registra o triunfo de Yahweh em reter a chuva, que era supostamente a prerrogativa de Baal. O capítulo 18 contém a confrontação entre a verdadeira divindade, Yahweh, que respondeu com fogo, e Baal, supostamente o deus do trovão [fogo do céu], que permaneceu impotente apesar das micagens de seus profetas (18.25-29). O povo, agindo sob as ordens de Elias, matou 450 profetas de Baal. O baalismo, embora ferido, ainda não estava morto. Agora, o papel de Elias era ungir aqueles que completariam a tarefa. Ele foi comissionado para fazer isto em Horebe, o monte de Deus. Ali, Yahweh lhe assegura que, apesar de sua visão pessimista do plano de Deus, Israel ainda não fora posto de lado, e Deus continuaria agindo de acordo com Sua aliança, estendendo a misericórdia e trazendo a disciplina para Seu povo (19.1-18). O primeiro dos novos escolhidos de Deus, Eliseu, é chamado para o serviço e torna-se o discípulo mais próximo de Elias (19.19-21). As experiências de Acabe, com a graça e o poder de Yahweh, na batalha não são suficientes para sobrepujar sua perspectiva de vida humanística e fazê-lo obedecer, já que ele fracassa em matar o rei arameu (ecos literários do incidente de Saul e Agague, cf. 1 Sm 15), à luz de um possível tratado de cooperação contra o crescente poder da Assíria (20.1-34). Assim, um profeta anônimo anuncia sua condenação vinda de Yahweh (20.35-43).
A culpa de Acabe, já demonstrada nos reinos religioso e político, é manifestada, a seguir, também no reino moral, à medida que ele age tibiamente, de acordo com o esquema de Jezabel, para matar Nabote e tomar sua propriedade (21.1-28). O juízo de Yahweh finalmente recai sobre Acabe no campo de batalha contra o mesmo rei que ele havia deixado de matar. Acabe, aliado a Josafá, de Judá, e disfarçado de soldado comum, tenta fugir da severa denúncia e ameaça trazida por Micaías, mas um disparo ―a esmo‖ o matou (22.1-40). Enquanto Israel ―coxeia entre dois pensamentos‖, Judá permanece fiel a Yahweh debaixo do governo de Jeosafá, cujo reino é avaliado positivamente à luz de sua posição religiosa, apesar de suas associações militares e políticas com os reis da dinastia de Onri (22.41-50), o que traria terríveis conseqüências para seus sucessores. As formas como Yahweh tratou com a dinastia de Onri atingiriam outros dois reis, os filhos de Acabe. O primeiro, Acazias, foi um pagão convicto, cuja busca de um oráculo junto a deuses estranhos trouxe sua condenação final, feita por Elias (1 Rs 22.51–2 Rs 1.18). Seu sucessor e irmão, Jorão, tem seu maior crédito no arrebatamento de Elias durante seu reinado (2.1-12). Eliseu é depois atestado como herdeiro profético por uma série de milagres (2.13-25), que introduz um ministério caracterizado por demonstrações freqüentemente imerecidas da misericórdia de Yahweh. A primeira delas vem em escala nacional, quando Israel, Judá e Edom se reúnem para combater uma revolta de Moabe. A intervenção de Eliseu garante o suprimento inesperado de água para os exércitos aliados, que impõem uma derrota decisiva, mas não definitiva a Messa, rei de Moabe (3.1-27). A seguir, ele estende a misericórdia de Yahweh a uma série de pessoas necessitadas em Israel e a nações próximas. Entre elas estão uma viúva endividada (4.1-7), uma mulher sunamita generosa (4.8-37), alguns profetas subnutridos (4.38-41) e discípulos de profetas em necessidade (4.42-44). O bem conhecido incidente da cura de Naamã (5.1-27) demonstra que até os gentios estavam mais dispostos a confiar em Yahweh e em Seus servos do que os próprios israelitas, como também eram mais sensíveis à loucura da idolatria do que os reis de Israel. A misericórdia de Yahweh foi estendida a um discípulo profético cuja liberdade foi posta em perigo pela perda de uma ferramenta cara (6.1-7), como também a toda nação, quando Eliseu frustra os ataques dos arameus sobre Israel (6.8-23).
