Precisamos da sabedoria de Deus para lidar com essas investidas. Por isso, voltamos-nos para Cantares, o último do nosso estudo dos livros de sabedoria do Antigo Testamento. Nenhuma parte da Bíblia fala com mais clareza sobre o amor erótico e o impulso que nós cristãos sentimos de, por um lado, render-nos sem vacilar aos nossos impulsos e a nossa cultura ou de, por outro lado, negar completamente esses impulsos. Contudo, nenhum desses caminhos é o certo para um cristão. Assim, Deus, em sua sabedoria, pôs um livro na Bíblia que trata especificamente desse dilema e determina o caminho verdadeiro.
A NVI intitula o livro de Cântico dos Cânticos, que é a forma hebraica de construir um superlativo. Esse é o maior de todos os cânticos, da mesma forma que o Rei dos reis é o maior de todos os reis, e o Senhor dos senhores é o maior de todos os senhores. Ás vezes, o livro é conhecido como Cantares de Salomão, já que, como o versículo I afirma, esse é o “cântico de cânticos, que é de Salomão”. Comecemos com a leitura de algumas seleções do livro:
Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho. Para cheirar são bons os teus unguentos; como unguento derramado é o teu nome; por isso, as virgens te amam. Leva-me tu, correremos após ti. O rei me introduziu nas suas recâmaras. Em ti nos regozijaremos e nos alegraremos; do teu amor nos lembraremos, mais do que do vinho; os retos te amam (1.2-4).
Dize-me, ó tu, a quem ama a minha alma: onde apascentas o teu rebanho, onde o recolhes pelo meio-dia, pois por que razão seria eu como a que erra ao pé dos rebanhos de teus companheiros? Se tu o não sabes, ó mais formosa entre as mulheres, sai-te pelas pisadas das ovelhas e apascenta as tuas cabras junto às moradas dos pastores (1.7,8).
Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales. Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha amiga entre as filhas. Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os filhos; desejo muito a sua sombra e debaixo dela me assento; e o seu fruto é doce ao meu paladar. Levou-me à sala do banquete, e o seu estandarte em mim era o amor. Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, porque desfaleço de amor. A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua mão direita me abrace. Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não acordeis nem desperteis o meu amor, até que queira. Esta é a voz do meu amado; ei-lo aí, que já vem saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros. O meu amado é semelhante ao gamo ou ao filho do corço; eis que está detrás da nossa parede, olhando pelas janelas, reluzindo pelas grades. O meu amado fala e me diz: Levanta-te, amiga minha, formosa minha, e vem. Porque eis que passou o inverno: a chuva cessou e se foi. Aparecem as flores na terra, o tempo de cantar chega, e a voz da rola ouve-se em nossa terra. A figueira já deu os seus figuinhos, e as vides em flor exalam o seu aroma. Levanta-te, amiga minha, formosa minha, e vem (2.1-13).
Vem comigo do Líbano, minha esposa, vem comigo do Líbano; olha desde o cume de Amana, desde o cume de Senir e de Hermom, desde as moradas dos leões, desde os montes dos leopardos. Tiraste-me o coração, minha irmã, minha esposa; tiraste-me o coração com um dos teus olhos, com um colar do teu pescoço. Que belos são os teus amores, irmã minha! O esposa minha! Quanto melhores são os teus amores do que o vinho! E o aroma dos teus bálsamos do que o de todas as especiarias! Favos de mel manam dos teus lábios, minha esposa! Mel e leite estão debaixo da tua língua, e o cheiro das tuas vestes é como o cheiro do Líbano. Jardim fechado és tu, irmã minha, esposa minha, manancial fechado, fonte selada. Os teus renovos são um pomar de romãs, com frutos excelentes: o cipreste e o nardo, o nardo e o açafrão, o cálamo e a canela, com toda a sorte de árvores de incenso, a mirra e aloés, com todas as principais especiarias (4.8-14).
