O autor de Crônicas escreveu com a segunda geração da comunidade pós-exílica em mente. Ao ligar, por meio das genealogias, sua versão da história de Israel à história primitiva, ele tenta fornecer uma visão abrangente do plano de Deus para Seu povo baseada em quatro parâmetros, a saber, o desenrolar da aliança deuteronômica (com ênfase na retribuição), o desenrolar da aliança davídica (com ênfase na graça), a crucialidade da revelação legal e profética de Deus e a continuidade da teocracia por meio da adoração no templo.
Os fracassos de Israel (ou Judá) em cumprir a fidelidade exigida pela aliança mosaica, conforme expressado em Deuteronômio, é um tema freqüente em Crônicas, o qual é muitas vezes associado a punições similares às prescritas em Deuteronômio 28. Assim, o saque de Jerusalém por Sisaque (2 Cr 12.5s.) é interpretado como uma retribuição direta pela infidelidade (12.1,2); a doença e morte de Jorão, com a invasão de Judá, são atribuídas à intervenção de Yahweh contra a ―prostituição religiosa‖ do rei (2 Cr 21.12- 20). Na história, em 2 Cr 15.2-7; 16.7-9; 19.2,3; 24.20; 25.15,16; e 34.24-28, são encontradas outras ilustrações dessa perspectiva. O sucesso dos chamados ―bons‖ reis também está ligado à lei e à obediência a ela (2 Cr 14.2-7; 17.3-9; 24.6, 9; 30:15,16; e 34.19-21, 29-33).
A ênfase em Davi e sua dinastia é evidente pelo lugar preponderante que ocupam nas genealogias. O autor claramente pretendia demonstrar que a aliança registrada em 2 Samuel 7, que ele cuidadosamente reproduz em 1 Crônicas 17, mantivera sua validade ao longo da história da monarquia dividida, tanto no aspecto da bênção quanto no disciplinar (Asa e Jeosafá são os dois reis que recebem tanto louvor quanto crítica do autor, assim ilustrando as duplas promessas de 2 Samuel), e, nesse ponto, dava a esperança de qual comunidade pós-exílica derivaria sua força enquanto esperava pelo cumprimento total das bênçãos exemplificado nos reinados dos descendentes fiéis de Davi.
Esses reis (Salomão, Asa, Jeosafá, Ezequias e Josias) não são idealizados como perfeitos, mas são seletivamente apresentados como retratos do padrão messiânico estabelecido por Davi, um rei cujo coração era compromissado com Yahweh de tal modo que buscava a piedade e a fidelidade à aliança de Deus em seu reinado, sendo depois recompensado com triunfo militar, livramentos milagrosos e prosperidade material (cf. as bênçãos na aliança palestina ou deuteronômica). Mais relevante ao Sitz im Lebem de sua comunidade é o cuidado do autor em identificar cada um desses ―bons‖ reis com alguma avaliação do esforço deles em assegurar a adoração apropriada ligada ao templo salomônico, a casa de Yahweh e a expressão tangível da teocracia para o Israel pós-exílico. Isto está de acordo com as palavras da aliança davídica: ―Este edificará uma casa ao meu nome‖ (2 Sm 7.13; cf. 1 Cr 17.12).
Ao longo de sua obra, o cronista destaca a delicada questão do relacionamento entre o trono e os profetas, que funcionavam como guardas da mais importante herança de Israel – a aliança com Yahweh. Os profetas, que em Reis são vistos apenas como portadores de mensagens orais, aparecem em Crônicas como profetas escritores (na obra, a única menção a Elias é uma carta escrita ao rei Jorão, de Judá, cf. 21.12-15). Reis que atendem às exortações proféticas têm sucesso (Davi, Asa, Jeosafá, Ezequias, Josias e até os duvidosos Roboão [2 Cr 12.6] e Amazias [25.7-10]), enquanto aqueles que as rejeitaram trouxeram para si o perigo e a destruição final (Jorão, Joás, Amazias, Manassés e Zedequias). Dessa maneira, um padrão já implícito nos livros de Samuel, a saber, que a monarquia de Israel devia estar sujeita a Yahweh por meio do ministério profético (cf. Samuel e Natã), encontra sua plena expressão em Crônicas, sendo resumido nas palavras de Jeosafá: Tenham fé no Senhor, o seu Deus, e vocês serão sustentados; tenham fé nos profetas do Senhor e terão vitória (2 Cr 20.20, NVI). A força do paralelismo é óbvia, especialmente em suas implicações para a comunidade pós-exílica; assim como as antigas promessas foram cumpridas literalmente, as promessas pendentes serão finalmente cumpridas em favor de uma geração obediente de israelitas.
