Você já ouviu falar de “secularização”?
O assunto pode parecer teórico demais, mas não é complexo.
Veja: se “secular” é tudo aquilo que está fora do âmbito religioso, secularizar é afastar da vida comum o que é religioso.
Historicamente, a secularização tem a ver com o espaço que a fé supostamente deveria ocupar na vida social. Ou seja, é o processo de diminuição da influência religiosa na vida cotidiana que começou a florescer na transição da Idade Média para a Idade Moderna. A partir dessa época, surgiu a ideia de que, por causa dos avanços da ciência e da filosofia, dentre outras coisas, a religião não tinha mais sentido e deveria ser relegada à vida privada das pessoas.
A previsão era que a fé cada vez mais teria menos espaço para expressões públicas, até que a religião minguasse e desaparecesse da vida das pessoas. Mas não foi isso o que aconteceu. Ao contrário, vemos dia após dia a quantidade de religiões, templos e adeptos aumentando ao redor do mundo, ao ponto de muitos estudiosos estarem chamando este período de “a revanche do sagrado”.
Porém, a secularização não se restringiu apenas a um palpite ou uma previsão, mas se tornou também uma sugestão e até uma pressão contra a religião; um movimento cultural que pretendia que a opinião religiosa se tornasse cada vez mais apenas uma questão de foro íntimo e privado, deixando de exercer qualquer influência no debate público. Para essas pessoas, ninguém pode usar a fé para fazer uma leitura adequada da realidade e, portanto, não deveria usá-la na hora de reivindicar direitos ou sugerir pautas políticas.
Aceitava-se que as reivindicações públicas dos cristãos fossem feitas a partir de fatores pessoais, posições políticas ou mesmo pela cultura, mas jamais pela fé. Com isso, houve um esvaziamento religioso da organização da sociedade que, antes, acontecia justamente a partir do temor a Deus e do relacionamento com Ele. Em outras palavras, as decisões da sociedade deixaram de ser pautadas pela percepção religiosa.
Num primeiro momento, isso fez com que os cristãos fossem se distanciando pouco a pouco das decisões sociais. E foi assim que a secularização acabou triunfando, mas de um jeito diferente: está claro que a religião não irá acabar, mas já não há mais preocupação quanto às pessoas terem ou não religião, contanto que elas guardem suas convicções para si mesmas.
Ao longo dos anos, de lá para cá, houve muitos desdobramentos e mudanças nessas ideias, mas não se pode negar que a secularização faz parte da construção da sociedade atual.
As Reações
Hoje, com o processo de secularização já formado e normalizado, as reações de cristãos mal instruídos têm sido de se deixarem dominar pela ideia secularista ou de combatê-la a todo custo.
De um lado, como consequência de não perceberem o que está acontecendo, cristãos secularizados vivem um tipo de ateísmo prático: o Deus em que acreditam não os afeta no mundo real. Na igreja, eles acreditam no Deus das Escrituras, que governa o Universo e dita as questões morais, mas fora dela, apostam muito mais na autonomia e na liberdade humana; jogam o jogo político do secularismo. Vamos chamar essas pessoas de “secularizadas”. Quando os secularizados categorizam as coisas fora da igreja como “seculares”, de certa forma, já estão entrando no jogo e pensando como os secularistas.
Do outro lado, aqueles que se manifestam o fazem sem uma boa teologia pública, piorando muito toda a situação. Vamos chamar essas pessoas de “militantes”. Num primeiro momento, eles estão certos ao entender que não faz sentido exigir que, em questões públicas, os cristãos “engavetem” sua fé e assumam um discurso neutro. Em primeiro lugar, porque não existe discurso neutro. Isso é mito; uma ideia contraditória e também hipócrita.
Quando alguém diz que o debate sobre questões sociais deve acontecer deixando de lado a fé, essa pessoa já está desqualificando a posição religiosa desde o início. E isso não é feito por lógica, mas com critérios arbitrários. Isso é apenas impor suas crenças e opiniões particulares, não é ser neutro de forma alguma.
Os cristãos sentem que a proposta secularista não é antirreligiosa de verdade; ela é somente anticristã. Aliás, não é à toa que tão nitidamente a militância política tenha um fervor tipicamente religioso. Esse é um motivo muito forte para que os cristãos se posicionem não como cidadãos “neutros”, mas propriamente como cristãos.
