Antes de iniciar a consideração da teologia de Esdras e Neemias, é relevante notar que o parágrafo inicial do livro é uma repetição literal da conclusão de 2 Crônicas. Sem entrar na discussão da identidade do autor (ou autores) dessas obras, esse fato singelo sugere que há uma continuidade temática entre as duas obras, além da óbvia continuidade histórica. Há também uma preocupação com a visão que os exilados que voltaram a Judá para reconstruir a comunidade da aliança tinham de seu Deus e do processo histórico em que estavam envolvidos. As obras (Crônicas, Esdras e Neemias) procuram inculcar esperança, alertando para seu custo, que era a restauração do culto e da adoração em um templo reconstruído, operado por meio de um sacerdócio puro em uma cidade restaurada como comunidade de adoradores.
A PESSOA E O CARÁTER DE DEUS
A destruição de Jerusalém fora um rude golpe para as convicções israelitas na grandeza peculiar de Yahweh. Como poderia ter sido Ele derrotado pelos deuses da Babilônia? Os profetas e os historiadores de Israel se encarregaram de demonstrar que não era assim. Esdras e Neemias contribuem para isso ressaltando que Yahweh não era um Deus localizado e limitado às fronteiras de Judá ou Israel.
Ele é freqüentemente chamado de ― o Deus do céu, o que aponta tanto para Sua transcendência quanto para Sua presença com Seu povo, mesmo quando este se encontrava espalhado por ―todas as nações debaixo do céu‖. Ele é, além disso, o Deus cujo louvor excede a capacidade humana de exaltação. Ele é o criador do próprio céu e o exército dos céus (uma alusão velada às divindades astrais dos povos circunvizinhos) se prostra diante de Sua grandeza (Ne 9.6).
Quase que um corolário da característica acima mencionado, esse atributo fica evidente na maneira em que tanto Esdras quanto Neemias atribuem seus triunfos em todas as esferas à intervenção de um Deus que tem poder acima de reis e tiranos terrenos. É Ele quem estabelece o reinado de Ciro e move o coração de Ciro para que este autorize o retorno dos israelitas exilados a sua terra natal (Ed 1.2-4). É ainda Ele quem interfere junto aos reis da Pérsia para permitir e financiar a reconstrução do templo (Ed 6.8-12; 7.27,28) e dos muros de Jerusalém (Ne 2.4, 20). Vê-se ainda a soberania no direcionamento que Yahweh oferece ao povo, sua atitude para com a terra dos antepassados e o que constituía o ressurgir da comunidade da aliança. Ele, em Esdras 1.5, move o espírito do povo, ajuda pessoalmente Esdras e os que com ele voltaram (Ed 7.6; 8.18) e Neemias (2.8). Conforme Esdras (5.5) e Neemias (4.14) testemunham, nem mesmo os inimigos mais declarados dos israelitas escapam à soberana mão de Yahweh. Ele, em sua soberania, se mostrava grande e terrível (Ne 9.32), um Deus a ser levado a sério por um povo que raramente o fazia.
Esdras e Neemias, ainda que vivessem em meio a um povo volúvel, que prontamente esquecia de seus compromissos assumidos diante de Deus, testemunharam a fidelidade de Deus. Em Esdras 7, a consciência da fidelidade de Yahweh às promessas (bênçãos e maldições) da aliança leva o escriba à angústia diante da maneira leviana de Israel tratar as estipulações pactuais em relação ao casamento misto. Esdras, quando afirma: ―Ó Senhor Deus de Israel, justo és!‖ (9.15), tem em mente a maneira fiel com que Deus cumpriu as ameaças de castigo contra Israel, e também a preservação de um remanescente que retornasse a Judá (9.13). Neemias 9, que contém uma tocante recapitulação da história israelita, relembra a fidelidade na conquista e ocupação da terra (9.19-25) e na repetida restauração de Israel em seus muitos episódios de arrependimento efêmero (9.26,27).
A melancólica situação do povo de Judá depois da volta do exílio é o pano de fundo adequado para uma consideração realista da graça de Yahweh. Esdras e Neemias, ainda que as gloriosas expectativas proféticas aguardassem sem cumprimento maior, viam a simples presença de um remanescente em Jerusalém como o penhor de algo ainda maior. Em suas orações intercessórias (Ed 9 e Ne 9), encontramos as expressões mais claras dessa convicção. Esdras 9.8,9 menciona não apenas a preservação do remanescente, mas o favor que este encontrara aos olhos dos reis da Pérsia. Ali, Yahweh é identificado como um Deus misericordioso e bondoso cuja conotação específica é a lealdade pactual de Deus ao responder aos pedidos de alívio de uma comunidade que se vê ainda como escrava dos gentios, mas tem um pé fincado na fidelidade de Deus ao amor eletivo que separou Israel como povo escolhido.
