*Aqui, vamos analisar a confusão feita por um menino chamado Diego, sobre música secular. Mesmo que você seja adepto das crenças que ele apresentou, será impossível você ler até o final e não sentir pena de quem ainda está tão cego sobre o assunto, como nosso amigo estava. Vamos dar as mãos e tentar aprender algo, com maturidade e humildade.*
CONFUSÃO COMUM EM ALGUMAS IGREJAS
Não é preciso explicar muito pra entendermos que o único ensino espiritual que devemos respeitar de um líder é aquele que confirma e explica o ensino bíblico. Mesmo assim, é comum vermos igrejas onde é proibido mulheres usarem calça, homens usarem short, membros assistirem televisão e outras coisas tão bizarras quanto essas, assim como a proibição de ouvir música que não tenha sido composta por um evangélico. O problema é que todas essas proibições, desde as mais sutis às mais absurdas, são defendidas com suposto embasamento bíblico. Ninguém jamais dirá o contrário sobre as crenças que defende – todos acham que têm fundamento bíblico, não é? Como resolver o problema?
PROIBIÇÕES E PERMISSÕES
É importante pensar no seguinte: pecado é tudo aquilo que transgride a lei de Deus (é o que a Bíblia diz). Se algo não transgride a lei, então não é pecado. Se alguém chama de pecado algo que a Bíblia não chama, está dizendo que sua própria santidade e justiça é superior à santidade e justiça das Escrituras e de Deus, que nos deu as Escrituras.
A Bíblia não deve ser vista como um livro de regras de “pode e não pode”. Quando você faz isso, está se comportando como um ímpio, como alguém que ainda está cego espiritualmente, alguém que ainda não entendeu o que é a Bíblia, o que Deus planejou para o homem e nem mesmo a própria mensagem do Evangelho. Então, vamos resumir o básico antes de entrar no assunto em questão, que é a música:
O PLANO DE DEUS E NOSSA RELAÇÃO COM A CRIAÇÃO
Deus escolheu Abraão para dele fazer um povo com o qual depois Ele fez uma aliança. Quando estabeleceu a aliança, Ele disse que daria leis ao povo, para que eles fossem diferentes dos gentios (povos não-judeus). Então a partir daí nós entendemos que o povo de Deus (que hoje é a igreja de Cristo), tem que ser diferente. Mas a pergunta é: diferente em que sentido? Em quais coisas?
Precisamos olhar para as leis e ver em quais aspectos Deus queria que o povo de Israel fosse diferente. Vemos que o principal está na forma de viver, de se relacionar e de enxergar a vida, pois as leis (como Cristo disse) se resumem em duas: amar a Deus sobre todas as coisas, de todo entendimento, e amar ao próximo como a nós mesmos. Isso faz com que todas as atitudes que tomamos sejam de acordo com esse parâmetro, não é? Isso é o que se chama de “cosmovisão” ou seja, a visão de mundo. Ou seja, a cosmovisão de Israel (a forma com que eles deveriam enxergar o mundo e agir) era sempre lembrando da vontade de Deus, e era essa vontade que as leis refletiam.
SOBRE A LEI DE DEUS
Algo muito simples de entender é que, se realmente há uma proibição bíblica sobre algo, isso sim é que deve ser provado – isso se faz com uma interpretação honesta do texto, a partir da contextualização imediata, da hermenêutica e da exegese, sempre que houver qualquer dúvida sobre o texto.
Mas algo ainda mais importante de se entender é que ninguém será salvo por tentar cumprir a lei de Deus. A salvação de ninguém será pelas obras, mas somente pela fé. A fé, recebida por nós do próprio Deus, é que começa em nós o processo de santificação, gerando em nós as obras, que não são fruto do nosso esforço, mas fruto do Espírito Santo, como sabemos. É por isso que a fé verdadeira tem obras, pois essas obras são geradas pela própria ação do Espírito Santo em nós. A salvação é anterior às obras da santificação (as obras da fé), pois a fé é o motivo pelo qual as obras acontecem – sendo tanto a fé quanto as obras fruto do Espírito.
Agora vamos ao que interessa.
QUE MÚSICAS PODEMOS OUVIR?
A Bíblia diz algumas coisas que, quando lemos sem atenção, podem nos confundir. E foi isso que aconteceu com nosso amigo, o menino Diego, que levantou algumas questões que, se pensamos um pouco, são até engraçadas. Preste atenção, limpe seu coração das emoções e acompanhe o raciocínio.
A pergunta correta deve ser mais abrangente, não apenas sobre música. Poderia ser essa: “Que coisas podemos usar?” – ou seja, se proibimos qualquer coisa só por terem sido produzidas por pessoas que não são evangélicas, se esse for o único motivo, então deveremos expandir a conclusão para todas as coisas produzidas por não-evangélicos. De outra forma, será uma proibição irracional (maluca, sem sentido – obviamente, antibíblica).