A continuidade da teocracia por meio da adoração no Templo
Uma das ênfases mais importantes na história do cronista é a eleição de Levi como a tribo que ministraria diante do Senhor (1 Cr 15.2; cf. 23.24-32), de Jerusalém, como o lugar onde Sua adoração poderia ser conduzida (2 Cr 6.6, 34-38; 33.7), e do templo, como o lugar onde Seu nome habitaria (2 Cr 7.12-16). A centralidade do culto como expressão da soberania de Yahweh sobre Israel é vista também na quantidade de material dedicado a sua descrição, desde o tempo dos preparativos de Davi para a construção do templo e para o funcionamento de seu ritual (1 Cr 21.1– 26.19; 28.1 – 29.9) até a construção e dedicação do edifício por Salomão (2 Cr 2.1 – 7.10) e o zelo reformador de Joás (24.4-13), Ezequias (29.3-36), e Josias (34.3- 13), mesmo em relação ao decreto de Ciro (36.23). A intenção óbvia é de participar à comunidade pós-exílica que eles eram herdeiros das promessas centradas em torno daquele edifício, o justo Filho de Davi e o trono eterno.
PADRÕES LITERÁRIOS E EXEGÉTICOS
Levando-se em conta que o propósito do cronista era fornecer à comunidade pós-exílica uma visão abrangente do plano de Yahweh para Israel ao longo da história, a presença de genealogias não é surpreendente. Mentes ocidentais podem vê-las como um apêndice à obra, mas, para o autor, elas eram parte integrante da história sacra; de certa forma, os homens eram a mensagem! O elemento-surpresa, porém, é a presença de genealogias primitivas, visto que Israel olhava para Abraão, no passado, como seu ponto de partida. A inclusão de uma genealogia começando em Adão, porém, teria servido até melhor ao propósito, já que demonstrava que Israel era o plano de Deus desde o princípio, enquanto acrescentava uma dimensão universal ao propósito da existência de Israel. É uma sutil lembrança de que as promessas abraâmicas, sobre as quais a nação fora fundada, tinham como propósito fazer Yahweh conhecido por todo o mundo, como também fazer de Israel uma bênção para todas as nações (cf. Gn 12.3). As genealogias, em Crônicas, além de todo esse propósito teológico, proporcionam informação familiar que é, de certo modo, relevante para a autopercepção da comunidade (cf. 1 Cr 7.14-19, a informação da origem parcialmente araméia dos gileaditas). Nessa área, as genealogias, em Crônicas, servem ao propósito especial de destacar aquelas tribos, clãs e indivíduos que mais significantemente influenciaram a história israelita (cf. a ênfase em Judá e Levi, e a negligência total a Dã e Zebulom), como também fornecem informação sobre por que outros foram impedidos de se tornar canais da bênção de Yahweh (5.1,2). Elas também têm uma função política, mais diretamente relacionada à distribuição de terras, que era importante enquanto os refugiados buscavam se assentar em suas antigas propriedades familiares. Um elemento religioso importante também está envolvido: estabelecer posição e cargo entre os levitas e sacerdotes (6.1-30; 9.10-34). Isso era particularmente importante para a preservação do sacerdócio racialmente puro, como evidenciado em Esdras 2.61-63. Um propósito final era manter os números exatos em estatísticas de alistamento militar, como se encontra em 1 Crônicas 5.1-21, especialmente o versículo 18. Há evidência de que o cronista foi seletivo e interpretativo no uso das genealogias disponíveis, alterando, às vezes, a ordem cronológica correta a fim de enfatizar um indivíduo ou uma família (cf. a família de Samuel em 6.22-27). Assim, embora o quadro das genealogias não esteja absolutamente claro, há luz suficiente para o leitor atento perceber como o cronista as usou para realçar sua abordagem teológica à história de Israel.
Harmonização
O termo harmonização é usado aqui não para indicar alteração do texto ou das fontes disponíveis (cf. as observações de Childs sobre isso, IOTS, p. 648), mas para o ajuste real de narrativas anteriores ao propósito do livro. Isso muitas vezes aparece como suplementação, ou seja, o acréscimo de detalhes retidos em tradições além das preservadas no Texto Massorético. Por exemplo, a referência aos levitas como portadores da arca (1 Cr 15) está ausente em 2 Samuel 6, em que a ligação arca-levitas não era relevante para o propósito do autor.
