No capítulo anterior, eu destaquei as imagens dos tipos por causa do uso da imagem da árvore, e uma árvore não é exatamente um tipo. Neste capítulo, quero distinguir modelos dos tipos, porque os dois modelos que quero considerar, aqui, são muito latos. Porém, estes modelos, como outras imagens examinadas acima, poderiam também ser descritos como sendo tipológicos. A repetição do modelo cria a impressão de que isso é o que tipicamente acontece, fazendo com que as pessoas notem e esperem mais dele. Aqui, desejo considerar o modelo das festas de Israel e o modelo do servo sofredor.
AS FESTAS DE ISRAEL
Deuteronômio 16.16 afirma que, três vezes ao ano, todos os homens de Israel deveriam se apresentar diante do Senhor para as festas da Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Estas não eram as únicas festas, mas, por serem as três celebradas anualmente, aqui enfocaremos nestas. A Páscoa celebrava a libertação que Deus deu a Israel, saindo do Egito. Em outros lugares, Pentecostes é referido como a Festa da Colheita (Êx 23.16). E a Festa dos Tabernáculos celebrava como Deus proveu para Israel, quando o povo viveu em tendas ou tabernáculos durante todo o tempo de sua peregrinação pelo deserto a caminho da Terra Prometida.
A celebração anual dessas festividades faria com que Israel olhasse para o modo como Deus os salvou no êxodo, os trouxe através do deserto e lhes deu uma terra frutífera. Constantemente lembrando dessas coisas mediante a celebração das festas, seria criado um gabarito mental, pelo qual interpretariam as suas vidas e esperariam que Deus agisse por eles no futuro. Qualquer que tivesse olhos para ver, entendia que Israel precisava ser liberto de mais do que apenas a escravidão do Egito. Existe uma forma pior de escravidão — ser preso ao pior de todos os feitores: o pecado. Qualquer um podia ver que, conquanto os israelitas esperassem ver um dia as maldições todas retiradas, esse dia ainda não chegara. A terra ainda não florescera como o Éden.
O modelo da celebração anual da Páscoa, portanto, simbolizava e informava as esperanças por uma redenção mais profunda, e é exatamente isso que encontramos nos profetas de Israel. O modelo das tendas ensinava Israel que, como Deus proveu para eles, em sua jornada pelo deserto no passado, assim também ele provê pra a jornada pelo deserto após o novo êxodo. Foi assim também com Pentecostes, que apontava adiante, para o dia quando o que lavra logo seguiria o que colhe (Amós 9.13). Até aquele dia, os israelitas que estudaram as Escrituras veriam um modelo de sofrimento na vida dos justos, e dado o modo como as imagens, os tipos e os modelos informaram seu entendimento simbólico do mundo, talvez expressassem um cumprimento também para este modelo (cf. a expectação de Simeão, em Lucas 2.34-35). Parece que isso é o que encontramos no tema do justo sofredor, no Antigo Testamento.
O JUSTO SOFREDOR
Caim matou Abel. Abraão teve problemas com os filisteus e, talvez, esses fossem também os dias do sofrimento de Jó. Ismael zombou de Isaque. Esaú queria matar Jacó, e os irmãos de José o venderam à escravidão. Os israelitas rejeitaram Moisés, como fizeram a todos os profetas que surgiram como ele: Elias, Eliseu, Isaías, Jeremias, e todos os demais. Jesus bem podia dizer que Jerusalém era a cidade que apedrejava seus profetas e matava os que eram enviados a ela (Mt 23.37), e ele também profetizou que o sangue dos justos, desde o primeiro mártir do Antigo Testamento, Abel, até o último, Zacarias, seria cobrado da geração que o levou à morte (Lucas 11.49-51).
Este modelo do justo que sofre é especialmente forte no livro dos Salmos, onde Davi se refere à sua libertação da perseguição e aflição, em termos reminiscentes do êxodo do Egito, no Salmo 18.7-16 (cf. sobretítulo do Salmo 18). No Salmo 34, Davi usa imagens do êxodo (Sl 34.7; cf. Êx 14.19-20) e parece mostrar sua libertação, em termos que recordam Israel sendo liberto pelo Cordeiro da Páscoa (Sl 34.20; cf. Êx 12.46). Quando Jesus cumpriu o modelo do servo sofredor, morrendo como cordeiro de Deus que realiza a redenção no novo êxodo, nenhum de seus ossos foi quebrado (João 19.34-36).
Jesus é o Salvador a quem apontam todas as festas: o cordeiro da nova Páscoa no novo êxodo, o pão do céu e a água viva, que é tabernáculo entre nós, em nossa jornada para a Nova Jerusalém, as primícias da ressurreição dos mortos. Jesus é o justo servo sofredor. Sendo insultado, ele não revidou com ameaças. Aqueles que desejam obedecê-lo deverão seguir seus passos.
O QUE OS SÍMBOLOS NOS ENSINAM?
Falando simbolicamente, portanto, os seguidores de Jesus são escravos libertos. As cadeias do pecado foram quebradas. Fomos comprados por bom preço e devemos glorificar a Deus com nossos corpos (1Co 6.20). Estamos indo em direção a um Éden novo e melhor, o novo céu e nova terra, e aqui não temos nenhuma cidade permanente (cf. Hb 13.14). Estes símbolos nos são dados para formar nosso entendimento de nós mesmos. Mostram quem somos nós. Dão-nos identidade. Contam a história de nossa vida no mundo real.
Ao olharmos para uma cidade melhor, somos chamados para seguir os passos de Jesus, sofrendo por fazer o bem (1Pe 2.19-23). Nós devemos tomar nossa cruz e segui-lo (Marcos 8.34), tendo em nós a mesma atitude de obedecer ao Pai e servir ao próximo, os quais ele transformou, em sua obediência até à morte (Fp 2.1-11).
Os símbolos bíblicos nos são oferecidos para dar forma a nosso entendimento de como devemos viver. Jesus é nosso paradigma, nosso modelo, nosso exemplo. Os símbolos sumarizam e interpretam a história, e nos informam quem somos nós na história e como devemos desempenhar nosso papel no desenrolar de sua trama.
O livro de John Knowles: A Separate Peace, começa com Gene voltando para a árvore de onde seu amigo Finny caiu, quinze anos antes, levando-no à morte. O livro se desenvolve quando Gene relembra os acontecimentos em torno dessa árvore. Mas existe uma história maior e melhor, o arquétipo que deu origem a todas as outras histórias: o grande código. Existe alguém que levou sobre si, em seu corpo, os nossos pecados no madeiro (1Pe 2.24), a fim de nos salvar da queda que ocorreu na árvore do jardim. Há um Salvador cuja morte é mais poderosa do que a morte de Finny, e um perdão que nos dá, não uma paz parcial, mas uma paz inteira, íntegra e total.
—- Retirado de James M. Hamilton – O que é Teologia Bíblica?
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