PODEMOS TOMAR SORVETE FEITO POR ÍMPIOS?
Essa pergunta é até engraçada, mas ela mostra a bobagem que é quando alguém pergunta se podemos usar qualquer coisa feita por um ímpio, como por exemplo uma música. É claro que assim como nem todo sorvete é bom, também nem toda música é boa. Um sorvete de petróleo, de urina ou com veneno, obviamente é um sorvete feito de forma mal-intencionada e não faz bem para ninguém. Assim também uma música feita para propagar ódio, por exemplo, não faz bem para ninguém. O que nos importa é o conteúdo, não quem fez ou o que o produtor estava pensando quando fez. Se fosse diferente, não poderíamos usar nenhum produto produzido por um ateu, como computadores, roupas, carros ou qualquer outra coisa.
ENTÃO ESTAMOS LIBERANDO GERAL?
Essa pergunta é nitidamente desonesta e infantil. A nossa afirmação não é uma tese, é uma constatação. Vou dar um exemplo absurdo pra ficar mais fácil de entender.
“Não existe saci na Bíblia” – você concorda com isso? Se você concorda, como pode provar algo desse tipo pra alguém? Para provar o contrário é preciso mostrar o saci na Bíblia, e não me pedir que prove que ele não está lá. A única forma de provar que algo não existe na Bíblia é mostrando versículo por versículo pra alguém. Mas para provar que existe, é só mostrar uma única passagem comprovando, não é? Quando dizemos que tal coisa não é proibida nas Escrituras, não faz sentido alguém responder que precisamos provar. Isso não faz sentido. Se a Bíblia não proíbe, quem deve provar é quem afirma que ela proíbe.
Lembre: “Se alguém chama de pecado algo que a Bíblia não chama, está dizendo que sua própria santidade e justiça é superior à santidade e justiça das Escrituras e de Deus, que nos deu as Escrituras”.
VAMOS ÀS QUESTÕES DO MENINO DIEGO
(1) “Propagar liberação musical para os irmãos não é o caminho”.
O menino Diego fez essa afirmação após perceber que não havia nenhum versículo bíblico proibindo o consumo de música secular. Perceba que há uma ideia ali de que líderes devem proibir certas coisas para prevenir algo, mesmo que a própria Bíblia não tenha tentado prevenir esse algo. Ou seja, a ideia é de que alguns crentes conseguem ser mais sábios que o ensino bíblico – o ensino de Cristo, dos apóstolos e dos profetas. Isso é muito comum. Alguns líderes se sentem tão superiores espiritualmente, que por verem pecado em tudo, fazem proibições em suas igrejas mesmo que nem Jesus tenha se preocupado com os assuntos que eles estão se preocupando.
Um exemplo simples: Jesus não se incomodou em transformar água em vinho, mesmo sabendo que tantos líderes iriam proibir a ingestão de vinho. Paulo recomendou vinho até mesmo para a saúde de Timóteo, e mesmo assim alguns líderes acham que são mais sábios por proibir a ingestão, mesmo que Cristo e Paulo não tenham feito isso. Ou seja, tais líderes estão dizendo que o ensino de Cristo e de Paulo foram incompletos e perigosos.
(2) “A Bíblia é claríssima em relação à música, ela ordena cânticos espirituais”.
Perceba que mesmo depois de não conseguir provar nada sobre essas proibições, o menino Diego continuou cego, dizendo que a Bíblia é “claríssima” sobre o assunto, e seu argumento foi que ela “ordena cânticos espirituais”. Tirando o fato cômico da falta de raciocínio lógico, é preciso saber também diferenciar o que são textos descritivos e textos prescritivos. Você sabe dizer a diferença? Sugiro que faça uma busca no Google para entenda melhor e não acredite apenas em nossa explicação sobre isso.
Exemplos: (1) Deus mandou o profeta Ezequiel preparar seu pão sobre fezes de vaca (Ezequiel 4:15). Isso significa que devemos fazer o mesmo? (2) Em Atos vemos algumas pessoas levando aventais de Paulo para curar pessoas longe dali, como se o poder estivesse em Paulo (ou nos objetos). Devemos fazer o mesmo? É óbvio que não. Essas passagens são descritivas – estão descrevendo situações, e não prescrevendo (mandando, ordenando) algo à Igreja.
Dito isso, fica mais fácil sabermos quando uma passagem está mandando que a Igreja faça algo ou quando apenas está relatando uma situação ocorrida. Vamos analisar a passagem que pensamos ser aquela que o menino Diego tinha em mente quando fez a tal afirmação.
“falando entre vós em salmos, hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração” (Efésios 5:19).
