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Seitas Não-Gnósticas dos Dois Primeiros Séculos

a. Os Nazaritas

Esse grupo aparentemente consistia de Cristãos nascidos judeus, os quais praticavam a maneira judaica de viver. Segundo João de Damasco, negavam eles — e essa parece ter sido sua primeira negação registrada — a autoria mosaica do Pentateuco. (Cf. PG, vol. 94, cols. 688-689; Epifânio: Adversus Haereses, PG, vol. 41, col. 257; Harnack: Eehrbuch derDogmengeschichte, Tuebingen, 1931, I; págs. 310-334).

b. Os Ebionitas

Esse grupo, algumas vezes denominado de Ebionitas Farisaicos, segundo declarado por Epifânio (PG, vol. 41, col. 436), detestava os livros proféticos, não aceitando qualquer deles. Semelhantemente, rejeitavam certas palavras do Pentateuco, como se não tivessem sido originadas por Moisés.

c. As Homílias Clementinas

Essas Homílias apresentam uma forma de ebionismo que se assemelha um tanto do gnosticismo. Nelas é sustentado que Moisés transmitiu a Lei para setenta homens escolhidos, mas que posteriormente foram adicionadas certas falsidades às Escrituras pelo maligno. Dessa forma, dizem elas que as Escrituras torcem o quadro sobre Deus de muitos modos. Por exemplo, apresentam Deus como ignorante, e assim sendo, como falso, obra de um homem. Também representam mal homens piedosos. Adão em realidade não foi um transgressor; Noé, o justo, de fato nunca se embebedou; Abraão jamais viveu com três esposas ao mesmo tempo; Jacó nunca se associou a quatro mulheres; nem Moisés foi um assassino. O relato da morte de Moisés não teria sido escrito pelo próprio Moisés, pois como poderia ele ter escrito que morreu? Cerca de quinhentos anos depois da época de Moisés, a Lei foi encontrada no Templo, e quinhentos anos mais tarde, no tempo de Nabucodonosor, foi queimada e destruída.

A hipótese empregada nas Homílias, para explicar passagens difíceis nas Escrituras, é que em realidade essas passagens são interpolações feitas pelo próprio diabo. E o critério para decidir o que é e o que não é diabólico, é se determinada passagem é julgada em harmonia ou não com a criação. O juiz de tudo isso é, naturalmente, a mente humana; e assim, o criticismo das Homílias Clementinas é uma forma de racionalismo filosófico. Alguns desses mesmos pontos de vista aparecem na Epístola de Pedro a Tiago (PG, vol. 2, col. 25), onde é dito que os compatriotas de Moisés corrigiram as incongruidades da Bíblia, para que ninguém ficasse confundido em vista das afirmações variadas dos profetas. Certas seitas menores, como por exemplos os Ossenoi, rejeitavam alguns dos profetas, enquanto que os Valessi rejeitavam tanto a Lei como os profetas. Não há dúvida que havia também outras seitas, sobre as quais não existe informação alguma além de que adotavam atitude hostil para com o Antigo Testamento.

IV. Celso

Um dos ataques mais poderosos que a nascente Igreja Cristã recebeu foi o desfechado por certo homem chamado Celso. Certo convertido de Orígenes, chamado Ambrósio, enviou àquele o tratado de Celso, denominado A Verdadeira Palavra, exortando-o a preparar uma réplica. Orígenes se demorou um tanto a iniciar a tarefa, acreditando que a melhor refutação àquelas falsas acusações se encontrava no silêncio. Reflexão mais madura, porém, o compeliu a tomar da pena em defesa da Fé.

Quase nada se sabe acerca da identidade de Celso. De fato, o próprio Orígenes não estava certo sobre a identidade de seu oponente. Quem quer que tenha sido Celso, era homem de grande erudição e habilidade que percebia estar enfrentando no Cristianismo um movimento poderoso, e estava determinado a freiar seu crescimento tanto quanto possível. Portanto, em Celso encontramos um representante do mundo Greco-romano, um mundo que se via em perigo. As objeções de Celso ao Antigo Testamento não se baseavam em pesquisa e investigação paciente, mas antes, refletiam a atitude de uma mente assaltada de preconceitos. A grande obra apologética de Orígenes, Contra Celsum, provavelmente foi escrita cerca de 248-249 D. C., cerca de setenta anos depois que Celso lançara seu ataque. Celso deixou transparecer um conhecimento muito superficial sobre a história do Antigo Testamento. Segundo ele imaginava, a nação hebraica se originara de uma revolta entre os egípcios, pois os judeus descenderiam dos egípcios. Ele tendia a diminuir os judeus como povo que nunca fizera qualquer coisa de notável, que “nunca tinham sido reputados grande coisa”. Quanto à doutrina da criação, ensinada no livro de Gênesis, ele rejeitou como “muito insensata”, e declarou que o rito da circuncisão fora adotado de um costume egípcio. Celso criticou particularmente as declarações antropomórficas da Bíblia. Nos escritos de Celso, Deus é considerado um ser cansado de tanto trabalhar, em resultado da criação em seis dias. Dessa natureza eram as objeções de Celso. Um particular, contudo, deve ser salientado. Celso não negou a autoria mosaica do Pentateuco, como ocasionalmente tem sido afirmado por alguns.

Sumário dos dois primeiros séculos

Durante os dois primeiros séculos da era Cristã não há instância registrada de criticismo hostil à Bíblia entre os Pais da Igreja ou dentro da própria Igreja ortodoxa. Para os Pais Apostólicos e para os subsequentes Pais Ante-Nicenos, pelo menos no que tange à expressão sobre o assunto, Moisés era tido como autor do Pentateuco, e o Antigo Testamento é considerado como Livro Divino. Tais instâncias de criticismo hostil, existentes desse período, se originaram em grupos considerados como hereges ou então no mundo pagão externo. Além disso, esse criticismo refletia certas pressuposições filosóficas e tinha um caráter decididamente tendencioso e anticientífico. Tanto quanto concerne às evidências existentes, pode-se dizer que a Igreja mesma olhava para o Antigo Testamento como a Palavra de Deus.

—– Retirado de:  Edward J. Young – Introdução ao Antigo Testamento.

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