Dentre os doze apóstolos, existia um zelote e um publicano. A maioria dos cristãos não faz ideia do que isso significava para a época!
O Zelote
“Simão, o Zelote”. Assim era conhecido amplamente um dos discípulos escolhidos por Jesus. Os zelotes eram um grupo militante que queria incitar o povo judeu a se rebelar contra a opressão estatal romana, que havia tomado a região da Judeia, implantado pela força estatal suas próprias leis e imposto um regime de tributação sobre os israelitas, tal como faziam em todo o seu território.
Nenhum judeu concordava com aquilo, mas a maioria não tinha coragem de se posicionar contra os impostos e as leis romanas. Os zelotes foram judeus que começaram a se posicionar publicamente e estavam dispostos a pegar em armas para derrubar o governo romano se possível fosse, para livrar o povo.
Simão, quando foi chamado por Jesus, era, em seus métodos, o que nós chamamos hoje de “revolucionário”.
Olhando assim, pode parecer que os zelotes eram um grupo extremista e sem razão. Mas vamos analisar isso com calma, à luz do outro componente do grupo apostólico: o publicano.
O Publicano
“Mateus, o publicano”. Jesus transformou um publicano em um apóstolo. Você tem noção do que isso significou?
Mateus, o publicano, foi quem escreveu o próprio evangelho de Mateus. Ou seja, ele fez questão de chamar a si mesmo, humildemente, pela forma como as pessoas o conheciam antes.
Publicano era alguém que trabalhava para o Império Romano cobrando impostos. Ou seja, os publicanos eram um grupo que sobrevivia às custas do dinheiro extorquido do povo pela força do estado romano. Este era o motivo pelo qual eles eram tão odiados pelo povo de Deus e por isso são tão mencionados nos textos.
Em algumas passagens, podemos ficar com a impressão de que apenas pessoas ruins não gostavam dos publicanos, como neste caso: “Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos pecadores e publicanos, perguntavam aos discípulos dele: Por que come [e bebe] ele com os publicanos e pecadores?” (Mc 2:16).
Mas essa impressão é equivocada. Nenhum judeu gostava dos publicanos, nem os apóstolos. É por isso que o evangelista Lucas faz questão de dizer, de sua própria percepção, que os que se aproximavam de Jesus eram “publicanos e pecadores” (Lc 15:1-2).
E em outras passagens, Lucas mostra que o próprio Jesus considerava os publicanos como pessoas que precisavam se arrepender:
“Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos de Jesus, perguntando: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores? Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lc 5:30-32).
Em Mateus, Jesus coloca os cobradores de impostos no mesmo nível das prostitutas:
“Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus” (Mt 21:31).
Ora, e por que Jesus parece estar falando bem deles? Ele mesmo explica no verso seguinte: “Porque João veio para lhes mostrar o caminho da justiça, e vocês não creram nele, mas os publicanos e as prostitutas creram…” (Mt 21:32).
O problema dos publicanos era tão sério que quando Jesus fez uma parábola para confrontar a situação dos fariseus para com Deus comparando-os com a pior coisa possível, Ele a fez justamente com a figura de um cobrador de impostos:
“Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano.
O fariseu, em pé, orava no íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.
O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lc 18:10-14).
Se você ainda não se convenceu da posição de Jesus quanto aos publicanos na sociedade, vamos relembrar da passagem onde Ele ensina como a Igreja deveria agir com relação àqueles que, diante da correção de um pecado, não quisessem se arrepender:
“Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão.
Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de modo que ‘qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas’. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano” (Mt 18:15-17).
Para ficar mais claro, veja como a versão NVT traduz as palavras de Jesus, trazendo para uma linguagem mais contextualizada: “…trate-o como gentio ou como cobrador de impostos”.
Lealdade à Missão
Essas tão diferentes perspectivas sobre política no grupo de Jesus nos ensinam muitas coisas. A primeira delas é que Deus chama à fé gente de todos os lugares, de todos os tipos. Deus converte esquerdistas e direitistas, comunistas e anarcocapitalistas.
A segunda é que Jesus em nenhum momento lida diretamente com os anseios políticos dos seus discípulos. Não vemos nenhum ensino ou pregação de Jesus onde Ele estivesse preocupado em dizer que Simão e Mateus precisassem mudar de ideia sobre serem zelote e publicano. Jesus apenas prega a eles o Evangelho do reino e ensina os valores da fé.
Em terceiro lugar, é interessante ver como esses homens mudam. Nenhum deles é registrado no livro dos Atos dos Apóstolos em grandes manifestações ou convocações públicas contra a opressão estatal, ainda que estivessem certos ao fazê-lo. Eles militaram por uma única causa, tal como aprenderam com o Filho de Deus.
Jesus esteve mais preocupado em falar sobre perdão, sobre misericórdia e não amar o dinheiro do que sobre seus ideais políticos, por mais errados que estivessem.
Com isso, aprendemos que a melhor forma de lidar com os nossos anseios políticos é “calibrá-los” com uma boa dose de Evangelho e vida cristã. Se estivermos mais preocupados com viver a graça do Evangelho, certamente teremos os nossos ideais políticos colocados em seus corretos lugares.
A unidade dos apóstolos, com opiniões tão distintas, não era artificial, não era uma obrigação. Era a consciência de que algo muito maior e mais importante do que suas convicções estava em jogo: o testemunho cristão e a proclamação do Evangelho.
A lealdade do cristão não é a qualquer ideologia política, nem a pautas específicas, muito menos a esse ou aquele candidato. A lealdade do cristão é somente a Cristo e sua mensagem.
Obviamente, isso diz respeito à forma como devemos tratar irmãos com ideais políticos diferentes de nós. Porém, é claro que isso não significa que tudo é relativo, que todas as posições políticas estão corretas e que ser cristão redime o nosso apoio a quaisquer correntes políticas, partidos, candidatos ou pautas.
Agora, se você quer saber se crente pode ser de direita ou de esquerda, e principalmente por que motivos, leia o artigo:
Leia muito, mas muito mais sobre isso no livro A Política e a Fé Cristã, no link abaixo:
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