Primeira pergunta: essa é uma passagem descritiva (que apenas descreve uma situação) ou prescritiva (que dá uma orientação, uma instrução à Igreja)? Não tenha receio de pensar e afirmar. É claro que se trata de um texto prescritivo. Paulo está dando exortando a igreja de Éfeso sobre a vida cristã, sobre a edificação da igreja por intermédio da vida e do proceder dos membros da congregação. Então: sim, é um texto prescritivo. Isso significa que o menino Diego estava correto? Nem de longe! Confira as próximas perguntas.
Segunda pergunta: o que essa passagem está ensinando? A exortação de Paulo é para que nos afastemos de toda corrupção, todo pecado, todo mal. A lei, como Jesus disse, se baseia em amar o próximo e amar a Deus. Algo só é pecado se infringe alguma dessas duas coisas. Paulo, um apóstolo autorizado por Cristo, inspirado pelo Espírito Santo, direciona a igreja explicando alguns detalhes que estão dentro desses dois mandamentos. Ele faz isso dando algumas ênfases que estão nos versículos anteriores, como prostituição, cobiça, devassidão, avareza e idolatria.
Terceira pergunta: quais exatamente são as restrições da passagem? Essa pergunta é importante, pois há uma diferença óbvia entre textos que proíbem, textos que permitem, textos que ordenam e textos que exemplifiquem.
Como assim? Bom, qualquer um consegue perceber a diferença entre essas duas prescrições: (1) Faça café. (2) Faça apenas café. A primeira pede café, mas não impede que se faça também pão. A segunda pede café, proibindo que se faça pão ou qualquer outra coisa. Agora veja essa outra hipótese: (3) Não faça pão. Nenhuma das três frases proíbem o café, mas nas duas primeiras ele é ordenado, e não uma mera hipótese.
A primeira ordena uma coisa, dizendo apenas uma das coisas que podem ou devem ser feitas. A segunda ordena que se faça apenas uma coisa, nos fazendo entender que as demais são proibidas. A terceira proíbe apenas uma coisa, liberando todas as outras. Podemos fazer uma quarta hipótese, parecida com a passagem de Efésios: (4) Não faça pão, faça café. E nesse caso, assim como a orientação de Paulo, Uma coisa específica foi proibida, outra foi ordenada, mas elas não esgotam todas as possibilidades. Pense na afirmação outra vez: Não faça pão, faça café << Essa afirmação não ordena que se faça chá, mas também não proíbe. Assim como a passagem de Efésios 5 não manda que se tome sorvete, mas também não proíbe.
Resumindo: essa passagem, assim como toda a Escritura Sagrada, não manda que façamos inúmeras coisas, como ir ao cinema, usar o Facebook, usar roupa social, andar de ônibus, etc., mas essas coisas também não são proibidas.
ENTÃO TUDO QUE A BÍBLICA NÃO FALA, ESTÁ LIBERADO?
Às vezes percebo que essa pergunta é feita de forma maldosa, como se esperasse que alguém o liberasse para fazer tudo que seu coração desejasse e usasse a pessoa que lhe respondeu como desculpa. “Ah, mas fulano disse que pode”. Essa é a coisas mais infantil e maldosa que alguém poderia fazer.
O cristão não usa desculpas pra fazer as coisas. É óbvio que todas as atitudes de alguém regenerado pelo Espírito Santo vão passar pelo critério mais básico: se fizer isso será que estarei infringindo o amor ao próximo ou o amor a Deus? Esse é o nosso parâmetro para as decisões.
MÚSICA SECULAR
O sorvete é secular, o Facebook também, assim como qualquer coisa que não seja feita para a igreja ou para o culto congregacional. Na verdade, até coisas que usamos na igreja são seculares, como os instrumentos, por exemplo. Não existe “guitarra santa”. Objetos sagrados existiam na época do Templo, hoje qualquer sacralização ou espiritualização de objetos é idolatria e ignorância bíblica.
Músicas, assim como qualquer outro produto feito por não-evangélicos, só são um problema quando o seu conteúdo é pecaminoso. Por exemplo: assistir filmes não é pecado e nem sequer tem sentido pensar o contrário, mas também não faria sentido que um cristão assistisse filmes pornográficos. O fato de existirem filmes com péssimo conteúdo não torna todos os filmes diabólicos e pecaminosos só por terem sido feitos por não-evangélicos. Dizer o contrário seria o cúmulo da estupidez, mas quando se trata de música, parece que essa estupidez toma conta do cérebro de alguns irmãos.
Para finalizar, eis o golpe no estômago:
Se você disser que o crente só deve ouvir músicas que “edifiquem”, vou apenas te lembrar da música mais cantada e que sempre será cantada enquanto houver aniversários acontecendo: “PARABÉNS PRA VOCÊ”!
A partir da afirmação de que crente não pode ouvir música que não edifique, só temos 3 alternativas:
(1) Cantar “parabéns pra você” é pecado;
(2) Cantar “parabéns pra você” edifica;
(3) A afirmação é falsa.
– Lucas Rosalem