O cronista, visto que seu propósito era lidar com a história do remanescente fiel de Israel, sistematicamente omite o reino do Norte ou refere-se a ele em tons condenatórios (cf., por exemplo, o discurso de Abias em 2 Cr 13.4-12). Mesmo Elias, grande campeão do jeovismo, é raramente mencionado, porque a maior parte de sua atividade estava relacionada à luta contra o baalismo, no Norte. O cronista, ao omitir material ofensivo, principalmente no caso de Davi e Salomão, é freqüentemente acusado de adornar a história de Israel. A acusa-ção surge principalmente de um entendimento errado de seu propósito. Ele não está tentando reescrever a História, mas buscando interpretá-la à luz de novas realidades enfrentadas pelo Israel pós-exílico. Assim, é omitido muito do que não é relevante para seu propósito de ligar a comunidade adoradora do século 5 a.C. à aliança davídica pré- exílica. De modo significativo, muito do que se encontra em Samuel e Reis é retido, apesar de ser danoso à imagem de vários reis (e.g., o pecado de Davi em fazer o censo do povo) e certos elementos, que Reis e Samuel não registraram, são acrescentados (e.g. a profana aliança de Asa, com os arameus, contra Israel; cf. 1 Cr 16.7-10 e 1 Rs 15.16- 22, e seu fracasso em confiar em Yahweh em relação a sua doença; cf. 1 Rs 15.23 e 2 Cr 16.12). O cronista, dessa maneira, está isento das acusações de suprimir informações (que estavam plenamente disponíveis, afinal de contas, em Samuel e Reis); ele usou a informação seletivamente para pintar um retrato de Davi como o ideal messiânico de Yahweh, pelo qual outros reis davídicos foram medidos. Assim, mesmo o mais perverso de todos, Manassés, é capaz de genuíno arrependimento, uma marca do homem segundo o coração de Deus.
Tipologia
Childs resume bem a técnica empregada, quando escreve: ―…Faz-se uso de palavraschave e expressões estereotipadas para trazer à consciência do leitor outros exemplos do mesmo padrão dentro de todo o espectro das Escrituras oficiais‖ (IOTS, p. 651). Assim, as palavras que se encontram na condução de Josué à liderança (Js 1.9) estão também nos lábios de Davi quando passa o bastão real a Salomão (1 Cr 22.13). De maneira semelhante, Abias, Asa, Jeosafá e Ezequias enfrentam perigo iminente com uma oração ou afirmação que reconhece a insuficiência deles e a suficiência de Yahweh (cf. 2 Cr 13.12; 14.11; 20.12; 32.8), em um esforço consciente de refletir a confiança e fé que Davi tem Yahweh. O cronista lida também com os eventos de tal maneira que a continuidade se torna óbvia a um leitor atento. Davi, como Moisés, é muito bem-sucedido como iniciador, mas é incapaz de alcançar seu sonho de vida (construir o templo e entrar em Canaã); em ambos casos uma proibição divina indica que seus sucessores realizariam o que eles haviam começado (cf. 1 Cr 22.5-13; Dt 31.2-8). Tanto Salomão quanto Josué são conduzidos a seus cargos de modo particular e público (22.6; cf. Dt 31.23 e 28.8; cf. Dt 31.7). Assim como o tabernáculo, o plano do templo veio do próprio Deus (1 Cr 28.11- 19; cf. Êx 40.35). As ofertas voluntárias coletadas por Moisés (Êx 25.1-7) e Davi (1 Cr 29.1–9) encontram correspondência histórica nas reformas de Josias (2 Cr 34) e, por implicação, nos esforços pós-exílicos para reconstruir o templo. Assim, a tipologia cumpre o propósito de estabelecer continuidade e motivar a fidelidade no presente.
