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A Teologia do livro dos Juízes

Se possível, leia esta Introdução ao livro de Juízes antes de prosseguir.

O fracasso da teocracia no período dos juízes deveu-se à infidelidade de Israel à aliança e à falta de uma liderança espiritual e política permanente.

Yahweh é justo

Embora Juízes pinte um quadro sombrio da vida de uma nação que se afastou dos preceitos de vida exigidos por seu Deus, tal quadro serve para realçar a justiça de Yahweh em fazer cumprir as maldições de Sua aliança. Pode-se afirmar, fundamentado em Juízes, que Yahweh prefere sofrer em Sua reputação a permitir a ideia de que Seu caráter santo seja violado sem consequências.

Yahweh é soberano

O autor de Juízes menciona diversas causas pelas quais Israel não foi capaz de efetivamente possuir toda a terra de Canaã (armamento superior dos cananeus [1.19]; determinação dos cananeus [1.27]; e pura apostasia [2.2, 11-13]). A razão principal, todavia, parece ser a determinação soberana de Yahweh em utilizar o remanescente cananita para provar (e reprovar) as gerações subsequentes à conquista (3.1-4). Essa perspectiva dupla é típica da mentalidade teocêntrica de Israel, embora pareça contraditória a nossos olhos ocidentais.

Em Juízes, duas linhas de ação revelam essa faceta do caráter de Yahweh. A frase, e os entregou nas mãos de, tira do campo meramente sócio-político as constantes opressões a que Israel foi sujeito, e coloca-as em uma esfera maior, que abrange céus e terra. Em contrapartida, a expressão ― e Yahweh suscitou um libertador‖) indica que também a solução dos problemas de Israel tinha sua origem no Deus que soberanamente atraía de volta Seu povo rebelde. Embora apenas Otniel e Eúde sejam assim designados, a comissão de Débora, de Gideão e de Jefté, todos péssimos candidatos do ponto de vista humano, indica a determinação divina de utilizar o que menos teria mérito próprio, para melhor evidenciar Seu poder. De igual modo, o nascimento sobrenatural de Sansão prova a intervenção soberana de Yahweh em favor de Seu povo (compará-lo ao nascimento de Samuel e comparar as condições espirituais impostas a cada um é um estudo interessante).

Yahweh é misericordioso

Em cumprimento às estipulações da aliança, Yahweh disciplinou o Seu povo rebelde, mas isso não O tornou insensível ao seu sofrimento e à possibilidade de que viesse a ser exterminado pelos que o oprimiam. A constância da misericórdia de Yahweh é mais comovente que a irracionalidade e cegueira de Israel. Juízes prova que a misericórdia de Yahweh nunca é sobrepujada pelo pecado do homem, e que o penitente sempre encontrará um Deus de braços estendidos a recebê-lo.

A ADMINISTRAÇÃO DOS PROPÓSITOS DE DEUS

O modelo de teologia bíblica aqui proposto inclui quatro linhas de ação: o decreto divino de permitir o mal, Sua promessa e/ou ação em julgar o mal, a libertação do mal para uma semente escolhida e/ou por meio dela, e o decreto de abençoar os eleitos.

A permissão do mal

Naturalmente a passagem em que tal decreto é mais evidente se encontra em 3.1-4, que resume as muitas causas ―humanas para o fracasso de Israel na conquista absoluta da terra. O Deus que haveria de produzir o bem maior da monarquia teocrática, ―suportou com paciência a irresponsabilidade humana, e a utilizou soberanamente para atingir seus fins. De igual modo, as flagrantes deficiências dos juízes, mesmo quando influenciados pelo Espírito de Deus (cf. Sansão e Gideão), indicam que a presença do elemento humano nos planos de Deus, longe de limitá-los ou prejudicar sua concretização, acaba por confirmá-los em seus matizes de graça e poder.

A promessa/ação de julgar o mal

Juízes é a ilustração deste aspecto do propósito de Deus no Antigo Testamento. O ciclo de desvio-disciplina-desafogo revela que essa atividade divina se aplica não apenas a Seu povo em pecado, mas também aos instrumentos humanos que Yahweh utiliza para discipliná-lo (cf. Is 10.5, 12s.). O objetivo central da ação judicial de Yahweh é a idolatria sincrética a que Israel se entregou à medida que conviveu com as nações que viviam em Canaã e que contaminou até mesmo a família do grande legislador Moisés. Nada menos que a severidade prometida na lista de maldições de Deuteronômio 28 poderia ter impedido a implosão da teocracia.

