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A Incoerência Hermenêutica de Agostinho

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Nos primeiros séculos da História do Cristianismo, surgiram duas grandes escolas hermenêuticas que disputavam entre si: a escola alexandrina (que defendia o método alegórico) e a antioquiana (que defendia o método da crítica textual). É importante destacar isso, visto que Agostinho foi uma figura curiosamente contraditória nesse assunto: tecnicamente, ele defendia e explicava muito bem o método crítico textual de interpretação, mas na prática, na hora de analisar os textos bíblicos, fugia completamente disso e quase sempre alegorizava os textos.

Caso você não saiba, Agostinho de Hipona (354-430), foi um dos maiores e mais influentes teólogos da igreja cristã. Respeitado tanto por católicos como por protestantes, Agostinho cravou o seu nome de uma vez por todas nos anais da história. Esse homem foi tão importante para os ideais da Reforma Protestante e seus escritos influenciaram de maneira tão profunda os reformadores, que há quem diga que a Reforma Protestante, bem que podia ser chamada de “reforma agostiniana”.

Sua teologia desenvolveu-se em um período de conturbados e acalorados debates. E enquanto travava verdadeiras batalhas contra os maniqueístas, donatistas, Pelágio e tantos outros, verdadeiras pérolas brotaram da pena de Agostinho. Dentre seus escritos mais importantes destacam-se: Confissões, A Trindade, que ele levou 16 dezesseis anos para termina-la, O livre-arbítrioCidade de Deus e a Doutrina cristã.

Esse livro, A doutrina cristã, é um manual de hermenêutica e pregação (muito bom, diga-se de passagem). Nele, Agostinho estabeleceu princípios importantes de interpretação bíblica. Entre esses princípios destacam-se os seguintes:

1. O intérprete deve possuir fé cristã autêntica.

2. Deve-se ter em alta conta o significado literal e histórico da Escritura.

3. A Escritura tem mais que um significado e portanto o método alegórico é adequado.

4. Há significado nos números bíblicos.

5. O AT é documento cristão porque Cristo está retratado nele do princípio ao fim.

6. Compete ao expositor entender o que o autor pretendia dizer, e não introduzir no texto o significado que ele, expositor, quer lhe dar.

7. O intérprete deve consultar o verdadeiro credo ortodoxo.

8. Um versículo deve ser estudado em seu contexto, e não isolado dos versículos que o cercam.

9. Se o significado de um texto é obscuro, nada na passagem pode constituir-se matéria de fé ortodoxa.

10. O Espírito Santo não toma o lugar do aprendizado necessário para se entender a Escritura. O intérprete deve conhecer hebraico, grego, geografia e outros assuntos.

11. A passagem obscura deve dar preferência à passagem clara.

12. O expositor deve levar em consideração que a revelação é progressiva.

Confira no infográfico abaixo a semelhança com o método da escola da Antioquia:

Princípios Antioquianos

Porém, mesmo estabelecendo esses importantes princípios de interpretação bíblica, muitos dos quais ainda são utilizados hoje em dia, Agostinho não seguiu de perto esses princípios. Na prática, Agostinho renunciou à maioria dos seus princípios e dedicou-se excessivamente à interpretação alegórica. Ele justificou suas interpretações alegóricas recorrendo a 2 Coríntios 3.6  “Porque a letra mata, mas o espírito vivifica”, querendo com isso dizer que uma interpretação literal da Bíblia mata, mas a interpretação alegórica ou espiritual, vivifica. 

Portanto, a influência de Agostinho na história da interpretação bíblica foi mista: na teoria ele sistematizou muitos dos princípios de uma exegese sadia, mas na prática deixou de aplicar esses princípios em seus estudos dedicando-se a alegoria.

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