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A Teologia Humanista X o Evangelho

O “fenômeno Jesus”, de fato, quebrou as expectativas de salvação comuns aos judeus em geral, como também aos judeus depois chamados de cristãos. Essas expectativas, pela livre atuação de Jesus, ganharam sentido alterado, não tradicional. Além disso, os judeus-cristãos de língua aramaica interpretavam Jesus de maneira diferente da assumida pelos judeus helenistas da diáspora, com seu humanismo grego, universal, e sua sensibilidade para a “filantropia”, ou seja: o amor por toda a humanidade, aberto para os pagãos.

Os gregos, os sírios e os romanos que, não sendo judeus, não tinham participado em nada das esperanças messiânicas de Israel, naturalmente verbalizaram a salvação, que eles encontraram em Jesus, em categorias de salvação totalmente diferentes. No entanto, apesar das diferenças fundamentais, de um lado entre as comunidades primitivas de cristãos judeus de língua aramaica, e de outro lado as comunidades primitivas de língua grega (tanto de judeus que se tornaram cristãos como de gentios que se tornaram cristãos), todos tinham pelo menos uma coisa em comum: participavam, embora de formas diferenciadas, da mesma cultura antiga; sim, da cultura helenista, sobretudo na Galiléia (e mesmo na Judéia, em ambientes importantes de Jerusalém, com as suas muitas sinagogas gregas). A Judéia, no sul, considerava a Galiléia (praticamente bilíngue, e circundada de cidades gregas da Decápolis) quase como país pagão, de onde nada de bom podia sair.

Nosso padrão de expectativas com relação à salvação da humanidade é totalmente diferente das expectativas antigas sobre um Messias descendente de Davi, ou de um Messias Filho do Homem. Igualmente, é para nós estranha a combinação dessas duas tradições de expectativas, originariamente independentes.

Esse foi para mim o primeiro motivo para começar a escrever este livro: O que significa para nós, agora, a salvação de Deus em Jesus? Pois, “ salvação” é um conceito que lingüisticamente, ou seja, a partir de experiências humanas da realidade, com implicações sociais, só chega a ser compreendido e vivido, se se parte de experiências negativas, contrastantes, juntamente com experiências, pelo menos esporádicas, com sentido oposto; experiências que, pela esperança, geram uma antecipação do sentido de totalidade, de um ser são e salvo, um salvar-se.

Uma experiência puramente positiva, quem a chamaria de experiência de salvação, se não fosse contra um já vivido fundo contrastante, de experiências muito negativas? Também da nossa própria história ocidental de desgraças está brotando entre nós uma utopia, conforme sempre aconteceu. Essa experiência concreta repercutiu em muitas formas de movimentos libertadores de emancipação, movimentos que querem libertar a humanidade de suas alienações sociais, enquanto diversas técnicas científicas (libertação psicoterapêutica, gestalt-terapia, androgenesia, serviço social, counseling etc.) querem libertar as pessoas de uma perda de identidade. Que fora de Jesus Cristo haja em nossa vida numerosos fatores, que historicamente trazem de fato alguma salvação e efetivamente curam ou completam o ser humano, é uma convicção que em nosso tempo, mais do que nunca, se impôs como evidência.

Esse fato coloca em contexto difícil e pouco transparente, pelo menos estranho e inacreditável, a expressão: “Toda verdadeira salvação vem somente de Jesus Cristo” . Expressão que até pouco tempo era candidamente usada em certos ambientes cristãos.

Enquanto isso, a crítica atual da cultura mostrou que tal expectativa moderna de salvação – sobretudo a partir do século XIX, colocando toda a esperança de salvação na ciência e na técnica – leva ela mesma a desvios e alienações, pelo fato de se basear em conceito muito estreito do ser humano. Esse estreitamento em que a ciência e a tecnologia começaram a ser estimadas como valores culturais, embora não exclusivos, mas certamente representativos, causou nova desgraça, sobretudo numa sociedade que na realidade acabou atribuindo prioridade a valores exclusivamente econômicos.

Assim, a própria noção moderna de salvação fica sujeita a críticas. Por tanto, ficou bem claro que a falta de sintonia com o Novo Testamento não deriva apenas do próprio Novo Testamento, mas também, e não menos essencialmente, por uma falha na maneira como hoje entendemos a realidade e a nós mesmos. Para a vida humana existem também fontes de libertação e salvação, que não são científicas nem técnicas; é essa a nova compreensão científica de hoje. Tanto assim que, paradoxalmente, toda espécie de vivências gratuitas, inclusive as vivências religiosas, são reabilitadas como fatóres de salvação.

De fato, a auto-redenção do ser humano continua sempre limitada. E aí surge o problema novo: Não será exatamente essa a problemática mais profunda que Jesus de Nazaré coloca em questão, de maneira específica, quando fala de uma libertação que realmente liberta o ser humano, para chegar a uma “ liberdade” perfeita, a uma autonomia somente possível no estar alegremente ligado a um Deus transcendente, que exatamente como tal é vivente e libertador? (Gl 5,1).

Que toda salvação deva ser esperada somente de Jesus Cristo, como muitas vezes tem sido afirmado por uma tradição cristã representativa, isso em todo caso é contestado por muitos fatos da experiência atual e tem confundido muitos cristãos. Em diversos pontos, eles têm de fazer uma revisão dos anteriores critérios históricos de sua fé. (Edward Schillebeeckx)

Quando a fé cristã bíblica é realmente compreendida, quando o Evangelho da salvação é explicitado de forma clara e paciente, a cultura cristã moderna desmorona ponto a ponto, obrigando o crente a restabelecer um aprimoramento em suas crenças (que só pode ser obtido através da plena e honesta análise Escriturística) ou, o que não é incomum (apesar de incoerente), tornar o dito crente mero fanático, que segue cegamente sua fé, fingindo não se importar com uma quantidade assustadora de mentiras nas quais sempre creu, caminhando – não solitariamente – num caminho bem definido à própria condenação, escondido atrás de uma desonesta publicidade de um falso evangelho. (Lucas Rosalem)

Apenas o Evangelho


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