ARGUMENTO BÁSICO
Como já foi mencionado, Crônicas dá à comunidade pós-exílica uma interpretação teológica da história nacional na qual a aliança davídica, o ministério levítico no templo e um sentido estrito da ação retribuidora da aliança de Deus têm papel predominante. O propósito da obra era provocar apoio para a teocracia em sua forma existente, isto é, motivar a fidelidade à lei e a esperança nas promessas messiânicas escatológicas da aliança. Os livros de Crônicas são geralmente divididos em quatro partes. A primeira parte consiste de genealogias de Adão a Davi, com ênfase específica nas linhagens davídica e levítica (1 Cr 1–9). A segunda parte lida com o reinado de Davi, com ênfase especial em seu papel de estabelecer os procedimentos e as pessoas que regeriam a adoração no templo (1 Cr 10–29). A terceira parte descreve o reinado de Salomão, concentrando-se em sua atividade como construtor do templo e na glória e esplendor de seu reinado, fornecendo um retrato do que Israel poderia ter sido se seus reis tivessem permanecido fiéis à aliança (2 Cr 1–9). A quarta parte traça a história (o declínio) do reino de Judá (i.e., a linhagem davídica) desde 931 a.C. até 586 a.C., com um epílogo de esperança à luz do decreto de Ciro para reconstruir o templo em Jerusalém (2 Cr 10–36). O livro inicia-se com o registro de genealogias primitivas, ou seja, de Adão a Abraão, com ênfase natural na linhagem de Sem (1.1-27). O padrão seguido pelo autor é interessante pelo fato de que tanto os primeiros treze nomes (1.1-4) como os últimos dez são listados sem termos de parentesco (1.24-27), sugerindo assim uma visão unificada do propósito de Deus. Linhagens subsidiárias são inseridas entre a linha de revelação de Deus. Esse padrão também é seguido nas genealogias do período patriarcal (1.28 – 2.2), em que, mais uma vez, a listagem de indivíduos de menor reputação precede a daqueles que foram encarregados de levar adiante a linha de revelação de Yahweh. Uma lista detalhada dos reis e chefes edomitas ilustra quão cuidadosamente os registros eram guardados, mesmo no caso de uma nação estrangeira (1.43-54; talvez esses registros tivessem sido capturados no tempo em que Davi conquistou Edom). Seguem-se as genealogias do período tribal (2.3 – 9.1) que enfatizam fortemente as linhagens de Judá e Levi, à luz de sua primazia na história da teocracia. Judá é a primeira tribo a ser mencionada (2.3-54; 4.1-23), com uma inserção para a linhagem davídica (3.1-24), que assim é colocada bem no centro da tribo cujo papel, profeticamente descrito, era de exercer autoridade entre seus irmãos (Gn 49.10). Simeão é citado, a seguir, em virtude de seus laços geográficos e políticos com Judá (4.24-43). A linha genealógica é depois controlada pelo padrão geográfico de conquista e assentamento, em que as tribos transjordânicas são alistadas antes das outras nove. Rúben é a primeira (5.1-10), com uma nota explanatória a respeito de sua perda dos direitos de primogenitura (v. 1,2). A seguir, vem Gade (5.11-22) e a meia-tribo de Manassés (5.23-26). A genealogia para a tribo de Levi reflete, em sua extensão (6.1-81), a importância que o cronista atribui a ela no desenvolvimento da teocracia de Israel. A próxima tribo alistada é Issacar (7.1-5), seguida pela versão resumida da linhagem de Benjamim (7.6-12); a genealogia de Naftali (7.13, uma mera lista dos netos de Jacó) não vai além da lista em Números 26.48, que pode sugerir uma perda dos registros no período assírio. Estas são seguidas por Manassés e sua linhagem (7.14-19), uma passagem cheia de problemas textuais. A seguir, vem Efraim (7.20-29), com ênfase na linhagem de Josué, e Aser (7.30-40), uma genealogia relacionada ao militarismo. O capítulo 8 contém um tratamento aprofundado da tribo de Benjamim, provavelmente mencionado devido a sua associação íntima com Judá, antes e depois do exílio, e também em razão de seu papel na instituição da monarquia em Israel (8.1-40). Uma lista enfatiza a linhagem de Saul por meio de Jônatas (8.29-39), que é repetida com omissões mínimas em 9.35-44.
