“Assim comeram a páscoa os filhos de Israel que tinham voltado do cativeiro” (Esdras 6).
Essa era uma páscoa diferente. A páscoa dos peregrinos! Algumas versões dizem “aqueles que voltaram do exílio”. Assim se repetia a sina do povo de Deus.
O Templo estava em Jerusalém. O que acontecera com Israel, o reino do norte, jamais poderia acontecer com Judá; as promessas de Deus pareciam assegurar que uma tragédia assim não lhes sobreviesse. Mas não foi assim.
Nabucodonosor arrasou Jerusalém, levou os tesouros, prendeu o povo, matou uma multidão. A morte dessa vez não passara alheia como no Egito, mas veio de encontro! Judá foi desconectado de sua cultura, de sua religião e de sua história; um momento onde muita humilhação havia foi experimentada, e ninguém saberia mais o que era a páscoa por muito tempo – a celebração que relembrava dos grandes atos do Senhor e o drama do livramento recebido no Egito fora impedida. A celebração deveria ser no lugar onde o Senhor havia escolhido, não em qualquer lugar. Com o povo estava cativo na Babilônia não havia o que fazer.
O sofrimento foi tamanho que o profeta Jeremias escreveu todo um livro com as suas Lamentações. Eles não tinham mais nada! Como consequência do pecado de Israel, a história agora os obrigara a, mais uma vez, se esquecerem do grande evento de salvação. Contudo, dessa vez. Nada podiam fazer para mudar o cenário dessa vez; mudança de postura não bastaria. Podiam apenas se lamentar. Deus, no entanto, não se esqueceu do seu povo e de suas promessas.
Na Babilônia não havia páscoa. Não havia esperança!
Talvez você pense que ir à igreja e cantar louvores a Deus seja difícil diante da situação em que você se encontra. Talvez seu espírito esteja abatido, angustiado e, por tudo que você passou, a liberdade em Cristo não pareça ser motivo suficiente para alegria. Mas imagine quantas orações o povo havia feito no cativeiro, sem poder celebrar, sem ter o que celebrar. Eles, no entanto, precisavam se lembrar da esperança. A fé deles, de algum modo, foi preservada e purificada assim.
Muitos anos à frente o novo imperador permitiu que templos fossem construídos e sacrifícios fossem feitos. Um gesto de libertação que havia sido profetizado por Jeremias (Ed 1:1-4). O povo então volta para Jerusalém e começa a reconstrução do Templo, mas as dores do exílio não passaram tão fácil assim.
Veja como Deus os preparou para levá-los novamente para si. Eles não apenas voltaram para sua terra, mas voltaram com uma finalidade: adorar a Deus livremente! E esse era um momento muito diferente. Eles eram poucos, estavam fracos e pobres. A nação perdera seu orgulho, pois perdera sua importância. Diante disso há uma comoção generalizada na construção do Templo. A Bíblia diz que eles louvavam enquanto faziam os fundamentos do Templo, dizendo “Ele é bom e o seu amor por Israel dura para sempre”. Havia aqueles que choravam, pois tinham visto a glória do primeiro Templo, mas havia também choro de júbilo (Ed 3:11-13).
Deus estava mostrando ao seu povo que só Ele poderia trazer livramento. Só Ele tinha interesse em preservá-los. Só Ele era justo e misericordioso. Só Ele tinha um plano para salvá-los, remi-los e ainda assim manifestar sua justiça contra o pecado. O plano todo de redenção ainda não havia sido revelado à humanidade, mas a páscoa os fazia relembrar do sangue derramado, do preço pago pela sua libertação. O preço de serem novamente conduzidos a Jerusalém havia sido pago na eternidade pelo Cordeiro de Deus. Todo a jornada de Israel era garantida e em direção ao sacrifício dos sacrifícios.
