Esse livro recebe seu título dos homens (e da mulher) que, sob a direção espiritual e capacitação militar de Yahweh, mediaram a teocracia durante o período entre a morte de Josué e a coroação de Saul como o primeiro rei de Israel.
O livro oferece pelo menos uma indicação clara de sua data de composição, a frase várias vezes repetida, naqueles dias não havia rei em Israel (18.1; 19.1), indica uma data entre a inauguração da monarquia (c. 1050 a.C.) e a divisão do reino ao tempo de Roboão (c. 930 a.C.), já que apenas Israel é mencionado. Além disso, Juízes 1.21 menciona Jerusalém como uma cidade controlada pelos jebuseus, o que aponta para uma data no começo do reinado de Davi. É verdade que um editor mais recente poderia ter preservado material mais antigo tal como o encontrara, mesmo depois do tempo de Davi, mas a prática comum sugere uma data em cerca de 990-970 a.C., uma vez que Gezer ainda era uma cidade cananita quando o livro foi escrito; 1 Reis 9.16 nos informa que Gezer foi capturada pelo Faraó e dada a sua filha como presente por ocasião de seu casamento com Salomão (c. 970 a.C.).
Uma passagem problemática no que tange à data de Juízes é 18.30, onde se lê: “E Jônatas, filho de Gérson, …ele e seus filhos foram sacerdotes da tribo dos danitas, até o dia do cativeiro da terra”. Se este versículo fosse uma referência à primeira invasão assíria em 732 a.C., a redação final do livro estaria bem distante dos eventos reais. Isso, no entanto, não é necessário, já que as muitas guerras de fronteira enfrentadas por Israel poderiam perfeitamente ter produzido o tipo de situação em que Dã, a tribo mais setentrional, teria sido de tal modo dominada por invasores que parte de sua população tivesse sido levada em cativeiro, caracterizando assim um exílio parcial.
AUTORIA
A determinação da autoria do livro é uma questão bem mais difícil que a de sua data. O Talmude afirma que Samuel foi seu autor, mas isto é muito difícil de provar. Quem quer que tenha sido o autor de Juízes fez uso de diversas fontes originadas nas várias tribos de Israel (e.g., o cântico de Débora do norte, a saga de Gideão do centro, e o ciclo de Jefté das tribos orientais). A perspectiva teológica do autor em demonstrar a infidelidade de Israel às estipulações da aliança tem o tom de uma denúncia profética, mas não pode ter sido escrito por qualquer das duas pessoas que aparecem no livro como profetas, Débora (5.4) e um anônimo (6.7), pois ambos viveram muito no início do período para testemunhar seus acontecimentos posteriores. Assim o autor pode ser associado com a escola de profetas que já existia ao tempo de Samuel (1 Sm 10.9). Embora o autor ou editor final tenha o cuidado de apontar o pecado de todos os segmentos da população israelita, o fato de destacar os benjamitas como o supra-sumo da maldade em Israel (Jz 19 – 21) pode apontar para uma propaganda anti-Saul como elemento menor do propósito final do livro, e situá-lo no começo do reinado de Davi.
CRONOLOGIA
O período dos juízes apresenta alguns desafios cronológicos devido aos limites impostos por certas datas fixas do Antigo Testamento. Uma dessas datas é 966 a.C. como o quarto ano do reinado de Salomão (cf. 1 Rs 6.1), que para alguns estudiosos define a data de 1445 a.C. para o Êxodo. A outra data fixa está em Juízes 11.26, em que Jefté afirma que Israel habitou 300 anos em Hesbom, as cidades que estão ao longo do Arnom.
A soma literal (o que seria extremamente simplista) total das opressões e juizados é de 410 anos, período longo demais para se encaixar entre 1405 a.C. (a chegada de Israel a Canaã) e o começo do reino de Saul (c. 1050 a.C.). Várias propostas têm sido apresentadas e debatidas. A cronologia adotada aqui presume a data de 1445 a.C. para o Êxodo, 40 anos no deserto, 7 anos para a conquista, e 20 anos entre a divisão da terra e a morte de Josué e sua geração (o que dá aos anciãos uma vida média de 100 anos). Presume ainda que a datação mencionada por Jefté é exata, que a opressão amonita seguiu-se ao juizado de Jair, que a opressão sob Jabim aconteceu nos anos finais do juizado de Eúde, e que partes de anos são contadas como anos inteiros.
A cronologia de Juízes é extremamente complexa e ninguém detém o monopólio da verdade. As datas aqui propostas são contestadas por conservadores (e.g. Eugene H. Merrill, História de Israel no Antigo Testamento, pp. 149-154.) e liberais (e.g. John Bright, Uma História de Israel, pp. 222ss.). Em defesa do rápido surgimento da apostasia e da opressão deve-se apresentar o fato de que o primeiro juiz foi genro de Calebe, que por volta de 1400 a.C. tinha 85 anos de idade. A data de 1360, para o início do período dos juízes, proposta por Merrill, faria Otniel ter iniciado seu juizado com cerca de 70 anos e terminado aos 110 anos, o que não é impossível, mas pouco provável.
Para uma pesquisa mais específica sobre as propostas cronológicas da arqueologia (e teólogos), leia o post A Cronologia dos Juízes de Israel.
