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A Teologia do livro de Habacuque

Habacuque é o mais sapiencial dos profetas. Seu livro é estruturado em torno de uma série de diálogos entre o profeta e Deus. Nesses diálogos, encontramos questionamentos tão veementes quanto à justiça divina como o que encontramos em Jó, apesar da amplitude do sofrimento que os causou ser bem maior. A profecia de Habacuque originou-se na profunda preocupação do profeta pela manifestação da justiça divina em sua sociedade.

Em sua época havia exploração sem precedentes dos pobres pelos ricos; foi um tempo de religião e líderes religiosos corruptos, de reis fracos e imaturos que preferiam buscar a glória passageira em vez do bem-estar de seu povo (cf. Jr 22.13-17). Preocupado com a reputação de Deus, o profeta clama por divina retribuição imediata, mas quando tal retribuição é anunciada, ela parece trazer um problema ainda maior à teodicéia de Habacuque. A notícia da invasão caldéia manda o profeta de volta a suas especulações sapienciais. Humildemente, ele clama a Deus por uma explicação que feche o círculo da teodicéia. A resposta que recebe contém a promessa do castigo final para o orgulhoso e o ímpio e a exigência de uma fé que provoque o louvor da parte do justo. Apesar do círculo não se fechar perfeitamente do ponto de vista humano, o louvor que surge da fé no Deus que age poderosamente na História transporta o justo através das tribulações com uma atitude triunfante. A profecia é denominada שאַ ָּׂמ) m śśāʾ, ―oráculo‖), o que indica seu caráter ameaçador. A situação descrita em 1.2-4 não era nova em Israel (cf. Is 1.16-23; 5.7s.), mas, no final do século 6 a.C., aparentemente havia chegado ao auge. O caráter de Deus desaparecera da sociedade que deveria refleti-Lo, e Habacuque corajosamente questiona Deus por Sua aparente despreocupação. A resposta divina a esse questionamento vem com a notícia da invasão pelos caldeus (1.5-11). Após a total destruição da Babilônia por Senaqueribe em 689 a.C., e a reconstrução da cidade por Esaradom por volta de 680 a.C., os caldeus conseguiram se reorganizar e manter algum poderio sobre o sul da Mesopotâmia até 633 a.C., quando Nabopolassar assumiu definitivamente o controle da Babilônia e estabeleceu um reino independente naquela região. A aliança temporária com os medos provocou a derrota final da Assíria e o estabelecimento do novo Império Babilônico, cujo rei mais famoso foi Nabucodonosor II, que comandou a derrota do Egito em Carquêmis (605 a.C.) e a subseqüente invasão de Judá.

Os versículos 5 a 11 descrevem a rapidez, ferocidade, altivez e aparente impunidade dos invasores caldeus. É interessante observar que, quando os exércitos de Nabucodonozor atacaram pela primeira vez, foi a nobreza de Judá, aqui denunciada por sua ganância e perversão da justiça, que suportou o pior desse ataque e o exílio infringido pelos caldeus (cf. 2 Rs 24.1; Dn 1.3). O veredicto de culpa apresentado no versículo 11 não impede o profeta de questionar tanto a sabedoria quanto a retidão da ação divina. Nos versículos 12 a 17, Habacuque afirma retoricamente sua confiança nas promessas de Deus de preservar Sua nação escolhida (v. 12), enquanto declara que usar os caldeus como instrumento não se coaduna ao caráter santo de Deus (v. 13). O que está em jogo aqui é uma aparente contradição entre a santidade de Deus e Sua soberania (v. 14-17). Apesar de sua abordagem arrojada, a atitude de Habacuque é de humilde confiança, em vez de confrontação altiva (2.1). Ele se dispõe a esperar por uma resposta de Deus. A resposta divina vem com uma tríplice garantia. Primeiro, a visão é segura e, portanto, deve ser registrada para o benefício de outros (2.2). Segundo, ela tem seu tempo certo de cumprimento e se apressa em direção ao seu cumprimento (2.3). Terceiro, aqueles que permanecerem fiéis a Yahweh serão preservados em meio à assustadora destruição, a qual também alcançará os arrogantes caldeus (2.4) que se entregarão a uma grande orgia, desapercebidos da terrível fatalidade que ela trará (2.5). Os detalhes da destruição da Babilônia são fornecidos no capítulo 2, em uma sátira que contém cinco estrofes de três versículos cada, com cinco ais nos versículos 6, 9, 12, 15 e 19. Selecionados nessa acusação acham-se os pecados da violência (2.6-8), ganância (2.9-11), opressão (2.12-14), indignidade (2.15-17) e idolatria (2.18-20). Contida nessa condenação está a garantia de que Yahweh está no controle da História e, por fim, espalhará Seu conhecimento por todas as nações (2.14,20). À medida que suas dúvidas quanto à justiça de Deus são resolvidas, o profeta passa a louvá-Lo, o que é a expressão maior da fé. O capítulo 3 não é um salmo avulso, apenas agregado a um livro ao qual não pertence. Nesse capítulo, os versículos 13 e 16 fornecem ligações claras com a parte histórica do livro. Além disso, as figuras do salmo evocam grandemente os atos judiciais de Deus na história da revelação, o que obviamente se associa ao tema do debate de Habacuque com o Senhor.

Habacuque, primeiro, expressa seu desejo de que a intervenção de Deus na História seja cumprida, tanto para julgar quanto para redimir Seu povo (3.1,2). Em seguida, ele se regozija na majestade e no poder demonstrados nos atos salvíficos de Yahweh em favor de Seu povo (que incluem juízo sobre os inimigos opressores). Os versículos 3 e 4 possivelmente se referem à teofania no Sinai, enquanto o versículo 5 (cf. o uso das palavras רֶבֶ ד] deḇer, ―praga‖] e ףֶ שֶ ר] rešep , ―pestilência‖] aponta tanto para o Egito (julgamento dos inimigos) quanto para as experiências de Israel no deserto (disciplina pactual). As nações que viviam na rota de Israel se acovardaram diante do poder aterrador de Yahweh (3.6,7).

Em linguagem poética, o profeta menciona a separação das águas no Jordão (3.8), os milagres durante a conquista (3.11) e a intervenção salvadora de Deus em favor de Israel contra as nações estrangeiras (3.12-15) em toda sua história. O livro termina com uma canção triunfante de confiante louvor que vence o medo natural resultante da revelação acerca da invasão babilônica (3.16). Mesmo com a devastação e a ameaça de fome que a guerra traria (3.17), a fé no Deus salvador fortaleceria o profeta e lhe daria um coração confiante (3.18,19).

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