Em Neemias 9, a graça de Deus se revela uma vez mais no atendimento aos rogos dos israelitas sob a disciplina da aliança (9.27,28). Neemias emprega a palavra rahamim, termo mais antropomórfico, que indica as entranhas de uma pessoa e está associado a respostas benevolentes motivadas por emoção.
No versículo 31, Neemias combina dois adjetivos que formavam a confissão de fé básica de Israel, desde o Sinai (cf. Êx 34.6, em que a ordem é inversa), e que combinados falam da graça misericordiosa, condescendente e paciente de Yahweh, incansável em Sua benevolência para com Seu povo pactual. O contexto dessa passagem é uma renovação da aliança, o que deveria levar-nos a considerar a expressão “fiel à tua aliança e misericordioso”, em Neemias 9.32, como uma hendíade, que poderia ser traduzida ―que guardas com amor leal à aliança‖, apontando, mais uma vez, para as contínuas manifestações da graça de Yahweh para com Israel.
A ADMINISTRAÇÃO DOS PROPÓSITOS DE DEUS
As quatro linhas de ação de Deus, na História, por meio das quais Ele opera para restabelecer Sua soberania mediada sobre o universo, estão claramente presentes em Esdras e Neemias.
Ambos os autores ressaltam que o mal que sobreveio ao povo de Israel fora predito e permitido por Deus. Na verdade, em uma típica expressão da cosmovisão judaica, o castigo que sobreveio à nação foi atribuído diretamente a Deus (Ne 9.27; Ed 5.12), ainda que agentes humanos o tivessem executado. A tolerância divina para com o pecado em Seu povo (Ne 9.16-18, 26) nunca poderia ser interpretada como indiferença ou ignorância.
As duas grandes orações intercessórias de Esdras e Neemias ressaltam que Yahweh ativamente se envolveu na punição às diversas quebras de lealdade pactual do povo de Israel, desde o bezerro de ouro (Ne 9.18) até os dias sombrios, quando profetas eram mortos, e a idolatria grassava no final da história de Judá (Ne 9.26). Esdras via a punição do mal em Israel como um continuum que vinha desde os antepassados e era, na verdade, a marca registrada da nação (Ed 9.7), pois o alívio era temporário (9.8) e a punição menor que a merecida (9.13).
Novamente, uma profunda consciência da intervenção libertadora de Yahweh perpassa as duas obras. Desde o decreto de Ciro (Ed 1) até à superação das estratégias e intrigas dos samaritanos e outros vizinhos (Ed 4; Ne 4; 6) a percepção era a de que Yahweh agia para devolver ao Seu povo uma medida de liberdade, que lhe permitisse experimentar a bênção divina na terra da aliança. Pode parecer, pelo palavreado da oração de Esdras, que o escriba-sacerdote tinha uma visão negativa da situação em que Israel se encontrava em sua época, mas palavras como ―um pequeno alívio em nossa escravidão‖ (Ed 9.8) e ―somos escravos‖ (9.9) devem ser entendidas no contexto maior das promessas pactuais a Abraão e Davi.
Esdras reconhecia que a intervenção era divina, e que era apenas o prenúncio de coisas maiores. A própria continuação do versículo indica que ele via a volta da comunidade pós-exílica e seu estabelecimento em Jerusalém e arredores como um renascer. Além do mais, as intervenções soberanas de Deus na história persa recente (cf. Ed 5.5) demonstravam que Seu povo podia continuar contando com Sua graça libertadora em seu favor.
Tanto Esdras quanto Neemias entenderam que a continuidade da bênção para o remanescente dependia de uma resposta de fé manifesta em obediência. Como uma comunidade de adoradores, centrada no templo e não em um trono davídico, Israel só garantiria sua bênção guardando-se puro. Por isso, tanto o sacerdote quanto o governador se empenharam muito em preservar a pureza racial − não por mera xenofobia, mas pelo receio da xenolatria − do efeito corruptor dos casamentos na adoração da comunidade. O exemplo de Salomão, por cuja idolatria Israel fora privado das bênçãos no passado, deveria falar alto aos ouvidos da comunidade pós-exílica (Ed 9.10-14; Ne 13.23-27). A disposição benevolente de Yahweh deveria ser correspondida com amor não dividido e com repugnância evidente pelos deuses dos vizinhos pagãos.