A demonstração mais notável da misericórdia veio quando os habitantes de Samaria estavam recorrendo ao canibalismo durante um cerco dos arameus. Miraculosamente confundidos por Yahweh, os assaltantes fugiram e deixaram suas provisões abundantes para o povo; a incredulidade desdenhosa, entretanto, é punida com morte quando o alívio já estava à vista (6.24–7.20). A tolerância do ministério de Eliseu é vista na forma como influenciou reis de ambos os lados das linhas de batalha, influenciando decisões judiciais e ungindo reis estrangeiros e israelitas (8.1-15; cf. 9.1-10). O destino dos reinos gêmeos permaneceu entrelaçado sob o domínio dos sucessores de Jeosafá. Jorão, que se casou com a filha de Acabe (8.16-24), e Acazias, que se uniu a seu tio Jorão no conflito contra os arameus e na morte diante da ira assassina de Jeú (8.25-29; cf. 9.27,28). A terceira fase do período da monarquia dividida, período de conflito renovado entre os dois reinos, foi inaugurada com a unção de Jeú, o terceiro instrumento de juízo de Yahweh contra a dinastia de Onri (9.1-10). O reinado de Jeú foi marcado por uma carnificina, em que ele evidentemente foi além daquilo que era esperado dele (cf. Os 1.4). Jeú eliminou sistematicamente a família de Acabe, incluindo Jezabel, e aumentou sua lista de vítimas ao adicionar Acazias e membros da família real de Judá (9.11– 10.17). Sua reforma espiritual, entretanto, cessou com seu desmantelamento do baalismo (10.18-28): em lugar de remover as abominações originais estabelecidas por Jeroboão, ele permitiu que eles permanecessem como a religião oficial de Israel (10.29- 31). Foi aí que os arameus começaram a conquistar grandes porções do território israelita (10.32-35). Enquanto isso, em Judá, a sobrevivência da linhagem de Davi e o cumprimento da aliança davídica foram ameaçados pela sede de poder de Atalia, a única sobrevivente de Onri, a rainha-mãe em Jerusalém. Sua tentativa mortífera de assegurar o trono para si mesma incluiu a matança de todos os seus netos (11.1), mas fracassou apenas porque o filho mais novo de Acazias foi resgatado e protegido no templo até que um coup d’état, 6 anos mais tarde, o estabeleceu como rei, (11.1-16). O sucesso espiritual inicial de Joás foi mais tarde manchado por ter recorrido a articulações políticas às custas do templo, que tinha reformado no começo de seu reinado (11.17–12.21). Ele foi o primeiro rei em Judá a morrer em conseqüência de um golpe palaciano. Em Israel, a situação deteriorou-se rapidamente durante o reinado de Jeoacaz, cujo exército insignificante não podia sequer proteger o povo dos saqueadores arameus. Apenas a soberana intervenção de Yahweh na história salvou Israel da extinção, quando Hadade-Nirari III da Assíria, infligiu perdas pesadas aos arameus (13.1-9). Jeoás, apesar de sua aceitação passiva da idolatria institucionalizada, recebeu a dádiva da vitória sobre os arameus (enfraquecidos pelos assírios), conforme a última profecia de Eliseu (13.10-25). O começo do século 8 a.C. também foi favorável a Judá, em que o rei Amazias obteve uma importante vitória sobre Edom (14.1-7). Infelizmente, Amazias escolheu continuar sua campanha contra Israel, o que resultou no triunfo de Jeoás e no saque a Jerusalém (14.8-14). A insatisfação com essas condições levou a outro golpe palaciano, desta vez contra Amazias (14.15-22).