A libertação do mal através de uma semente escolhida

Muitos exemplos de ―eleição‖ para serviço se acham em Juízes, mas os dois mais marcantes são os de Gideão e Sansão. Ambos envolveram uma manifestação do anjo do Senhor e uma capacitação especial do Espírito Santo para a tarefa a cumprir. Nos dois casos, todavia, a narrativa deixa claro que as possibilidades inerentes aos propósitos divinos foram, de alguma forma, tolhidas pela inadequação dos escolhidos em relação à plenitude das funções que lhes foram dadas. Gideão, humilde a princípio, assume uma atitude orgulhosa ao arrogar-se em sacerdote (quer usando uma estola sacerdotal quer erguendo uma imagem de ouro, 8.24-28) e ao arrogar-se rei, apesar de rejeitar a coroa. Sansão, por seu turno, desperdiçou a capacitação sobrenatural que lhe fora concedida pelo Espírito, violando cada uma das imposições de seu voto de nazireu e vivendo uma vida de sincretismo moral, que refletia o sincretismo religioso de seu povo. Apesar dessas deficiências, de tal modo era eficaz a vocação para o cumprimento dos propósitos libertadores de Deus, que foram mais os que matou na sua morte do que os que matara na sua vida (16.30). Isso não significa que Deus transija com o mal, pois o preço de tal negligência para com o privilégio recebido foi a completa ruína da família, no caso de Gideão, e a humilhação e morte inglória, no caso de Sansão.

O decreto de abençoar os eleitos

Este aspecto do propósito de Deus, em Juízes, fica confinado aos períodos em que o povo se coloca sob a liderança de um juiz e a terra desfruta paz (i.e., Israel retém sua soberania). Em geral, todavia, retrata uma nação que se alienou de Yahweh e das bênçãos inerentes à obediência a Ele. A expectativa de Israel é retratada na visão sincrética de Mica e sua mãe, que viam em uma imagem a representação de Yahweh e confundiam as falsas promessas da idolatria cananita com as perspectivas de glória contidas na aliança (cf. Jz 17.2, 13).

ARGUMENTO BÁSICO

Os propósitos do livro estão ligados a suas características literárias. A primeira dessas características é o contraponto entre o prólogo e o epílogo, em que o primeiro retrata o que a vida ideal teria sido sob a teocracia e os primeiros sinais de perigo contra esse ideal, e o último descreve quão fundo Israel descera em relação ao nível de vida que Yahweh planejara para Seu povo. As causas dessa situação lamentável foram a falta de liderança espiritual confiável e permanente (cf. o refrão, naqueles dias não havia rei em Israel; cada qual fazia o que parecia bem aos seus olhos). O epílogo indica que os problemas de Israel não eram externos; os capítulos 17 a 21 indicam que os piores inimigos de Israel estavam dentro de suas fronteiras. A segunda característica literária é a descrição cíclica do fracasso espiritual de Israel no período pré-monárquico da teocracia. O desvio espiritual é seguido pela disciplina, que ameaça a própria sobrevivência da nação, e, nesse ponto, Yahweh intervém trazendo o desafogo (algumas vezes em resposta ao arrependimento e ao clamor do povo), apresentando um libertador e oferecendo um tempo de bênção sob as provisões da aliança. Assim, o propósito principal do livro parece ser demonstrar a necessidade de Israel de uma liderança espiritual unificada que mantenha a nação fiel à aliança, desfrutando assim suas bênçãos. Esse propósito é alcançado parcialmente quando o autor apresenta a nação em seu apogeu, não mais sob a liderança de Josué, mas ainda vencendo os inimigos e conquistando território cananeu (1.1-36). A passagem em que o Anjo do Senhor repreende as tribos reunidas não pode ser situada precisamente no tempo, mas serve o propósito de indicar que as sementes da desobediência já estavam presentes no início do período, ou, talvez, no período entre a morte de Josué e a morte dos anciãos da geração do deserto (2.1-5). A segunda metade do prólogo passa do ideal para o real, à medida que a nação sucumbe à pressão de conformidade aos grupos que a cercavam – grupos, que Deus soberanamente determinara manter na terra, para pôr à prova a lealdade de Seu povo a Ele (2.20 – 3.5). A apostasia e a idolatria aqui apresentadas serão ciclicamente desdobradas ao longo do livro, bem como o juízo divino que se segue a elas.