Bem, esse não é o tipo de Escrituras que normalmente lemos em um sermão! Hoje, poucos de nós se chocariam em encontrar esse tipo de linguagem em uma revista ou até em um jornal. Mas ler algo assim na Bíblia? Isso é um pouco diferente para nós! Não somos os únicos a sentir algum desconforto com a natureza explícita desse livro. Entre os israelitas antigos era tradição que os homens jovens só pudessem ler esse livro depois dos trinta anos. Na oitava série, tive um amigo que destacava passagens em sua Bíblia com marcadores coloridos. Ele marcou esse livro inteiro depois de lê-lo! Não com o amarelo, azul frio ou mesmo o exótico verde típicos, mas com cor-de-rosa forte!
Sem dúvida, esse desconforto com o sentido direto das palavras foi que, no passado, levou os cristãos a imaginar tantas formas distintas de leitura para esse livro. Um grupo adotou a abordagem alegórica para a compreensão de Cantares. Eles negavam que o amante e a amada representavam dois seres humanos. A metáfora dos amantes é apenas um recurso literário para revelar outros sentidos, em geral, do amor de Deus por seu povo. Um segundo grupo adotou a abordagem tipológica, pois não queria rejeitar tanto a historicidade do livro. Eles aceitam a historicidade dos amantes como duas pessoas reais, mas eles, como a abordagem alegórica, mudam a ênfase do que o casal representa. Assim, os personagens são reais, mas devemos prestar muito mais atenção à grande realidade para a qual eles apontam. Um terceiro grupo sugeriu que Cantares deve ser entendido como um drama ou uma história, aperfeiçoada com personagens bem desenvolvidos e o movimento de uma trama estruturada por meio da introdução, do início de uma crise, do ápice e da resolução. Houve muitas sugestões de quem são os personagens e de qual é a trama. Contudo, isso aponta para a grande dificuldade dessa abordagem: fizeram tantas sugestões sobre qual era a linha da história que não podemos deixar de nos perguntar por que ela não é clara o bastante para que todos a percebam. Evidentemente, o livro tem uma introdução, mas a encenação da trama é de fato tão clara quanto esperaríamos em uma história?
Parece-me que o melhor é entender Cantares como um cântico ou uma coletânea de cânticos que são basicamente, bem, poemas de amor. Esse parece ser o sentido literal e natural do texto, não é mesmo? Já que outras formas de ler esse livro o transformam em algo como um enigma obscuro cujo verdadeiro sentido permanece secreto até que alguém o decifre para nós, e muito dessa dificuldade desaparece quando simplesmente o lemos como poemas de amor. Nesse sentido, amantes são amantes, e desejo é desejo. Não significa outra coisa. Como o anúncio de um antigo restaurante de frango fast-food dizia: “Pedaços são pedaços”! Podemos ficar embaraçados — pelo menos, em um sermão — com toda essa conversa sobre seios, e beijos, e abraços, mas a compreendemos. Essas coisas são bem claras. Sabemos o que significam. E acho que devemos ler esse livro dessa forma. Sim, talvez ainda haja imagens que devemos interpretar, porém, devemos ler apenas a imagem de qualquer poesia de amor.
Demos o nome de “sabedoria para os casados” a este sermão, e, com certeza, Cantares é um livro importante sobre o amor marital. Da mesma forma como, certamente, não é um livro que exauri o assunto sobre o amor ou o casamento. Não devemos fazer desse cântico, ou coletânea de cânticos, mais do que Deus pretendia que fizéssemos. Ele não nos diz como reagir aos atos do nosso cônjuge, à perda de emprego que ameaça a segurança familiar ou à descoberta de um caso. Ele não ensina exatamente como aumentar o interesse de nosso cônjuge em nós. Em suma, ele não nos ensina tudo que precisamos saber sobre o casamento. Todavia, o livro descreve aspectos importantes do desejo e do amor e de como Deus nos deu dádivas no casamento que satisfazem os próprios desejos que Ele criou em nós. Assim, temos de estudar esse livro como uma parte da sabedoria.
Deus designou o casamento, de forma especifica, para satisfazer quatro tipos distintos de desejo: desfrutar intimidade física, construir intimidade relacional, estabelecer identidade e encontrar sentido.
——– Retirado de: Mark Dever – A Mensagem do Antigo Testamento.
Leia a continuação aqui:
• Resposta à Revolução Sexual
• Como Desfrutar da Intimidade Física
• A Celebração Bíblica do Prazer
• Construindo Intimidade Relacional
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