O registro genealógico termina com uma nota em 9.1. É interessante notar que o cronista enfatiza a totalidade do registro, embora duas tribos estejam ausentes de seu rol, Dã e Zebulom. A perda de registros contemporâneos fornece uma explicação natural para tal omissão. A primeira seção termina com um resumo dos membros da comunidade pós-exílica (9.1-34). Mais uma vez, o autor, nessa seção, dá especial atenção às pessoas ligadas ao culto. A seguir, vem a revisão da linhagem de Saul (9.35-44), servindo provavelmente como uma dobradiça entre as seções ―clerical‖ e histórica, ou até fornecendo um contraste (em 10.1-13) para o brilho do reino davídico. O reinado de 32 anos de Saul é omitido, e o único registro de sua vida é o relato de sua morte, a qual o autor atribui à infidelidade à palavra de Deus (10.13). O relato da monarquia teocrática começa abruptamente com a coroação de Davi, em Hebrom, pelas doze tribos (11.1-3), omitindo assim a guerra civil entre Davi e Isbosete, que, é claro, seus leitores conheceriam do relato em 2 Samuel. O primeiro ato público significante de Davi é a captura de Jerusalém (11.4-9), uma manobra associada a sua ascendência como rei poderoso, conforme demonstrado pela impressionante lista de heróis associados a ele (11.10 – 12.40). Os detalhes do reinado de Davi, fornecidos pelo cronista, estão concentrados em sua associação com o culto. A narrativa da malsucedida tentativa de trazer a arca para Jerusalém (13.1-14) é seguida pelos sucessos de Davi nas esferas política, familiar (a introdução de Salomão) e militar (14.1-17), como também pela mudança bem-sucedida da arca para Jerusalém, onde um novo tabernáculo fora construído (15.1-3). Para o cronista, esse evento tinha significado especial, visto que expressava a relação íntima entre Davi, os levitas e o culto, bem como dava um retrato claro de que todo o Israel aprovava a adoração a Yahweh sediada em Jerusalém (15.4-25). Davi aparece em sua capacidade sacerdotal (15.26 – 16.3; cf. ―O argumento de 2 Samuel‖, pp. 293-294) e também como o patrocinador e organizador do sistema cultual de Israel (16.4-6, 37-43). As festividades, que incluíam sacrifícios (16.1,2), refeições comunitárias e presentes reais (16.3), foram concluídas com louvor e exaltação a Yahweh (16.7-36). O capítulo 17 contém o relato da aliança davídica, a manobra graciosa de Yahweh que ecoou o desejo divinamente implantado em Davi de construir uma casa duradoura para o Deus de Israel em Jerusalém (17.1,2). As promessas de Yahweh, transmitidas por Natã, o profeta, incluíam a construção da casa de Davi (17.3-10), como também a provisão de casa, trono e reino duradouros a um de seus descendentes (17.11-15). A verbalização da promessa tornou possível a qualquer nova geração fornecer o Filho esperado. A resposta de Davi em louvor é relatada em 17.16 e versículos subseqüentes. Os próximos três capítulos descrevem os triunfos militares de Davi, aqui apresentados como o transbordar natural da aliança e as condições necessárias para um período de descanso, no qual a casa do Senhor poderia ser construída (cf. H. G. M. Williamson, 1 e 2 Chronicles [1 e 2 Crônicas], NCBC, p. 138). A incipiente organização do reino (18.14-17) é rodeada por vitórias sobre a Filístia e Moabe (18.1,2), Arã (18.3-12) e Edom (18.13), como também por triunfos sobre os exércitos unidos de Amom e Arã (19.1 – 20.3) e sobre os gigantes filisteus (20.4-8). O cronista escolheu, de todos os fracassos davídicos claramente relatados em Samuel, incluir aquele diretamente relacionado à adoração em Israel, o senso militar que levou à compra de uma porção de terra na qual o templo seria depois construído (21.1 – 22.1). Yahweh, em resposta à húbris de Davi (21.1-8), propõe uma escolha entre três punições, das quais Davi escolhe a peste (21.9-13). A destruição de Jerusalém é evitada pela confissão e intercessão de Davi (21.14 – 22.1), em meio dos quais ocorreu uma transação comercial, na qual um vassalo jebuseu vende sua propriedade a Davi (21.18- 27), onde um altar é construído e holocaustos são oferecidos. As discrepâncias observadas entre 2 Samuel 24 e 1 Crônicas 21 são facilmente explicadas. Em relação à ação de Davi, ela claramente teve sua origem nos propósitos eternos e soberana permissão de Yahweh, sendo levada a cabo por Satanás por meio do orgulho pessoal de Davi; em relação ao preço pago, a discrepância está no custo da eira (2 Sm) e no valor de toda a propriedade (1 Cr). O relato termina com a decisão de Davi de edificar o templo ali (22.1).