À medida que transcorria o século 8, o declínio de assírios e arameus abriu a porta para a expansão de Israel e Judá. Assim, tanto Jeroboão II (14.23-29) quanto Azarias (14.21-22; 15.1-6) desfrutaram reinos prósperos, embora suas posições religiosas fossem diferentes. Uzias (nome alternativo de Azarias) teve um bom começo, decaindo no final (cf. 2 Cr 26), enquanto Jeroboão II seguiu a tradição idólatra de seus antecessores e iniciou uma opressão intolerável dos ricos sobre os pobres (cf. as acusações de Oséias e Amós). Depois desse retorno temporário às dimensões e à riqueza de Salomão, Israel entrou em uma espiral descendente, com seis reis e quatro ―dinastias‖ em 31 anos, com apenas um filho herdando o reino de seu pai (e um reino dividido!). Zacarias, o último rei da dinastia de Jeú, reinou apenas por 6 meses (15.8-12) e foi morto por Salum, que ficou apenas um mês no trono, antes de ser deposto por Menaém (15.16-22). À essa altura, dois reis adversários assumiram o comando em Israel; Menaém, um rei pró-Assíria (15.19-22), e Peca, que foi parte de uma coalizão anti-Assíria, e que tentou pressionar Judá a se juntar a ela (15.37, 38). Menaém foi sucedido por seu filho, Pecaías (15.23-26), que foi assassinado por Peca. Assim, a facção anti-Assíria desfrutou autoridade exclusiva em Israel por 8 anos, depois dos quais um conspirador patrocinado pela Assíria, Oséias, assassinou Peca e tomou o trono como um títere da Assíria. Judá, nesse ínterim, havia entrado em um período de 10 anos de co-regência entre Azarias e Jotão, que finalmente assumiu o trono e teve um reinado espiritualmente estável e materialmente próspero (15.32-38). Seu filho Acaz uniu-se a ele no trono por 5 anos, período em que os ataques siro-efraimitas contra Judá aconteceram (15.37, 38), provavelmente, devido à inclinação pró-Assíria de Acaz. Quando chegou ao trono, Acaz se revelou um completo idólatra. Ele encheu Jerusalém com abominações e se vendeu aos assírios, apesar das exortações de Isaías (Is 7). Ele partilhou seu trono, por 14 anos, com seu filho Ezequias. Oséias, o último rei de Israel, durante esses 14 anos, trocou sua lealdade para com Salmaneser V, da Assíria, por uma aliança com Osorcom IV, do Egito, o que trouxe os exércitos assírios contra ele. O monarca traidor tinha trazido sobre seu povo infiel a punição havia muito anunciada pelos profetas. A invasão e o cerco iniciados por Salmaneser (17.1-5) terminaram com seu sucessor, Sargão II, que levou cativo o remanescente para a Assíria (17.6). Uma nota editorial explica as razões para o cativeiro (17.7-23) e fornece informação acerca de como o sincretismo perverso de Israel encontrou aceitação junto ao povo que se estabeleceu ali depois do exílio (17.24-41). A terceira parte do livro cobre os últimos 143 anos da monarquia teocrática, quando Judá foi o único reino israelita. Depois da morte de seu pai apóstata, Ezequias buscou uma política vigorosa de reforma religiosa (18.1-4; cf. 2 Cr 29 e 30), que foi longa o bastante para reformar a adoração, mas não tão profunda a ponto de mudar a atitude (cf. as acusações de profetas como Isaías e Miquéias). Promoveu também uma política anti-Assíria que o colocou como cabeça da coalizão ocidental contra Senaqueribe. Essa política anti-Assíria está ligada a dois outros incidentes no reino de Ezequias (cf. Is 36–39), preservados fora de sua ordem cronológica para mostrar melhor o comportamento esquizofrênico dos reis da linhagem de Davi, que, às vezes, confiavam em Yahweh e, outras vezes, recorriam a alianças políticas.
