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CONHECIMENTO E TEMOR DO SENHOR

As narrativas da Criação nos lembram de que ser criado humano e à imagem de Deus significava ter relações muitos especiais com ele, com outras pessoas e com a criação material. A palavra de Deus veio a Adão e Eva para capacitá-los a saber quem e o que eles eram e qual seria o dever deles no mundo. A palavra de Deus lhes forneceu o ponto de partida necessário para o verdadeiro conhecimento. Deu-lhes a estrutura para a compreensão correta do universo. Dando-se a conhecer a eles como Criador, Deus estabeleceu todo fato de conhecimento verdadeiro como um fato sobre ele mesmo. No quadro da revelação, os seres humanos são livres para usar o cérebro e os sentidos que Deus lhes deu para reunir conhecimento, classificá-lo, deduzir relações, inventar, planejar e ter domínio sobre a criação.

O pecado, como vimos no capítulo 10, envolveu a rejeição da ordem da criação e a recusa de reconhecer a revelação como a base do verdadeiro conhecimento. Foi a rejeição do princípio que subjaz ao livro de Provérbios: “O temor do SENHOR é o princípio do conhecimento…” (Pv 1.7). Vimos o quanto o processo de pensamento era importante na relação humana com Deus e com a criação. O pensamento distorcido gera relações distorcidas. É lógico, portanto, que o processo da redenção envolve a restauração do modo correto de pensar. A mente humana é alvo da regeneração tanto quanto o corpo e a alma.

Se o temor do Senhor é o princípio do conhecimento (Pv 1.7) e o princípio da sabedoria (9.10), o que é esse temor e de onde vem? De acordo com a oração dedicatória de Salomão, o temor do Senhor está vinculado à aliança e ao ministério do Templo (1Rs 8.38-43). Esse temor não é terror de Deus, mas, sim, uma resposta de reverente admiração e confiança perante a revelação redentora de Deus (Dt 4.10; 6.2; 10.12,20,21). É o equivalente veterotestamentário de confiar em Cristo, ou crer no evangelho. O temor do Senhor é a resposta de fé a tudo quanto Deus fez para redimir o seu povo, conforme a interpretação que ele mesmo apresenta em sua Palavra a respeito do que fez.

À medida que a revelação redentora de Deus vai se manifestando progressivamente por meio das promessas da aliança, da lei do Sinai, dos grandes atos redentores do Êxodo e da conquista de Canaã, vai ficando mais claro o quadro para o entendimento da realidade. Desde o início, o povo de Deus se empenhou para adquirir conhecimento verdadeiro e entendimento. Nos estágios iniciais, os israelitas ficaram sob o cuidado e a instrução da Lei, porque o retrato não estava suficientemente completo ou claro para eles deduzirem o que era uma vida coerente com a condição de aliança deles. No período de Salomão, porém, toda a estrutura da redenção e do reino tinha sido revelada pelo modo que Deus tratara com os israelitas desde as primeiras promessas a Abraão. Desse modo, no âmbito da Lei e da revelação profética, a sabedoria passa a ser uma atividade humana demandada pela graça de Deus. É como se Deus, por meio de seu servo Salomão, indicasse que o quadro da redenção agora tinha sido apresentado e o crente está livre para buscar o conhecimento e a compreensão nesse quadro.

• A Palavra de Deus e os seus atos salvadores proveem a estrutura para a resposta de confiança e reverência. A busca do verdadeiro conhecimento e da sabedoria começa com esse “temor do Senhor”.

ORDEM, DESORDEM E REGENERAÇÃO DA ORDEM

A ordem original da criação expressava as relações corretas entre Deus, a humanidade e o mundo. Por isso, era harmoniosa e boa (Gn 1.31). A rebelião de Adão e Eva resultou num grau de desordem em que todas as relações foram afetadas negativamente. Apesar das aparências, naquele momento e agora, essa ruptura não é uma doença sem importância; pelo contrário, é destrutiva e terminal (Gn 2.17; 3.17-19; Rm 5.12; 8.19,20). O pensamento humano que reflete essa rebeldia é insensatez, não sabedoria, e implica a supressão deliberada e perversa da verdade (Rm 1.18-23; 1Co 1.18-25). Desde o momento em que Deus inicia a obra de redenção, podemos observar o processo de regeneração influenciando o povo de Deus. No início há indícios de glória e vislumbres do que está por vir. A regeneração começa com o povo que Deus liga a ele mesmo por sua revelação progressiva e pela fé desse povo. São um pequeno número de eleitos, uma nação especial em um mundo ímpio. As promessas de Deus, à medida que são cumpridas pela atividade redentora divina, indicam a futura realidade da regeneração de todas as coisas. Também realçam a natureza da ordem original e da grave degeneração causada pelo pecado.

O dever intelectual de Israel consistia em entender o que seu presente estágio de experiência redentora significava para a vida boa e santa. Em que e como essas relações seriam restauradas e em que e como elas ainda não tinham sido restauradas até então? O israelita fiel tinha problemas semelhantes aos que os cristãos têm hoje. Qual é a resposta de fé ao mundo secular? Como o crente se relaciona com outros crentes e com os não crentes em um mundo ainda não regenerado? A literatura de Sabedoria do Antigo Testamento expressa a busca israelita de conhecimento e entendimento num mundo em que todas as relações são distorcidas por causa da rejeição humana de Deus. Reconhece-se, entretanto, que Deus jamais deixou o pecado destruir totalmente todas as relações, pois o mundo ainda é organizado e a natureza ainda sustenta a vida humana. Também se entende que apenas a bondade de Deus, uma vez que ele transmite sabedoria mediante sua Palavra, capacita o fiel a progredir no empenho de obter sabedoria e conhecimento.

• A ordem da criação se degenerou em desordem por causa do pecado e está sendo regenerada à ordem desejada por Deus. A ordem regenerada inclui pensar corretamente.

—- Retirado de Graeme Goldsworthy – Introdução à teologia bíblica

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