Um propósito imediato para o livro é de expressar angústia nacional por uma tragédia cujas proporções a mente ocidental moderna não pode sequer começar a compreender. Além disso, porém, encontra-se um tipo de teodicéia, uma demonstração de que a destruição de Jerusalém pelos caldeus não foi um capricho do destino, ou um mau cálculo divino, mas o resultado de um pecado completo e descarado contra Yahweh e a aliança que Ele estabelecera com Seu povo (cf. 1.5, 8,9; 4.13; 5.7, 16). A tabela a seguir resume os muitos pontos de contato entre a nação violentada e as ameaças contidas na aliança de Deuteronômio 28.
Lamentações leva o povo da auto-comiseração (cap. 1) à auto-avaliação sob o justo castigo de Deus (cap. 5), depois de reconhecer que apenas o amor leal da aliança de Deus evitou sua aniquilação final (cf. Ml 3.6). Esse tipo de livro é um tipo de última rajada do profeta chorão, com o objetivo de promover o genuíno arrependimento, agora que sua dolorosa mensagem de perdição fora, de modo dramático, demonstrada como verdadeira.
Indicando que a desolação de Jerusalém foi devida a seu pecado (1.1-22). O profeta começa lembrando a grandeza e beleza da cidade, agora solitária ao seu redor (1.1-11), e a nação ecoa seu lamento, assumindo sua culpa e reconhecendo que recebeu o que lhe era devido por seu pecado, expressando o desejo que os inimigos que agora a saqueiam possam um dia sentir também a força do juízo de Yahweh.
Indicando que a desolação de Jerusalém foi um ato direto de Yahweh com extensas e trágicas conseqüências, que ele não pode deixar de lamentar (2.1-22). A presença de Yahweh assombra o leitor no capítulo 2, com cerca de 45 ocorrências no capítulo. A ira e a inimizade de Yahweh para com Judá levaram à destruição do templo e à rejeição de todos os segmentos da população de Israel. Um versículo chave aqui é 2.17a, ―Fez o Senhor o que intentou; cumpriu a sua palavra, que ordenou desde os dias da antiguidade‖.
Verbalizando os sentimentos mistos de dor e esperança enquanto a nação percebe que apesar do terrível sofrimento, Yahweh, o leal soberano, a preservou do extermínio total (3.1-66). Em 3.1-19, que é um poema do tipo ―salmo de lamento comunitário‖, o profeta reconhece que embora Deus seja a causa máxima do sofrimento nacional, Ele também é Aquele no qual a nação pode se apoiar e que se lembrará de sua aflição e dará alívio a ela (3.19). Os versículos seguintes expressam a esperança nacional de que o דֶסֶח) ḥeseḏ) amor leal de Yahweh os fará passar pela sombra da destruição e vencer seu atual desalento, resultado de uma vida sem sentido (3.20-29). Os últimos versículos desse capítulo combinam a exortação ao arrependimento (3.40-42) e a oração imprecatória por vingança contra os adversários que, embora sejam instrumentos de presente destruição, ainda são os inimigos do povo de Deus. De certo modo, a disciplina é a garantia de que Israel ainda está sob a proteção da aliança (cf. Hb 12.7,8).
Indicando como a justa ira de Yahweh trouxe as maldições da aliança sobre Jerusalém (4.1- 22). A beleza perdeu seu significado e a vida tornou-se barata, como resultado da punição de Jerusalém (4.1-8). A sobrevivência abafou o afeto (4.10) com o desencadear da ira de Deus contra o pecado e a corrupção daqueles que deveriam ter mantido Israel nos caminhos de obediência à aliança (4.9-13). Os resultados de sítio e inanição, debilidade e desesperança, são abrandados pela consciência de que a punição pelo pecado é um fator universal e que os seus inimigos (tipificados por Edom) também a provarão, enquanto Israel será lembrado com favor (4.14-22).
. Indicando que as perspectivas do povo combinam a dor do presente e a esperança futura (5.1-22). A vida sob punição não é fácil, especialmente quando significa depender da misericórdia de seus adversários (5.6,8; ―egípcios e assírios‖ pode ser uma referência aos egípcios e aos samaritanos [estes últimos fizeram parte do Império Assírio e eram uma raça miscigenada de nações conquistadas pela Assíria]; o uso de ―escravos‖ no versículo 8 sugere que o Egito já fora conquistado pela Babilônia {568-7 a.C.} quando o capítulo 5 foi composto). Os sofrimentos são descritos duas vezes com um arranjo quiástico, centrado na admissão de culpa corporativa (v. 7). O último parágrafo contém uma confissão (5.19), um clamor (5.20), uma contrição (5.21) e uma condição (5.22). Em meio às cinzas de Jerusalém, o trono de Yahweh permanecia invencível, Seu reinado inabalável pela tragédia que Ele mesmo ordenara. Portanto, aqueles que Ele punira podiam dar voz a seu clamor com base na aliança segundo a qual Ele não devia mantê-los em tamanho aperto, mas restaurá-los espiritual e fisicamente a todos os seus privilégios.O último versículo paira sobre Jerusalém tanto como uma ameaça quanto um incentivo ao arrependimento – a condição da aliança para a transformação de punição em restauração (cf. 2 Cr 7.14). A observação de LaSor acerca da natureza de Lamentações vem a calhar:
Em Lamentações as três grandes estrofes da literatura e da fé de Israel estão entrelaçadas: o discernimento do profeta quanto ao juízo e a graça do Senhor da aliança; as expressões litúrgicas sacerdotais de contrição e esperança; a luta dos sábios com os mistérios do sofrimento. O poeta de Lamentações é herdeiro de todos (Introdução ao Antigo Testamento, p. 581).