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Para entender o Antigo Testamento – RESENHA

“Para entender o Antigo Testamento” é um livro, no mínimo, ousado.

Estêvão Bettencourt faz declarações, já de início, que certamente incomodarão a maioria dos leitores cristãos. Mas, em especial, os católicos, a quem ele escreve, sendo ele mesmo católico. E não qualquer um: monge beneditino, presbítero católico ordenado e um dos maiores e mais importantes teólogos católicos do Brasil.

“Todo católico professa que a Bíblia é livro inspirado por Deus para a santificação dos leitores; consequentemente, esperar-se-ia que fosse a obra mais lida e explorada pelos cristãos”, e obviamente não é esse o caso.

O capítulo 1 é inteiro dedicado a este problema e o início da solução.

No capítulo 2, Bettencourt trata da inspiração bíblica, definindo o que quer dizer com isso e apontando detalhes comuns à academia, mas que o cristão comum raramente é apresentado, citando apenas de maneira sumarizada: crítica literária, paleográfica do texto, as hipóteses de acréscimos e interpolações.

Ele defende não só a inspiração, mas a eficácia e a inerrância do texto bíblico. Mas o que mais impressiona é ir de forma tão confiante contra a hermenêutica de quase toda a Patrística, afirmando o principal conceito hermenêutico da Reforma, nas seguintes palavras: “Esta cláusula, de resto, se prende a uma regra geral de hermenêutica, a saber: o autêntico significado de uma obra literária só se patenteia a quem procure reconstituir a mentalidade do respectivo autor e as circunstâncias em que escrevia”.

A essa regra, segue-se outra: o texto deve ser interpretado considerando-se o seu gênero literário.

Ele ainda afirma algo mais curioso para um católico: “Distinga-se, por conseguinte, entre doutrina divina inerrante, contida na Escritura, e interpretação falível que os homens podem dar a este texto”. Sem nenhum pudor, ou talvez por ingenuidade (o que seria difícil), na sequência diz que “o Magistério eclesiástico nunca declarou verdades de fé as proposições dos exegetas hoje revogadas”, mesmo sendo clichê (e oficial) dizer que há duas outras autoridades ao lado da Bíblia: o papa e a tradição.

Todas as suas afirmações são tipicamente protestantes; o que não combina com a autoridade papal ou da tradição.

Ainda nesse capítulo, o autor traz informações muito interessantes sobre como os povos do Antigo Oriente Próximo pensavam na História e como a registravam – o foco, claro, está no povo israelita e suas peculiaridades.

O capítulo 3 trata das particularidades das línguas semitas e a importância de conhecê-las para a correta interpretação da Bíblia. Isso, por si só, constitui uma grandíssima oposição à igreja católica, que decretou goela abaixo dos fiéis (e, por conseguinte, dos seus próprios acadêmicos e clérigos) que não é o texto bíblico que interessa, mas a “tradução inspirada” encomendada a Jerônimo no latim.

O capítulo é muito bom, vale o livro.

A partir daí, até o capítulo 6, o autor trata da questão dos símbolos, ritos e tipos do AT, e os capítulos 7, 8 e 9 falam sobre a moralidade no AT. Mas a partir daí, entram assuntos muito mais específicos, como a expiação pelo sangue de Jesus, as doenças, sonhos e milagres no AT.

O último capítulo fecha com um grande ensino mais direto sobre dicas e expectativas hermenêuticas: “como lerei a Bíblia?”.

O livro vale a pena ser conhecido, em especial pelos amigos católicos.

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