A próxima seção lida com os preparativos de Davi para o templo. Ele fornece materiais (22.2-5), persuade seu filho a levar a obra adiante (22.6-16) e estimula os nobres de Israel a assistir Salomão na tarefa (22.17-19). Após os preparativos, segue-se a escolha de pessoal para o templo (23.2 – 26.32), com uma lista iniciada pela menção de Salomão como herdeiro do trono (23.1), demonstrando, assim, os laços íntimos que a monarquia e a adoração tinham para o cronista em sua visão da história de Israel. Os levitas são listados de acordo com seus clãs (23.3-6), gersonitas (23.7-11), coatitas (23.12-20) e meraritas (23.21-23), seus deveres também são descritos (23.24-32). A organização religiosa de Israel envolve, a seguir, a divisão dos descendentes de Arão em 24 ordens de serviço no santuário (24.1-19), e os versículos restantes do capítulo dão maiores detalhes da divisão dos levitas (24.20-31). Davi prescreveu tanto o número quanto a divisão dos cantores (25.1-31) e a divisão dos porteiros (26.1-19), estabeleceu oficiais financeiros para lidar com ofertas no local do templo (26.20-28) e magistrados para julgar assuntos da vida civil e religiosa (26.29- 32), nas várias províncias de seu reino. O capítulo 27 está mais preocupado com a organização militar do reino. Davi parece ter estabelecido uma infantaria de 288 mil homens, em que talvez 24 mil estivessem prontos para o serviço em um esquema de rodízio mensal. O capítulo dá o nome de cada ―general‖ (27.1-16), os líderes de cada tribo (27.16-22) e os problemas associados com o censo (27.23, 24). O panorama da gestão de Davi termina com uma lista de oficiais civis, tanto para as posições de ―secretário‖ (27.25-31) quanto as de ―gabinete‖ (27.32- 34). Os últimos dois capítulos de 1 Crônicas descrevem a transição de Davi para Salomão. Eles diferem do relato de 1 Reis não porque o cronista esteja tentando pintar Salomão com cores mais favoráveis, mas porque a ênfase é diferente. Reis enfatizou, até mais do que Samuel, os efeitos degenerativos do pecado. Crônicas retrata os efeitos preservadores da graça. Estes, na verdade, coexistiram no intervalo entre 1 Reis 1 e 2, que pode ter sido longo o suficiente para que uma transição ocorresse. Davi, em 1 Crônicas 28.1-10, se dirige aos líderes de Israel; em 28.11-19, ele entrega os planos do templo para Salomão, depois encarrega o filho (28.20,21) de levar adiante a visão da construção do templo, pede contribuições de Israel para o projeto (29.1-9) e oferece sua oração final de ação de graças (29.10-20). Salomão é publicamente reconhecido como rei (29.21-25), e Davi morre em paz e honra (29.26-30). A terceira parte da obra apresenta a história do rei Salomão (2 Cr 1.1 – 9.31). A primeira seção explica a origem de sua sabedoria e riqueza – um compromisso com Yahweh evidenciado em sua escolha por sabedoria (1.1-17). A seção seguinte lida com os projetos de construção de Salomão, especialmente a construção e dedicação do templo (2.1 – 7.22). O processo de construção ocupa os capítulos 2 a 4, destacando os trabalhadores (2.1,2), a ajuda recebida de Hirão (2.3-17), a própria construção (3.1 – 4.22). Os capítulos 5 a 7 descrevem a dedicação do templo, com o transporte de tesouros e artigos religiosos ao templo (5.1-14), com ênfases óbvias à arca (5.2-10) e às cerimônias de dedicação (6.1 – 7.22). Estas incluíram a bênção de Salomão a Deus e ao povo (6.1-11), sua oração de consagração pela casa (6.12-42), o sinal de aprovação de Yahweh por meio do fogo no altar e a nuvem no edifício (7.1-3), a oferta de sacrifícios (7.4-7) e a celebração da Festa das Cabanas com a dedicação do templo (7.8-11). Esse retrato jubiloso chega ao ápice com o aparecimento pessoal de Yahweh para Salomão como confirmação da aliança davídica (7.12-22). A seção final dessa terceira parte pinta um retrato idealista de Salomão como o protótipo do rei messiânico, sem menção a suas falhas (8.1 – 9.31). O autor enfatiza as habilidades administrativas de Salomão (8.1-16), sua crescente fortuna (8.17, 18) e sua notória reputação de sabedoria e riqueza (9.1-28). A referência a outros relatos do reinado de Salomão (9.29-31) claramente indica que o cronista não tinha intenção de distorcer a História, mas de motivar sua geração recontando as glórias associadas à obediência à Lei.
A última divisão da obra lida com o progressivo declínio da teocracia sob a linhagem davídica, com seu cativeiro em Babilônia e a restauração nacional pela intervenção da Pérsia (2 Cr 10.1 – 36.23). Ao longo dessa seção, o padrão é expor tanto a obediência quanto a desobediência, com seus resultados previstos na aliança – bênção e punição. Mesmo o piedoso Josias traz decadência para si mesmo ao deixar de dar ouvidos a Deus (35.22), e mesmo o totalmente perverso Manassés encontra graça no arrependimento (33.10-13). Os capítulos 10 a 12 concentram-se em Roboão como o rei sob cujo reinado as tribos do Norte se separam, começando dinastia e adoração rivais. A arrogância de Roboão contra as reclamações de seu povo (10.1-11) impulsionou a ruptura da monarquia (10.12-19). Um confronto militar (11.1-12) por pouco não virou guerra civil, evitada apenas por uma ordem pessoal de Yahweh; isso permitiu que muitos no reino do Norte, especialmente os levitas, migrassem para o sul e se assentassem em Judá (11.13-17). Sucessos iniciais (11.18 – 12.1) são seguidos de apostasia, que trouxe uma invasão de Sisaque (Sesonque I, do Egito) e o saque dos tesouros de Jerusalém (12.1-12). Roboão foi seguido por seu filho Abias. O relato do reinado de Abias é bastante positivo, visto que enfatiza sua vitória sobre Jeroboão, que foi uma virtude à fidelidade de Judá a Yahweh (13.1–14.1). O relato de 1 Reis apresenta um retrato mais negativo. Asa, o terceiro rei de Judá recebe uma avaliação mista do cronista (14.2–16.14). Positivamente, ele removeu a idolatria (14.1-5), defendeu a nação (14.6-8) e confiou em Yahweh para uma notável vitória sobre o general etíope Zerá (14.9-15). Sua fidelidade à aliança feita com Yahweh (15.1-15) foi além de sua afeição filial (15.16, 17) e enriqueceu a vida religiosa de Judá (15.18, 19). Sua guerra de fronteira com Baasa, de Israel (16.1-6), porém, fez com que sua confiança em Yahweh vacilasse, pelo que ele foi repreendido (16.7-9) e contra o que se rebelou (16.10,11). Sua quebra de lealdade foi punida com doença, e ele morreu em estado de apostasia (16.12-14). Quatro capítulos são dedicados ao reinado de Jeosafá, um rei que agiu prudentemente e mostrou temor a Yahweh e respeito pela Lei (17.1-19). Seu relato negativo está relacionado a uma aliança profana com o idólatra Acabe, de Israel (18.1-3), a qual foi condenada por Yahweh (18.4-22), que ameaçou sua vida (18.28-34), e pela qual Jeosafá é repreendido por Jeú, o vidente (19.1-4). Esse problema de alianças profanas apareceria novamente em 20.35-37, dessa vez no campo comercial. Jeosafá, excetuando isso, é apresentado como rei modelo, ao dar atenção à instrução de seu povo na Torá (19.5-11) e em sua confiança em Yahweh em uma situação de crise, quando Judá foi invadido por tropas vizinhas (20.1-34). O retrato real seguinte é sombrio, não só em virtude de um primeiro caso de fratricídio, mas também devido ao matrimônio profano entre um herdeiro davídico e uma princesa da casa de Onri (21.1-7). O juízo veio na forma de perda territorial (21.8- 11), repreensão profética, doença e morte divinamente induzida, assim como sepultamento sem honras reais (21.12-20). O curto reinado de Acazias foi marcado por corrupção espiritual e perigo político de assimilação pelo reino do Norte devido à grande influência da dinastia de Onri, cuja presença, sem dúvida, era promovida pela ímpia Atalia (22.1-4). A aliança profana de Acazias com Jorão, de Israel, finalmente o envolveu na matança conduzida por Jeú (22.5-9).
Nesse ponto, a própria sobrevivência da linhagem davídica estava por um tênue fio quando Atalia tentou um golpe de Estado para assumir o trono de Judá (22.10). Essa conspiração maléfica foi frustrada com a preservação de Joás, um príncipe real, pelo sumo sacerdote Jeoiada e sua esposa (22.11, 12). Um contra golpe de Estado bem-sucedido, liderado por Jeoiada, devolveu um herdeiro davídico ao trono (23.1-15). A verdadeira adoração é restaurada (23.16-21) e um reinado que honrava a Deus se segue durante a tutela de Jeoiada sobre Joás (24.1-14). A morte de Jeoiada é um momento decisivo para Joás, cujo reinado ruiu em virtude de sua idolatria e ingratidão (24.17-26). Joás oferece um contraste gritante com Jeosafá, que praticou e pregou obediência aos profetas (20.20). Joás é seguido por Amazias, cujo reinado começa no caminho certo e é recompensado com triunfo militar (25.1-13). Sua apostasia com deuses edomitas (25.14-16) levou-o ao orgulho autossuficiente e à derrota diante de Joás, de Israel (25.17-24). Amazias foi morto em um golpe no palácio em Laquis (25.25-28). O reinado de Uzias retrata a constante tensão enfrentada pelos reis de Judá: ser submisso à instrução divina por intermédio dos profetas e sacerdotes ou buscar a própria independência. Uzias, que começou bem, religiosa e militarmente, sob a instrução de Zacarias (26.1-15), mas passou de seus limites e foi atacado de lepra (26.16-21), morrendo como um exilado (26.22, 23). Jotão, que já agira como vice-regente sob Uzias, subiu ao trono e foi abençoado com conquistas e prosperidade graças a sua fidelidade ao Senhor (27.1-9). Acaz foi notório por sua grande idolatria (28.1-4). Tal apostasia foi severamente punida por Deus com repetidas invasões por uma coalizão siro-israelita (28.5-15), pelos edomitas e pelos filisteus (28.20, 