ARGUMENTO BÁSICO
Todos os livros históricos do período pós-exílico partilham o propósito de demonstrar como Israel fez a transição de uma entidade política, onde a teocracia era mediada através da linhagem davídica, para uma comunidade adoradora que, embora permanecesse como povo de Deus, não era mais o canal mediador do reinado Dele na terra. Esdras compartilha desse propósito descrevendo o restabelecimento de Israel como uma comunidade adoradora na Terra Prometida e como isso exigia um reavivamento da verdadeira religião da aliança. Esse propósito aparece nas duas grandes divisões do livro. A primeira parte (Ed 1.1– 6.22) mostra os esforços da nação para reconstruir um templo e uma cidade das cinzas da destruição de Nabucodonozor. Embora a primeira parte desse plano tenha sido realizada depois de muita oposição e atraso, duas coisas não se realizaram. A cidade não foi construída e a nação não retornou à plenitude de seu relacionamento com o Deus da aliança. Esdras 7.1–10.44 traz o relato da tentativa de um homem para restaurar a verdadeira identidade religiosa de Israel por meio da renovação da aliança e exclusão de influências estrangeiras. Neemias lida com a reconstrução da cidade e com o dejà vu, a necessidade de verdadeira lealdade a Jeová e Sua aliança. O livro inicia-se com o decreto de Ciro que permitiu que os judeus voltassem a Jerusalém e reconstruíssem o templo. Esdras tem o cuidado de indicar que tal decreto está de acordo com o plano soberano de Jeová anunciado por Jeremias (cf. 1.1; Jr 25.11,12). Os judeus reagem com entusiasmo ao decreto, embora apenas 49.897 acabem atendendo ao chamado para retornar a Jerusalém. Esses, porém, o fizeram motivados por Jeová (1.5). A ajuda financeira dos judeus, na Babilônia, foi generosa e Ciro revelou, mais uma vez, a verdade das profecias de Isaías sobre ele (Is 41.1-4; 44.24-28) ao devolver os utensílios do templo (1.7-11). O capítulo 2 contém o registro dos exilados que voltaram. A lista aparece com algumas mudanças em Neemias 7.6-73. Mudanças nos nomes podem ser explicadas por variações na ortografia ou dois nomes para a mesma pessoa. Diferenças nos números somam cerca de 20% do total, mas essas podem ser atribuídas a um diferente sistema de anotação numérica empregado pelos judeus por volta do século 5 a.C. (como é demonstrado nos papiros de Elefantina) que teria aumentado a possibilidade de erros de cópia. Um artigo interessante sobre esse assunto foi escrito por H. L. Allrik, ―The Lists Of Zerubbabel and the Hebrew Numerical Notation‖ [―As listas de Zorobabel e a notação numérica hebraica‖], BASOR 136 (dez. 1954):21-7. A lista de localidades indica quão fortemente os judeus se apegavam a suas ligações familiares e tribais. O capítulo 3 descreve os esforços iniciais para restabelecer a vida religiosa de Israel, começando com o erguer do altar (3.1-3) e a celebração da Festa dos Tabernáculos (3.4), que olhava para trás, para a provisão de Deus, e para a frente, para a plenitude de Seu governo teocrático sobre Israel. Os versículos 5 e 6 indicam que a normalização da vida religiosa da nação dependia da construção do templo e que os atos religiosos realizados durante os primeiros dias do retorno, embora aceitáveis pelo Senhor, eram de natureza provisória. O restante do capítulo 3 concentra-se no lançamento dos alicerces do templo, em relação aos recursos disponíveis (3.7), às pessoas envolvidas (3.8,9), e às diferentes respostas emocionais ao novo projeto (3.10-13). No capítulo 4 encontra-se o primeiro relato de como a oposição ao projeto divinamente prometido, e apoiado pelo rei, surgiu cedo no período pós-exílico e se susteve por todo o século, começando com a chegada dos exilados em Jerusalém. Os samaritanos buscaram se juntar aos judeus na reconstrução, com a explicação de que eles também eram adoradores de Jeová (4.1,2). A resposta dos judeus pode parecer muito bitolada, mas, na verdade, refletia um zelo pela pureza que logo se perderia (cf. Ed 9 e 10) em detrimento da fé e da bênção de Israel. A total rejeição em 4.3 trouxe o assédio tenaz em 4.4,5 (mais 4.24–6.12), que só seria vencido 20 anos depois, quando o templo