Ezequias, por volta de 702 a.C., ficou muito doente e, em face de de seu pedido, recebeu mais 15 anos de vida (20.1-11). Logo depois disso, Merodaque-Baladã, o ardiloso líder caldeu que tentou libertar a Babilônia da dominação Assíria, enviou mensageiros para persuadir Ezequias a se unir a ele. O fato de Ezequias orgulhosamente ter mostrado suas vastas riquezas (20.12, 13) sugere que 1) algum tipo de pacto defensivo foi estabelecido; e 2) essa visita aconteceu antes da invasão de Senaqueribe, pois Ezequias havia limpado os cofres da nação para pagar o imposto e se livrar do monarca assírio (18.13-16). Em sua batalha contra os egípcios e filisteus, Senaqueribe não se esqueceu da insolência de Ezequias. Nem mesmo o imposto substituiria o prazer da rendição, que o monarca assírio tentou conseguir ao enviar seu oficial-chefe para submeter Jerusalém à base de ameaças (18.17-37). Ezequias, temporariamente aliviado pela movimentação militar de Tiraca, o príncipe real etíope, logo foi confrontado com uma carta insolente (19.9-13) e um exército invasor. Quando ele levou o assunto a Yahweh, a resposta veio da boca de Isaías, a saber, que Jerusalém seria poupada e os assírios levantariam o cerco (19.14-34). A libertação veio por meio de uma intervenção angelical, destruindo a maior parte das tropas assírias. Desmoralizado, Senaqueribe voltou para a Assíria e ali morreu, assassinado por dois de seus filhos (19.35-37). Manassés, que por 10 anos partilhou o trono com Ezequias, não partilhava de nenhuma de suas convicções religiosas, e reintroduziu as antigas práticas pagãs que seu pai havia removido (21.1-6). Para tornar as coisas ainda piores, até erigiu um poste para Asera dentro do templo, trazendo assim a ira inevitável sobre Judá (21.7-18). Reis não relata seu cativeiro, arrependimento e restauração (2 Cr 33.12-19) Seu filho Amom continuou com a abominável tradição e viu o fim de seu reino em um conflito palaciano entre duas facções, os oficiais (provavelmente um partido antiAssíria), e ―o povo da terra‖ (mais provavelmente a nobreza proprietária de terras e defensora do status quo). 16 O jovem Josias foi o último rei independente de Judá e o que chegou mais próximo do modelo, Davi. Ele também buscou uma reforma religiosa, primeiro no templo (22.1-7) e, depois, por meio da leitura de uma cópia da Torá recentemente descoberta (22.9-20), na prática e nas atitudes da liderança e do povo. Josias renovou a aliança (23.1-3) e saiu por todo o Israel eliminando os centros pagãos de adoração e seus sacerdotes (23.4-20). O ápice dessas reformas foi a celebração da maior Páscoa já vista (23.21-23). Josias, entretanto, não estava acima de reprovação. Talvez ao pensar em reafirmar a independência de Israel, dentro das fronteiras do reino de Salomão, Josias tentou deter Neco II, do Egito, que esperava fornecer ajuda aos assírios sitiados em Harã (23.28-30). Sua atitude aparentemente orgulhosa custou a ele sua vida e a Israel seu rei mais promissor.
Começando com Jeoacaz, todos os últimos reis de Judá foram marionetes do Egito ou da Babilônia. Jeoacaz foi deposto pelo faraó Neco (23.31-33) e substituído por seu irmão Jeoiaquim (23.34–24.7), que primeiro foi vassalo do Egito (608 a.C.), e depois da Babilônia. Jeoiaquim rebelou-se e teve seu país invadido pelos babilônios (605 a.C.). Ele morreu como rei-marionete e seu filho, Joaquim, que tentou mudar sua lealdade, foi capturado e levado para a Babilônia após um reinado de 3 meses (24.8-16). O último rei de Judá seguiu os mesmos passos de lealdade dividida e causou o cerco final de Jerusalém, seu saque e o cativeiro de seu povo (24.17–25.21). Nem mesmo a permanência de um pequeno remanescente empobrecido foi possível porque o governador escolhido foi morto por um príncipe nacionalista. Os poucos israelitas remanescentes, mais uma vez incapazes de confiar em Yahweh, partiram, com medo, para o Egito (25.22-26; cf. Jr 42 e 43). O epílogo do livro é fornecido por um incidente aparentemente não relacionado às narrativas anteriores − a reabilitação de Joaquim, na Babilônia, 37 anos após sua prisão (25.27-30). A grande ênfase do livro nas alianças, entretanto, tanto a Mosaica quanto a Davídica, sugere fortemente que esse parágrafo possui insinuações profundas de esperança messiânica, as quais os exilados levariam consigo de volta para Jerusalém.