Nativo do Ponto e filho de um bispo Cristão, Marcion chegou a Roma cerca de 138 D. C. e ali se uniu à igreja. Em Roma ele caiu sob a influência do gnóstico Cerdo, que proclamava que o Deus do Antigo Testamento era um ser diferente do Deus do Novo Testamento.
Marcion passou a ensinar que existem dois deuses, um deles austero, uma árvore corrompida a produzir fruto corrompido, produtor do mal moral, e o outro o Deus bom e benevolente do Novo Testamento. Marcion também fazia distinção entre a Lei e o Evangelho, e aos olhos de Tertuliano se tornou conhecido como “o autor da interrupção da paz entre o Evangelho e a Lei” (Contra Marcionem, 1:19).
De conformidade com Marcion, visto que o Criador era corrupto, seguia-se que sua obra, a Lei, também era corrupta. As corrupções e imperfeições que Marcion julgava poder encontrar no Antigo Testamento, foram declaradas em sua obra, a Antítese. Porém, em vista dessa obra haver-se perdido, dependemos muito de Tertuliano para obter informação acerca do conteúdo dessa obra. Marcion raciocinava que, visto o homem ter caído no pecado, a conclusão necessária é que Deus não era nem bom nem poderoso, nem possuía conhecimento anterior aos fatos. Novamente, a ignorância e a fraqueza de Deus são aduzidas da pergunta feita a Caim: “Onde está Abel, teu irmão?” Além disso, por que Deus teria perguntado a Adão se ele tinha comido da fruta proibida, a não ser que estivesse em dúvida a respeito?
No relato sobre o bezerro de ouro, Moisés, na opinião de Marcion, parece ser maior que Deus. A lei de Talião dava permissão para injúria mútua, e os sacrifícios e cerimônias foram considerados cansativos e dificultosos, e provavelmente necessitados pelo próprio Deus. Outrossim, ao tomarem ouro e prata dos egípcios, os israelitas haviam agido desonestamente, e Deus tinha de ser responsabilizado por isso. Deus também deveria ser responsabilizado por haver endurecido o coração de Faraó. Ainda de conformidade com Marcion, o Deus do Antigo Testamento era volúvel e infiel ao Seus próprios mandamentos. Ele proibiu o trabalho no sétimo dia, e no entanto, por ocasião do cerco de Jericó, ordenou que a arca fosse carregada em torno da cidade por oito dias, o que naturalmente envolveu trabalho no sábado. Também Deus seria injusto e destituído de previsão em Seu trato com os homens.
Marcion rejeitava a alegoria em sua interpretação das profecias bíblicas, crendo que as profecias haviam sido cumpridas na história ou seriam cumpridas no futuro, por ocasião do aparecimento do anticristo. Seja como for, para ele as Escrituras tinham de ser interpretadas literalmente, e não como alegoria. A maioria dos santos do Antigo Testamento foram desfavoravelmente considerados por Marcion, e ele chegou mesmo a negar salvação para alguns deles. Isso estava de conformidade com o baixo conceito que Marcion tinha do povo judaico.
O criticismo de Marcion ao Antigo Testamento em sentido algum pode ser considerado científico. Partia de uma formação filosófica eivada de preconceitos. Tanto sua estrutura como sua exegese frequentemente parece ser superficial e evidentemente eram apresentadas, em certas ocasiões, sem consideração séria sobre o texto e o seu contexto. Ele não pesquisava as Escrituras como estudante imparcial, mas antes, como alguém que empregava as Escrituras para servirem aos seus propósitos. (Cf. Tertuliano, Contra Marcionem, PL, vol. 2, cols. 236 e segs.; Harnack: Marcion Das Evangelium vom fremden Gott, Leipzig, 1924).
—– Retirado de: Edward J. Young – Introdução ao Antigo Testamento.
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