A parte central (e maior) do livro cumpre o propósito ao apresentar sete ciclos de Desvio-Disciplina-Desafogo, nos quais se revela a incapacidade inerente da nação de confiar em Deus e obedecer a Ele. A soberania de Yahweh sobre as nações é demonstrada à medida que Ele as traz contra Seu próprio povo; em contrapartida, a graça mais que suficiente de Yahweh pode ser vista quando Ele ouve o clamor dos israelitas arrependidos, dá-lhes o livramento e um período de paz e prosperidade. Esses ciclos 3-D (3.6–16.31) sempre iniciam com uma volta ao pecado. Esse pecado, principalmente de natureza religiosa, possivelmente causado pelo apelo ao baalismo em uma sociedade agro pastoril e pelo constante problema de casamentos mistos entre os israelitas e os povos vizinhos (3.6, 7). O pecado trouxe a desintegração da sociedade e a opressão dos inimigos, que somente o arrependimento e a busca a Deus pela obediência poderiam superar.

O primeiro ciclo registrado é o da invasão dos arameus (3.6-11), que foi causada pelo conhecido binômio esposas estrangeiras – deuses estranhos (3.6, 7). Oito anos de opressão, sob o jugo dos arameus (3.8), colocaram Israel de joelhos (3.9), e Yahweh supriu livramento por intermédio de Otniel (3.9, 10). A soberania de Yahweh sobre as nações é enfatizada como a causa da vitória de Otniel e do período de repouso que se seguiu (3.10, 11). O segundo ciclo registrado envolveu o ataque e a opressão dos moabitas, inimigos de Israel ao leste (3.12-30). Dessa vez, a disciplina envolveu especificamente o pagamento de tributo (3.17) e reivindicações territoriais contra a terra de Israel (cf. 3.19, em que a palavra ―ídolos‖ pode indicar marcos de propriedade moabitas). O livramento envolveu a morte do rei moabita por Eúde, um benjamita canhoto que, sob pretexto de comunicar uma mensagem secreta dos deuses, assassinou Eglom em sua residência real temporária, próximo a Gilgal (3.16-25). O juizado de Sangar não é descrito em detalhes. A julgar pela ausência do costumeiro ciclo e pelo tempo de opressão, Sangar deve ter sido capacitado temporariamente para realizar atos militares de livramento. O fato de ele ser mencionado antes do registro da morte de Eúde sugere que ele agiu durante o período de repouso de 80 anos resultante do juizado de Eúde. Nesse começo do período dos juízes é bem provável que os filisteus que Eúde matou não fossem os guerreiros estabelecidos do tempo de Sansão, mas bandos de mercenários dos Povos do Mar, descendo da Síria, ou mesmo da Ásia Menor, talvez até mesmo veteranos de guerra que tivessem lutado no exército hitita do rei Muwattalis na famosa batalha de Qadesh, contra os exércitos egípcios de Ramsés II (1296 a.C.).