A dor do exílio ainda estava lá. Havia cicatrizes, marcas profundas, desgaste, prejuízo. Eles não eram os mesmos. Apesar disso, o povo estava feliz e reconhecia a grandeza da libertação! A festa foi pequena, mas foram sete dias de alegria! (Ed 6:22). Eles poderiam ter se revoltado ou desanimado, mas o povo de Deus não é assim. E não se cultua apenas quando tudo está bem. Eles agora podiam adorar no Santo Monte! Eles, na verdade, só tinham a adoração a Deus. Apenas o Templo e uma festa para celebrar. Apenas a liberdade e a memória. Trazendo para a nossa realidade, é como se eles alegrassem apenas dizendo “que bom que eu sou crente! Nada mais tenho, senão o Senhor da minha salvação! Ainda tenho fé. Eu posso adorar a Deus. Faço parte do povo escolhido, o povo de Cristo!”
Nós celebramos Jesus na páscoa, e o que Ele fez foi exatamente perder tudo que tinha. Esse é o caminho mais difícil: perder todas as coisas para depois retomá-las sem idolatria. O caminho é necessário e indispensável.
A nação havia passado, sem perceber, por uma circuncisão no coração. Eles estavam agora compreendendo que o bem deles não era a terra, mas o Deus da terra. Aliás, é isso que somos: peregrinos nesta Terra! Davi entendia isso quando adorou a Deus reconhecendo que só Ele era dono de tudo que há nos céus e na terra e que Israel era povo estrangeiro e forasteiro como seus antepassados. Ele disse ainda: “Os nossos dias na terra são como uma sombra, sem esperança” (1Cr 29:11-15).
Nós precisamos aprender que somos peregrinos! Precisamos entender que estamos em exílio e que esse é o motivo do anseio das nossas almas. Israel constantemente se esquecia disso e voltava ao exílio para relembrar. Eles precisavam aprender que ninguém tem uma terra. Ninguém tem uma cidade. Ninguém tem uma riqueza, um filho, uma mulher, uma carreira. Ninguém tem nada. Quem tem tudo é Deus – quem tem Deus tem tudo! O peregrino sabe que só Deus tem a terra, só Ele pode tirá-la e só Ele pode devolvê-la. O peregrino pode ter a terra, mas ele quer o Senhor!
Por isso nessa época eles eram chamados ainda de exilados, mesmo já tendo voltado para Jerusalém. Isso estava na alma judaica. O povo escolhido sempre estava sendo levado em direção a Jerusalém, não só literalmente, mas espiritualmente. Nós somos esse povo!
Veja como o apóstolo Pedro saudava a Igreja: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos, peregrinos da dispersão…” (1Pe 1:1). Nós somos um povo sem terra. Um povo que é constantemente levado ao sofrimento, ao exílio, para aprender que é peregrino, mas filho do dono de toda a Terra!
Na ceia, nós celebramos o que Deus fez por nós através de Jesus. Mas Jesus disse também que não estaria presente fisicamente até aquele grande dia, no final, quando Ele voltaria e cearia conosco. Essa é a vida do cristão. Vivida entre um grande evento de salvação acontecido no passado, o qual constantemente relembramos, e a expectativa de um maior evento ainda que virá, a saber, a ressurreição final. Nós estamos ainda no meio do caminho; somos peregrinos.
Ainda que tudo esteja dando certo, nós ainda somos peregrinos. Não se assente em seu lugar imaginando que a vida está ganha e que a felicidade e a realização será encontrada no lugar onde você se está. Você está numa jornada, está trilhando em direção a Jerusalém. Muitas experiências ainda poderão lhe trazer saudade das glórias passadas. Peregrinar não é coisa simples! Mas vivemos na esperança de termos sido ressuscitados antes para sermos ressuscitados finalmente no Grande Dia!
É isso que significa celebrar a páscoa.
Repense suas alegrias. Repense suas motivações, seu anseio e até seu choro. O que importa não é a terra, mas o Deus da terra. Que a alegria que nós temos por termos o Senhor Jesus já seja suficiente para celebrar agora. Em seus problemas, Deus está te ensinando algo.
Não deixe que a páscoa seja apenas uma data, mas uma realidade!
– Lucas Rosalem
— Este texto é a 5ª parte da Série A Páscoa & o Evangelho. Confira a série completa AQUI.