Ainda que nós possamos questionar a qualidade da fé e da prática do povo brasileiro de modo geral, uma coisa é fato: o Brasil é majoritariamente cristão, E ainda que o Brasil seja um estado laico, o povo brasileiro não é. Por isso, o mínimo que se deveria esperar é uma grande manifestação pública da fé cristã.
Contudo, nós chegamos num ponto em que precisamos não meramente nos intrometer nos debates públicos sobre questões sociais, mas precisamos aprender a pensar a nossa fé em termos de uma “teologia pública”, pois é necessário reestabelecermos o diálogo antes de tentar trazer de volta a vida da fé à arena pública. O motivo disso é que, infelizmente, muitos cristãos interessados em assuntos políticos têm entrado totalmente despreparados nesses debates; eles constantemente defendem coisas sem sentido e de maneiras tão absurdas que não poderíamos esperar outra reação dos não cristãos que não fosse uma total rejeição.
Não temos dúvidas: a fé é mais importante que a política para o desenvolvimento pessoal e da própria sociedade.
No entanto, não é possível demonstrar isso sem que antes haja muito mais reflexão por parte dos cristãos sobre os temas de debate político antes de qualquer manifestação de sua parte. É óbvio que, para isso, precisamos pensar sobre pautas sociais muito mais do que apenas no período anterior a cada eleição, e para muito além de respostas a postagens anticristãs nas redes sociais.
Se, por um lado, o mínimo que se espera de um país majoritariamente cristão é um posicionamento público à luz da fé, o mínimo que se espera de cristãos que se aventurem na exposição pública de ideias é que conheçam acima da média sobre os assuntos que pretendem discutir.
Graças a Deus, no meio de tanto discurso público envergonhando a fé cristã, há pessoas se dedicando a fazê-lo com temor. porque compreenderam que é importante e urgente se posicionar – e tal como Jesus ensinou, sem depender da imposição estatal.
O Despertamento e o Despreparo Cristão
Infelizmente, a maioria dos cristãos certamente não começou a se atentar às questões políticas por reconhecer a necessidade de um posicionamento fiel, mas por terem virado alvo de políticos, interessados nessa gigantesca parcela da sociedade que, a essa altura, não pode mais ser ignorada.
Não se engane! Cristãos não estão mais responsáveis socialmente. Eles estão apenas sendo mais manobrados, seja por incentivos de políticos favoráveis ou por medo dos opositores da Igreja.
Segundo o censo de 2010 do IBGE, os católicos eram 123 milhões e os evangélicos mais de 42 milhões de pessoas. Mas segundo a pesquisa do Datafolha em 2020, evangélicos somariam mais de 65 milhões, totalizando 31% da população brasileira, para 50% de católicos brasileiros. Os católicos já eram uma parcela desejável da população, mas o crescimento assustador dos evangélicos no Brasil nas duas últimas décadas transformou-os também em uma fatia política muito atrativa. Não podemos mais ser ingênuos quanto a isso.
O envolvimento dos cristãos na política não cresceu como algo natural e orgânico dos próprios círculos cristãos; não partiu de uma preocupação cristã entendendo o lugar de sua participação política. Cresceu a partir dos políticos e seus incentivos.
Se, antes, os evangélicos foram afastados da política por motivos ruins, agora, eles foram reaproximados por motivos ainda piores: são vereadores prometendo doar tijolos, nomear ruas com nome de fundadores de igreja; são prefeitos prometendo asfaltar a rua da igreja; deputados garantindo que farão leis pífias em benefício dos evangélicos; candidatos à presidência se apresentando como reais representantes divinos, e por aí vai.
“Muitos buscam o favor de quem governa; todos querem ser amigos daquele que dá presentes” (Pv 19:6).
O cenário é triste e assustador. A política arrebanhou muitas igrejas. Esse é o verdadeiro motivo por trás de tamanha movimentação política a partir da Igreja e dos cristãos hoje. Há exceções? Sim, mas não é delas que trataremos aqui. Os cristãos precisam admitir que foram atraídos pelos políticos ao invés de fornecerem debates públicos a partir da perspectiva do povo de Deus. Aliás, isso explica grande parte da ansiedade pública cristã, tão ditada pelo cenário político. E é apenas isso que explica por que vemos mais cristãos empenhados em falar de política e defender suas visões e candidatos do que em testemunhar de Cristo e evangelizar.
Será este é o seu caso?
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