O ciclo seguinte é mais diretamente relacionado às tribos do Norte e sua causa pode ter-se manifestado durante o juizado de Eúde, no sul. Hazor, que Josué tinha destruído a fogo (Js 11.11), havia reconquistado a primazia ao norte de Canaã e seu rei, Jabim (título dinástico) oprimiu Israel por 20 anos (Jz 4.2, 3). O pedido de Israel por livramento foi respondido de modo incomum, pois o juiz que Deus escolheu usar foi uma mulher, uma profetisa chamada Débora, que já servia como líder civil na tribo de Efraim (4.4). Todo esse ciclo (caps. 4– 5) é permeado por ironia à medida que, à vista da falta de fé em Israel, aprouve a Deus usar a fé vibrante de duas mulheres para derrotar os inimigos de Seu povo e envergonhar definitivamente os homens que deveriam ter liderado a nação. A despeito da superioridade militar que lhe conferiam suas numerosas carruagens de guerra (4.3), os cananeus foram desbaratados por Baraque (com um pequeno contingente de tribos voluntárias, cf. 5.14-18, 23) quando o Senhor lançou as forças da natureza contra o poderoso exército de Sísera (5.20, 21). O general foi morto por uma mulher, que era estrangeira residente em Israel, cujos ancestrais eram queneus (ou quenitas). Após essa derrota, Jabim perdeu o controle sobre o norte de Canaã e as tribos do Norte sacudiram seu jugo completamente (4.23, 24). O magnífico cântico de Débora celebra a grande vitória (5.1-31). O novo ciclo trouxe uma nova ameaça, bandos devastadores de midianitas, os quais usavam camelos domesticados para a batalha, o que perturbava os israelitas de tal maneira que nenhuma resistência era possível (6.1-5). Esta ameaça era muito mais séria que todas as anteriores, porque desintegrava os ciclos de vida de Israel (6.2). Outro elemento novo é a indicação de que Deus repreendera os israelitas (quando estes reclamavam com Ele, 6.6) por intermédio de um profeta anônimo (6.7-10). Além do mais, essa passagem contém a segunda manifestação do Anjo do Senhor no livro. Sua aparição parece coincidir com as crises mais perigosas de Israel (2.1-4, o perigo da apostasia; 6.11-24, o perigo da fome; 13.1-23, o perigo da escravidão por domínio tecnológico). A manifestação de Yahweh foi seguida por um direcionamento posterior, que incluiu a destruição do altar de Baal na cidade natal de Gideão (6.25-32), uma demonstração de condescendência para com a diminuta fé de Gideão (6.33-40), a formação de um exército (7.1-3) e sua redução a um tamanho compatível com a grandeza do milagre de Deus (7.4-8a), de modo que o livramento fosse visto como um ato direto de Deus (7.8b-25). A conseqüência social do livramento, efetuado por Gideão, foi uma refrega entre tribos vizinhas por causa dos despojos de guerra e ajuda nas operações de rescaldo (7.24–8.21); a conseqüência religiosa foi o aumento da corrupção, pois Gideão, depois de recusar tornar-se rei (8.22, 23), usou despojos de guerra para criar uma estola sacerdotal, que provavelmente o identificou como rival dos sacerdotes do Tabernáculo oficial em Siló (8.24-27), e contribuiu para intensificar a inclinação natural de Israel para a idolatria (8.28-33). A conseqüência política foi o desejo do filho bastardo de Gideão, Abimeleque (―meu pai é rei‖ ou ―pai de um rei‖), de reinar em Israel. Sua ambição trouxe conseqüências trágicas (cap. 9) – assassinatos na família (9.1-6), rebelião (9.26-41), e luta fratricida no meio de um povo que mal podia se sustentar diante de seus inimigos externos (9.42-57). Outro toque de ironia é que agora mulheres israelitas matam guerreiros israelitas, não mais generais inimigos.

Depois da tragédia de Abimeleque, dois juízes ―menores‖ agiram para restaurar Israel. Tola, da tribo de Issacar, serviu em Efraim (10.1, 2), ao passo que Jair, da tribo de Manassés, julgou na região de Gileade, a leste do Jordão (10.3-5). Seus juizados precederam a opressão amonita que assinalou o trigentésimo aniversário da presença de Israel em Canaã. O ciclo trouxe sofrimento incomum, porque agora o sul de Israel estava sofrendo ataques conjugados de leste e oeste, pelos amonitas e pelos filisteus respectivamente (10.6-18). Depois de 18 anos de opressão, Israel foi liberto por um homem de má reputação, mas de grande valor militar, um gileadita chamado Jefté. Primeiramente, ele tentou a abordagem diplomática (11.12-28), mas os amonitas não aceitaram seus argumentos. O famoso (para alguns, infame) voto de Jefté foi seguido por sua ampla vitória sobre os amonitas (11.29-33). Depois de cumprir o seu voto (11.34-40), Jefté teve de lidar com o problema crescente da rivalidade tribal e desfechou um rude golpe contra os efraimitas, que uma vez mais estavam causando problemas na hora da divisão dos despojos de uma guerra da qual não tinham participado (12.1-6). É importante observar que embora tenha havido vitória sobre os inimigos, não há aqui registro de um período de paz resultante. A apostasia corroera profundamente a vida da nação, roubando-lhe as bênçãos da aliança. É durante o período da opressão amonita que precisa ser situado o juizado de Eli, que ocorreu na região mais protegida da serra de Efraim. Os, praticamente, contemporâneos de Eli foram Ibzã (12.8-10), Elom (12.11, 12), que serviram no Norte, e Abdom, um efraimita (12.13-15). Estes últimos tiveram um ministério paralelo aos juizados de Samuel e Sansão.