finalmente foi terminado (6.13-18). O restante do capítulo 4 (v. 6-23) é uma síntese da oposição que o programa de Deus para a restauração de Israel enfrentou das nações vizinhas e dos ingênuos oficiais persas na satrapia de Abar-Nahara (ou TransEufrates). Os detalhes lidam com a tentativa dos judeus de reconstruir Jerusalém, que foi frustrada por intrigas samaritanas e também pela explosiva situação política, por volta de 450 a.C. Esse incidente torna, ainda mais notável, a petição de Neemias ao rei, visto que ele teve a audácia de pedir que Artaxerxes revertesse um decreto anterior (cf. 4.17-23). O capítulo 5 dá o contraponto a essa oposição humana, introduzindo o ministério dos profetas de Deus, Ageu e Zacarias, que despertaram o espírito do povo e seus líderes a fim de reconstruir o templo (5.1,2) após 15 anos de inércia espiritual e inanição civil (cf. Ag 1). A oposição, dessa vez, veio de outros lugares, os oficiais persas da província de Abar-Nahara, cujo tratamento das evidências é muito mais honesto do que o dos samaritanos (4.7-16). Esdras tem muito cuidado ao indicar como a soberania de Jeová preservou o ímpeto construtor, enquanto a oposição perdia sua força devido ao atraso em levar e trazer a correspondência para a Pérsia (5.5b) e na verificação, por Dario, do decreto de Ciro e sua decisão de apoiá-lo plenamente. Assim, Esdras conclui a descrição desse período crucial com os dois decretos reais que fizeram valer na terra o que Deus já decretara no céu, a restauração de Seu povo como Sua comunidade adoradora, em Jerusalém.
A cobertura de Esdras do primeiro retorno e suas repercussões termina em tom festivo com a narrativa do término e da consagração do templo (6.13-18), com o restabelecimento completo do culto e a celebração da Páscoa e dos pães ázimos (6.19- 22). A menção a essas duas festas é importante, pois liga essas circunstâncias ao Êxodo, tanto no aspecto libertador quanto no purificador. A referência ao monarca persa, como rei da Assíria, também pode ser um jeito deliberado de indicar que agora o cativeiro de Israel terminara (esse escritor prefere o intervalo entre 586 e 515 como os 70 anos preditos por Jeremias), visto que os assírios o tinham iniciado em 732 a.C., quando as tribos do Norte foram levadas cativas por Tiglate-Pileser III. A segunda porção do livro (7.1–10.44) fala de um segundo retorno, liderado por Esdras, um sacerdote zadoquita e escriba (7.1-5), cujo coração fora preparado por Deus para estudar, praticar e ensinar a Lei de Deus, em Israel (7.10). O capítulo deixa implícito o pedido de Esdras a Artaxerxes por autorização para voltar à Judéia e ministrar a lei de Deus ao seu povo. A resposta do rei, contudo, amplia a missão de Esdras consideravelmente, de renovar o culto (7.14-20) para a designação de magistrados e juízes (7.25) e o reforçar a lei com todas as despesas pagas pela tesouraria persa (7.21,22). É bem possível que uma das razões predominantes para Artaxerxes mandar Esdras de volta com tais poderes era aumentar seu controle sobre uma situação politicamente volátil. A abrangência da missão de Esdras pode explicar o aparente atraso em sua exposição da Lei de Deus ao povo, registrado apenas em Neemias 8, uns treze ou catorze anos depois de sua chegada em Jerusalém. A reação de Esdras ao decreto de Artaxerxes é de alegria e louvor fervorosos (7.27,28a). O sucesso na corte o motivou a buscar apoio para seu plano entre seus compatriotas (7.28b). A necessidade de revitalizar o culto na pátria deve ter sido relatada a Esdras, na Babilônia, assim como a necessidade de reparar os muros foi relatada a Neemias (Ne 1.2,3). Seu relato do retorno inclui uma lista dos que retornaram (8.1-14), seu recrutamento de levitas e servos do templo (8.15-20; o pequeno número de levitas pode ser devido às melhores chances de ganhar a vida na Babilônia, onde eles não estariam confinados a trabalhos religiosos banais), a oração de Esdras por proteção durante a longa e perigosa jornada, especialmente à luz da grande quantidade de prata e ouro que estariam carregando de volta à Palestina (8.24-30). A viagem e os eventos da chegada de Esdras a Jerusalém