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OS QUATRO EVANGELHOS COMO TESTEMUNHOS DO EVANGELHO

Os quatro Evangelhos são formas literárias distintas assim chamados porque o conteúdo principal deles é o evangelho. Como seus respectivos autores apresentaram o evangelho? Darei atenção especial à obra de dois volumes de Lucas, constituída por seu Evangelho e pelo livro de Atos dos Apóstolos. Antes, porém, vamos observar a introdução dos outros três Evangelhos. Cada autor tem um enfoque distinto, mas todos têm algo em comum: eles estabelecem uma ligação imediata entre a sua mensagem e a do Antigo Testamento. Mateus apresenta o vínculo familiar histórico de Jesus até Abraão e assim relaciona a história de Israel ao evangelho. Marcos entende que o evangelho de Jesus Cristo tem como base uma mensagem profética do Antigo Testamento. João recorda as palavras iniciais de Gênesis e assim aponta para Jesus de Nazaré como o Criador, que agora veio em carne.

Quando Mateus inicia seu Evangelho com a árvore genealógica de Jesus, passando por três grupos de quatorze gerações, ele não está simplesmente apresentando um registro de linhagem humana. Os três grupos vão de Abraão a Davi, de Davi ao Exílio e do Exílio a Cristo. O significado teológico desses marcos da história de Israel subjaz à interpretação de Cristo no Evangelho de Mateus. Abraão e Davi são os principais recebedores das promessas de Deus, enquanto o Exílio mostra o fracasso de Israel em receber as bênçãos dessas promessas. Jesus Cristo é apresentado nesse Evangelho como aquele por meio de quem as promessas se cumprem.

Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Mt 1.1).

Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Conforme está escrito no profeta Isaías… (Mc 1.1,2).

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus […] Todas as coisas foram feitas por intermédio dele […] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós… (Jo 1.1,3,14).

Marcos começa com algumas profecias da última parte da história de Israel. Estas dizem respeito ao anúncio dos atos finais de Deus para a salvação de seu povo. Marcos liga essas profecias a João Batista, que prepara o caminho para Jesus, e assim apresenta o seu Evangelho como um relato do que Jesus fez para cumprir as expectativas do Antigo Testamento. Quando João relembra a Criação, não tem tanto em mente o início do universo, mas, sim, que Deus o criou pela sua palavra. A palavra de criação é a palavra pela qual ele se revela e redime o seu povo. Um dos temas fundamentais de João é a vida. A humanidade recebeu a vida de Deus na Criação, mas perdeu-a pela desobediência na Queda. João desenvolve em seu Evangelho muitos temas do Antigo Testamento, a fim de mostrar que os que creem em Jesus Cristo têm a vida restaurada (Jo 20.31).

O TESTEMUNHO DE LUCAS-ATOS

Lucas inicia o seu Evangelho dirigindo-se a certo Teófilo. A introdução de Atos, também dirigida a Teófilo, mostra que seu objetivo é ser uma sequência do Evangelho, que Lucas define como um relato do que Jesus começou a fazer e a ensinar. Tendo em vista que o Evangelho nos leva até a ascensão de Jesus ao céu, podemos concluir que Atos trata do que Jesus continuou fazendo por meio do Espírito Santo.

Nosso presente interesse nessa obra de duas partes é sua ênfase no Antigo Testamento e sua relação com a pessoa e a obra de Jesus. Nos quatro primeiros capítulos, percebemos que Lucas recorda uma série de temas do Antigo Testamento. Esse senso de cumprimento do Antigo Testamento é mais forte nos sermões de Jesus posteriores a sua ressurreição. Os dois discípulos da estrada de Emaús pensavam que a morte de Jesus significava o fim de todas as suas esperanças. Jesus os repreende, porque deviam ter entendido melhor o evangelho pelo Antigo Testamento. A morte de Cristo (Messias) é claramente parte da mensagem dos profetas.

… Ó tolos, que demorais a crer no coração em tudo o que os profetas disseram! Acaso o Cristo não tinha de sofrer essas coisas e entrar na sua glória? (Lc 24.25,26).

Isso levou ao que seriam duas das instruções mais importantes que Jesus já deu: E, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras (Lc 24.27).

Depois lhes disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco: Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lc 24.44,45).

Podemos apenas supor que Lucas não entra em detalhes aqui sobre o próprio método de Jesus interpretar o Antigo Testamento porque isso será amplamente demonstrado nos sermões dos apóstolos registrados em Atos. Atos apresenta essa mesma forte ênfase na relação do evangelho com a mensagem do Antigo Testamento. Em diversas ocasiões, Lucas registra, e supostamente resume, um discurso ou sermão sobre o evangelho. Encontramos esses sermões em Atos 2.14-39; 3.13-26; 4.10-12; 5.30-32; 10.36-43; 13.16-41. Podemos somar a esses o discurso de Paulo aos atenienses, em Atos 17.22-31. Todos eles apresentam alguns elementos comuns indicativos do conteúdo do evangelho pregado pelos apóstolos. O cumprimento do Antigo Testamento é um desses elementos, constantemente mencionado. Se, como em geral se acredita, Lucas era um não judeu escrevendo a outros não judeus, é mais notável que ele não considera as origens veterotestamentárias do evangelho de interesse apenas de judeus. Pelo contrário, ele se refere constantemente ao evangelho apostólico como o evangelho que é pregado a partir do Antigo Testamento, sem o qual é inexplicável. Os primeiros sermões registrados tanto de Pedro como de Paulo são mais ou menos detalhados, e o conteúdo do Antigo Testamento pode ser facilmente observado neles.

Seria absolutamente impossível proclamar Jesus Cristo como o Salvador sem mencionar sempre os fundamentos que foram lançados na história da obra salvadora de Deus no Antigo Testamento. Alfa (A) e ômega (Ω) são a primeira e a última letras do alfabeto grego. Quando é dito que Jesus é o A e o Ω, o primeiro e o último, o início e o fim (Ap 22.13), isso certamente significa que ele é Deus (veja Ap 1.8,17,18). Entretanto, isso também nos indica a realidade do que viemos examinando neste capítulo: Jesus é o nosso ponto de partida para todo verdadeiro conhecimento e, portanto, para a teologia. Ele é o alvo para o qual nos dirigimos. Percebemos isso em nossa existência cristã, pois começamos a vida de filhos de Deus quando somos unidos a Cristo pela fé em sua obra salvadora, e o nosso destino é ser enfim transformados conforme sua imagem.

Agora que observamos alguns temas do Antigo Testamento que são retomados no Novo Testamento, somos compelidos a examinar todo o alicerce veterotestamentário do evangelho. Com efeito, existe um sentido real em que o evangelho não pode ser o evangelho sem o Antigo Testamento. Ao caminharmos de volta para o início da narrativa bíblica, e conforme a seguirmos até chegar novamente ao evangelho, faremos isso com a perspectiva cristã de que a progressão de acontecimentos somente encontrará o seu verdadeiro significado em Cristo. Nunca é demais repetir isso. O Antigo Testamento é uma narrativa sem final. Tanto o judaísmo quanto o islamismo providenciaram seus respectivos finais para a narrativa, os quais nós, como cristãos, não podemos reconhecer como válidos. Jesus Cristo é o objetivo do Antigo Testamento e lhe dá seu verdadeiro significado. Qualquer entendimento do Antigo Testamento ou comentário sobre ele que não deixe isso claro é, na melhor das hipóteses, incompleto e, na pior, não cristão.

—- Retirado de Graeme Goldsworthy – Introdução à teologia bíblica

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