O juizado de Sansão parece ter ocorrido durante a opressão dos filisteus (1088-1048 a.C.). Seu nascimento foi anunciado por ninguém menos que o Anjo do Senhor (13.1- 24), que impôs a condição de que ele fosse um nazireu por toda a vida (13.5a) e fez a promessa que Sansão começaria a livrar Israel das mãos dos filisteus (13.5b). A irregularidade da vida espiritual de Sansão certamente impediu que realizasse muita coisa benéfica para Israel, mas ele incomodou os filisteus o suficiente para impedir que eles solidificassem seu domínio ao sul de Israel até que a monarquia surgisse e trouxesse alívio definitivo para esse problema. Seus fracassos espirituais incluem casarse com uma estrangeira (14.1-4), envolver-se com uma prostituta (16.1-31) e quebrar repetidas vezes seu voto de nazireu. Seus feitos de valor estavam mais relacionados a brigas pessoais com os filisteus (15.1-20; 16.22-31) do que a ações de natureza militar, envolvendo exércitos. O uso, por Yahweh, de um homem tão instável como Sansão é um testemunho tanto de Seu cuidado por Israel quanto da degradação corrente, naquela época, em Israel. A cena final da carreira de Sansão é um triste retrato de Israel, cego em (por) seu pecado e sofrendo conseqüências dramáticas por isso. A terceira parte do livro tem como propósito destacar quão profunda era a necessidade que Israel tinha de um meio mais eficiente de mediar a teocracia. Assim, os capítulos 17 a 21 retratam para o leitor a degeneração da vida espiritual, moral, social e política de Israel. A extinção é prevista pelo autor à luz da anarquia sóciopolítica-espiritual que reinava em Israel (17.6; 18.1; 19.1; 21.25). O episódio de Mica (17.1–18.31) revela a corrupção da verdadeira religião por meio do sincretismo (17.1-5), a corrupção do sacerdócio (17.6-12), o desprezo pelas instruções divinas quanto à divisão da terra (18.1-31), e a completa dissolução das instituições israelitas, que se evidencia no fato do neto de Moisés tornar-se o sacerdote idólatra da tribo mais apóstata de Israel, a tribo de Dã (18.30, 31). Este último fato indica quão cedo a apostasia se estabelecera. O macabro episódio do levita e sua concubina (19.1-29) destaca, com ironia quase igualmente macabra, o fato de que Israel descera ainda mais fundo que os cananeus em sua imoralidade e insensibilidade para com a vida humana (cf. 19.11s. e 19.22, 24, 25), alcançando profundeza comparável apenas à de Sodoma (cf. Gn 19.8).

A conseqüência desse incidente foi a guerra civil, com todas as tribos marchando contra Benjamim (20.1–21.25). Benjamim tomara o partido dos criminosos de Gibeá (20.13-16), depois de uma delegação nacional os ter confrontado com o crime (20.1-12). Após duas derrotas humilhantes (20.17-28), os israelitas praticamente aniquilaram os benjamitas (20.29-46), deixando apenas um bando experiente de seiscentos guerreiros (20.46) que tinham sido excomungados de Israel. A percepção do risco de extinção da tribo de Benjamim (21.1-7) motivou ações ainda mais comprometedoras pelas tribos remanescentes, para corrigir sua punição excessiva contra seus irmãos e oferecer-lhes esposas (21.8-24). Este evento também deve ter acontecido no início do período dos juízes, em vista dos números que a tribo de Benjamim foi capaz de colocar em campo ao tempo da monarquia unida (cf. 1 Cr 12.29). Esse incidente é o anticlímax adequado para um livro cujo movimento é uma espiral descendente, e cujo clima é, em geral, lúgubre, com pequenos vislumbres da graça de Deus. O livro aponta a necessidade daquilo que o próprio Yahweh produziria – o estabelecimento da monarquia davídica como o agente escolhido por Deus para mediar a teocracia.

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1 Comentário

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