CONTEXTO HISTÓRICO
Depois da invasão inicial de Canaã por Israel, sob a liderança de Josué, boa parte da terra ainda ficou por ser efetivamente controlada por Israel. Embora o domínio das cidades-Estado sobre cada região de Canaã tivesse sido quebrado, os israelitas permitiram que algumas delas fossem reocupadas pelos antigos habitantes, o que explica as muitas descobertas arqueológicas que indicam destruições perto da virada do século 12 a.C. O problema de Israel era a constante falta de lealdade a Yahweh, seu Deus pactual, acompanhada de falta de fé em Sua capacidade de cumprir Suas promessas pactuais. Como resultado, Israel, pouco depois da morte de Josué (c. 1387 a.C.), começou a sincretizar sua religião com a dos vizinhos cananeus, adorando Baal e Astarote (Jz 2.13), em um círculo vicioso de corrupção, desobediência, opressão, livramento e apostasia renovada.
Durante esse período, a suserania do Egito sobre Canaã continuou, a despeito do declínio geral ao tempo da 19ª dinastia. É plausível argumentar que os períodos de descanso, sob a liderança dos juízes, coincidiram com tempos de maior controle egípcio sobre as principais rotas comerciais e militares ao longo da planície costeira e do vale de Esdrelom. Por estar mais confinados às regiões montanhosas (cf. 1.19), e por não possuir qualquer grande centro urbano sob seu controle, os israelitas eram suficientemente inconspícuos para não ser notados pelos egípcios, cuja maior preocupação, naquela área, era o crescimento da influência hitita. Tal opinião não significa menosprezar o trabalho dos juízes, mas simplesmente reconhecer que, uma vez mais, Yahweh, o Deus de Israel, operava Seu plano para Seu povo, exercendo controle soberano sobre os rumos das nações. Foi durante esse período que os Povos do Mar começaram suas invasões na Ásia Menor, onde finalmente viriam a destruir o império hitita, e em Canaã, onde uma de suas levas se radicou ao longo da costa e passou a ser identificada com os filisteus da parte final do livro de Juízes. Sangar, um dos juízes, pode ter tido confrontos, no início do período dos juízes, com alguns desses filisteus migrantes, que marchavam ao longo do litoral, da Cilícia ao Egito (cf. Jz 3.31).
A natureza da vida de Israel durante esse período tem sido objeto de muito debate. No passado, alguns estudiosos (Martin Noth e seus seguidores) defenderam a existência de uma anfictionia entre as tribos, mas o cenário de uma federação tribal frouxamente organizada, mal capaz de reunir seus membros em uma emergência de guerra (cf. Jz 5.16, 17), se encaixa melhor no livro do que uma liga bem organizada de cidadesEstado, conforme exibida pelos filisteus. Em relação ao papel do juiz, este aparentemente se dividia em duas categorias – a liderança carismática, evidenciada em tempos de crise nacional, e a magistratura civil ou judicial, por meio da qual a vida diária da nação era regulada. Essas duas áreas de serviço não eram mutuamente exclusivas (cf. Débora, Gideão, e Jefté). Estudos recentes propõem que os chamados juízes menores faziam parte, em Israel, do processo de transição de governo tribal para governo citadino em Israel.
FORMA LITERÁRIA E MENSAGEM
A primeira característica literária do livro de Juízes é o contraponto entre o prólogo e o epílogo, com o primeiro retratando o que deveria ter sido a vida ideal de Israel sob a teocracia e os primeiros sinais de perigo contra esse ideal,3 e o último descrevendo quão profunda fora a queda de Israel em relação ao nível de vida que Yahweh tencionara para Seu povo, queda essa devida à falta de fidelidade da nação e, em última análise, à falta de uma liderança espiritual permanente e confiável (cf. o refrão: naqueles dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais certo). O epílogo deixa claro que os problemas de Israel não eram externos; os capítulos 17 a 21 demonstram que os piores inimigos de Israel eram internos. A segunda característica literária do livro é a descrição cíclica do fracasso de Israel sob a forma pré-monárquica da teocracia. A apostasia é seguida pela disciplina, que acaba por se tornar uma ameaça à sobrevivência da nação. Nesse ponto, Yahweh intervém (às vezes, em resposta ao arrependimento e aos clamores do povo), apresentando um libertador e proporcionando um período de bênção sob as provisões da aliança.
O estudo das diversas narrativas do livro indica estilos distintos (como entre as histórias de Gideão e Sansão),4 o que sugere que houve uma coletânea de tradições localizadas e mais antigas, mas não a preocupação em harmonizar estilos e formas literárias (cf. o poema de Débora e o apólogo de Jotão [9.7-20]). O autor-editor final habilmente retrata Sansão como o último juiz e usa a cena final de sua carreira como um triste retrato de Israel. Cego por causa de seu pecado, o povo sofre as dramáticas consequências de sua desobediência à chamada divina, que são ilustradas nos capítulos 17 a 21. Dessa maneira, forma e conteúdo parecem sugerir que o propósito primário do livro é demonstrar a Israel sua necessidade de uma liderança espiritual e política unificada que o mantenha fiel à aliança e apto a desfrutar as bênçãos nela prometidas.
Para ler sobre a mensagem de Juízes (a TEOLOGIA de Juízes), leia este post.
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