21). Sua crescente aflição apenas aumentou a idolatria e a apostasia, a ponto de banir o culto a Yahweh no templo (28.25). Para o cronista, Acaz tornou-se o cúmulo do mal, o único rei para o qual nenhum fator justificador é apresentado. Como Jorão, ele não é considerado digno de sepultamento real. Em contraste, seu filho Ezequias foi um rei notável em todos os aspectos (29.1– 32.33). Ele se esforçou muito para restaurar o templo e o culto a Yahweh (29.1-36). Ele celebrou a Páscoa não só para os fiéis em Judá, mas buscou incluir israelitas do Norte que haviam sobrevivido à conquista assíria (30.1-20) e encorajou o povo a celebrar e se regozijar no Senhor (30.21-27). Seguiu-se um reavivamento que levou à remoção de centros idólatras tanto em Judá quanto no restante do reino do Norte (31.1). Ezequias também encorajou o apoio ao culto de Yahweh (31.1-10) e organizou um sistema para o uso apropriado dos fundos (31.11-19). O cronista não podia deixar de notar a relação de causa e efeito entre sua fidelidade a Yahweh e a prosperidade experimentada (31.20, 21). Entretanto, a fidelidade raramente deixa de ser provada. A ascendência da Assíria trouxe o perigo da conquista, mas Ezequias reagiu com sabedoria, preparando-se para o cerco tanto material quanto espiritualmente (32.1-20). As hordas militares da Assíria foram enfrentadas pelos guerreiros que oravam a Yahweh (32.20) e uma poderosa obra de livramento foi operada em favor de Judá (32.21-23). A bênção adicional de recuperação física de uma morte certa (32.24), porém, fez surgir o orgulho espiritual e perda de comunhão com Yahweh (32.25, 26). Seu reinado é apresentado como um tempo de bênção em todas as áreas e seu sepultamento oferece um forte contraste ao de seu pai (32.27-33). Manassés, que partilhara o trono com seu pai por vários anos, agiu para desfazer muito do bem realizado por Ezequias. Ele reintroduziu e encorajou a idolatria (33.1-10), e isso foi apresentado pelo cronista como a causa real de sua captura e aprisionamento pelo rei assírio (possivelmente Assurbanipal, 33.11). Seu arrependimento ocasionou seu livramento e retorno a Jerusalém (33.12, 13), onde ele buscou desfazer toda sua obra idólatra passada (33.12-20) Manassés fornece um forte exemplo para a comunidade pós-exílica, especialmente à luz da avaliação negativa que ele recebe em Reis.
Infelizmente para Judá, as raízes do mal já estavam firmadas e floresceram de novo durante o reinado de Amom. Este, idólatra como seu pai, mas diferente dele, endurecido além da possibilidade de arrependimento, reinou por apenas dois anos antes de cair sob um golpe palaciano (33.21-25). O último rei bom de Judá foi Josias, outro yahwista compromissado e reformista ardente. Ele, cedo em sua juventude, promoveu reformas (34.1-7), inclusive a reforma do templo, onde o livro da lei foi encontrado (34.8-28). Sua reação à Palavra do Senhor foi um apelo nacional para renovar a aliança (34.29-33), que culminou com celebrações incomuns da Páscoa e festa dos pães ázimos (35.1-19). Mesmo o piedoso Josias, porém, não era irrepreensível. Josias, incumbindo-se de retificar a política internacional, foi ao encontro da morte em um confronto militar com Neco II, do Egito, em Megido (35.20- 26). Os últimos reis de Judá merecem apenas uma nota passageira do cronista, pelo fato de que o destino da nação já fora selado. Jeoacaz reina apenas 3 meses e é deposto por Neco (36.1-3). Jeoiaquim, seu irmão, foi capturado por Nabucodonozor (depois devolvido a Jerusalém onde morreu pouco antes da segunda invasão dos caldeus). Seu reinado foi considerado ―abominável‖ (36.5-8). Ele foi seguido por seu filho Joaquim, cujo breve e perverso reinado foi reduzido por outra invasão babilônia (597 a.C.). Ele foi levado ao exílio e permaneceu na Babilônia até sua morte (36.9, 10). O último rei de Judá foi Zedequias, filho de Josias, que seguiu os passos tortuosos de seus predecessores e liderou a apostasia religiosa dos últimos anos do reino (36.11-14). Isso resultou, finalmente, na captura e destruição de Jerusalém, com a aparente remoção da teocracia (36.15-22).
O livro, contudo, termina com um epílogo de esperança e de continuidade, quando Ciro, o conquistador da Babilônia, proclama um edito autorizando que o templo, o maior símbolo da presença e do reinado de Yahweh sobre Israel, seja reconstruído (36.22, 23). As bênçãos e punições de gerações passadas fornecem, portanto, motivação para a comunidade pós-exílica andar nos caminhos de Yahweh e esperar pelo cumprimento das gloriosas promessas da aliança davídica.