perfazem o restante do capítulo 8 (v. 31-36). Esdras, 4 meses depois de sua chegada (por volta de dezembro de 458 a.C.), percebe quão profunda é a necessidade de reformas religiosas em Israel. A descrição do problema de casamentos mistos (9.1,2) é intencionalmente expressa para trazer à memória as antigas associações pecaminosas de Israel com os antigos habitantes de Canaã (a continuidade do tema está presente em Esdras e em Neemias também). A reação de Esdras (9.3,4) expressou profunda angústia e choque com o estado espiritual de sua nação. Essa forma específica de pecado consistentemente seduzia os judeus do período pós-exílico e seus efeitos devastadores podem ser vistos na corrupção espiritual (por meio de sincretismo idólatra) e degeneração social da colônia judaica em Elefantina, no Egito. Essa tentativa sutil de diluir a identidade nacional israelita é ainda outro contraponto no complexo processo do restabelecimento de Israel como comunidade adoradora de Jeová. A reação de Esdras, porém, vai além do lamento pessoal público (a menção do sacrifício vespertino sugere que tenha acontecido no templo, cf. 9.5 e 10.1, onde o templo é mencionado). A oração de confissão de Esdras (9.6-15) enfatiza a mesmice básica do estilo de vida pecaminoso dos israelitas quando comparada às gerações anteriores (9.6,7), a bondade de Jeová apesar da culpa deles (9.8,9) e o assumir a culpa de sua geração que repete os pecados antigos com total ciência da condenação de Deus sobre tais práticas (9.10-15; cf. Dt 11.8,9).
Tão profunda tristeza teve seu contágio espiritual, como é evidente na reação do povo que assistiu à cena e ouviu sua oração. A proposta de romper casamentos racialmente mistos veio do próprio povo, assim como a sugestão de que Esdras deveria coordenar um esforço nacional para corrigir esse erro (10.1-4). Esdras, mesmo mantendo o luto, obteve a lealdade dos líderes religiosos e de ―todo o Israel‖ (mais provavelmente através de líderes representantes) para a aliança proposta por Secanias. Ele, enquanto isso, permaneceu em jejum secreto e em oração pela triste situação (10.5,6). Medidas eficazes para lidar com o problema incluíam uma convocação geral sob penalidade de perda de propriedade e excomunhão da comunidade religiosa (9.7,8). A assembléia se reuniu sob o inclemente clima de dezembro e votam, com dissensão mínima, dissociou-se da influência estrangeira criada por seus casamentos racialmente mistos (10.9-16). Procedimentos adequados foram estabelecidos e com a chegada do ano 457 a.C. os tribunais matrimoniais começaram a investigar cada caso. Os processos legais se completaram em 4 meses (10.16b,17). O livro termina com a lista de ofensores no ―escândalo‖ dos casamentos mistos (10.18-44), começando com a equipe religiosa (10.18-24) até a plebe de Israel (10.25- 44). Um total de 111 nomes são dados, o que não indica um problema social traumático com milhares de órfãos vagando pelo campo, como querem insinuar alguns que, às vezes, acusam Esdras (e Neemias) de xenofobia e racismo excessivos. As prováveis centenas de crianças foram entregues a suas mães e, muito provavelmente, retornaram com elas para suas terras de origem, as nações vizinhas. Isso estaria de acordo com relatos bíblicos (Gn 21.14) e extra-bíblicos de padrões do Oriente Médio (cf. código de Hamurábi).
A reforma estava encaminhada e, por enquanto, a identidade nacional fora preservada. Duas observações vêm a calhar nesse ponto. Primeiro, o que se encontra em Esdras e Neemias não tem nada a ver com o exclusivismo judeu posterior, que negava aos gentios os privilégios que os judeus deveriam tornar disponíveis para o mundo. Essas mulheres gentias expulsas foram mandadas embora com base em sua recusa de, como Rute ou Raabe o fizeram, reconhecer Jeová como seu único e suficiente Deus. Segundo, esse retrato de uma expulsão voluntária de esposas estrangeiras oferece mais evidências de que Esdras precedeu Neemias, pois é mais provável que tal problema ressurgisse depois de 27 anos (457 – 430 a.C.), do que após somente 5 anos (430 – 425 a.C.), de acordo com a data proposta por Bright para Esdras (o 37º ano de Artaxerxes).