Por Lucas Rosalem.
O capítulo 4 de 1João é muito curioso. Teologicamente, pela repetição de dois temas que vão do início ao fim e que precisamos pensar bastante para entender como eles estão conectados (a negação da encarnação pelo anticristo e como a falta de amor ao próximo revela falsa conversão).
Mas há um outro ponto interessante, evidenciado neste verso:
“Mas todo espírito que não reconhece a verdade a respeito de Jesus não é de Deus. Esse é o espírito do anticristo, sobre o qual vocês ouviram que viria ao mundo e, de fato, já está aqui” (v.3).
Lendo esse verso isoladamente, fora de contexto, alguém pode achar realmente muito fácil detectar um falso mestre, pois esse tipo de gente simplesmente não conseguiria dizer que Jesus veio em carne, ou algo assim. Obviamente, seria um equívoco. Mas essa não é, nem de longe, a pior interpretação da passagem.
Por mais incrível que possa parecer, o verso é até mesmo entendido por alguns neopentecostais como um “método” para detectar gente possessa. Ou seja, para saber se alguém está possuído bastaria pedir que esse alguém confessasse que Jesus veio em carne: se não conseguir dizer, está possuído. A interpretação é um absurdo por si só.
Mas ela também revela falta de intimidade com as histórias dos evangelhos.
Será mesmo que isso funciona? Demônios não declaram publicamente o reconhecimento sobre quem Jesus é?
Será que existe alguma passagem bíblica mostrando um demônio que não conseguisse ou não reconhecesse que Aquele homem, Jesus, fosse o Filho de Deus encarnado? Veja:
“E curou muitos que se achavam enfermos de diversas enfermidades, e expulsou muitos demônios, porém, não deixava falar os demônios, porque o conheciam“ (Mc 13:4).
Quando Jesus chegava em certos lugares onde pessoas possessas apareciam, os demônios confessavam com suas bocas: “Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Lc 4:34).
“E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se diante dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus“ (Mc 3:11).
A reação do endemoniado gadareno foi idêntica:
“E, quando viu Jesus ao longe, correu e adorou-o. E, clamando com grande voz, disse: que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?” (Mc 5:6-7).
Não existe nenhum motivo para achar que a afirmação de 1João seja um método de detectar demônios.
Mas então, o que a passagem significa? É o que o texto diz desde o verso 1:
“Amados, não acreditem em todo espírito, mas ponham-no à prova para ter a certeza de que o espírito vem de Deus, pois há muitos falsos profetas no mundo. Assim sabemos se eles têm o Espírito de Deus: todo espírito que reconhece que Jesus Cristo veio em corpo humano é de Deus, mas todo espírito que não reconhece a verdade a respeito de Jesus não é de Deus. Esse é o espírito do anticristo” (v.1-3).
A maior artimanha do diabo, desde o início da Igreja, sempre foi desviar do púlpito a mensagem da cruz (que tem base na encarnação). Admitir a encarnação é admitir a divindade e a humanidade de Jesus, e foi isso que tornou possível que Ele, sozinho (sem a nossa colaboração em obedecer a Lei), resolvesse o nosso problema com Deus.
“Deus mostrou quanto nos amou ao enviar seu único Filho ao mundo para que, por meio dele, tenhamos vida. É nisto que consiste o amor: não em que tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como sacrifício para o perdão de nossos pecados” (1Jo 4:9-10).
Quando um pastor (ou até quem escolhe as músicas do culto!) não percebe que está desviando o assunto da Igreja Cristã (o Evangelho: a obra de Cristo para pagar pecados e nos reconciliar com Deus – com sua encarnação, vida, morte e ressurreição), está atuando segundo o “espírito do anticristo”, como disse João (1Jo 4:3).
As pregações que você ouve têm feito você se lembrar, compreender melhor e incorporar em seu cotidiano o que a passagem diz sobre Jesus?
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