Por Lucas Rosalem
Deixe-me explicar algo importante: não é o nosso comportamento que nos condena, mas a nossa maldade. Nosso comportamento é apenas reflexo do que há em nosso coração. É por isso que não faz nenhum sentido culpar a Deus pelo que Ele fez ao manipular o faraó contra Israel, por exemplo. O faraó não foi condenado pelos atos que cometeu contra Moisés e o povo de Deus, mas pela sua consciência maligna.
Para citar apenas 1 passagem, vejamos o que Paulo diz em Romanos 3:
“…como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos” (Romanos 3:10-18).
Essa é a realidade comum e natural a todas as pessoas desde o nascimento.
Desde a queda o homem não é mais livre. Ele é incapaz de fazer o bem (Sl 14:2-3; Ec 7:20). Portanto, quando Deus o entrega a si mesmo, está apenas punindo o homem previamente. Eis uma passagem que explica bem:
“Será que o etíope pode mudar a sua pele? Ou o leopardo as suas pintas? Assim também vocês são incapazes de fazer o bem, vocês que estão acostumados a praticar o mal” (Jr 13:23).
O fato de Deus aproveitar a depravação moral de alguém para alcançar um propósito não inclui nem exclui a natureza desse alguém, tampouco a transforma. Realmente, só nascendo de novo! “Em resposta, Jesus declarou:’Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o reino de Deus, se não nascer de novo'” (Jo 3:3).
Outra coisa que não anula de forma alguma a responsabilidade do que fazemos é o fato de nascermos escravos do pecado (nossa vontade escrava dos nossos prazeres). Alfredo Barbosa explicou melhor o assunto:
A responsabilidade humana não é anulada na doutrina da graça, ao contrário, ela é estabelecida. Influenciados por filosofias humanas e ignorando a Bíblia, muitos acreditam que a responsabilidade depende da liberdade, mas essa não é a verdade de acordo com a Bíblia, que diz que a responsabilidade depende apenas do conhecimento da lei.
A Bíblia não diz que nós somos responsáveis diante de Deus porque nós podemos escolher adorar a Deus ou pecar, ela diz que nós somos responsáveis porque nós conhecemos a lei (Rm 1:20-22).
Além disso, a Bíblia não diz que nós podemos escolher adorar a Deus ou pecar, ao contrário, ela diz que nós só podemos pecar, não porque nós somos robôs, mas porque nós somos espiritualmente mortos e inimigos de Deus: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser.” (Romanos 8:7) Ou seja, o homem natural não pode fazer a vontade de Deus, não porque ele é um robô, mas porque a sua natureza é depravada, porque ele adora o pecado e odeia a Deus.
“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” (Rm 3:23,24). Todo mundo merece a condenação, porque todo mundo conhece a lei de Deus e a viola. Em outras palavras, o homem é responsável por violar a lei de Deus, porque ele conhece a lei de Deus e a viola conscientemente, mas isso não significa que ele poderia obedecê-la. Ao contrário, ele não pode, porque ele adora o pecado e odeia a Deus.[1]
• Nascemos inimigos de Deus, não porque nascemos já com algum pecado, mas porque herdamos em nossos corpos e mentes a consequência do pecado de Adão, que afastou a raça humana do Criador. Essa é uma das doutrinas cristãs mais conhecidas – a doutrina do Pecado Original. Assim como um cavalo não consegue voar, nós não conseguimos buscar a Deus por decisão própria, pois isso está fora dos limites da nossa natureza corrompida. Fisicamente somos livres, mas nosso arbítrio é escravo do pecado e nos inclina para o mal.
O homem natural, como não pode adorar a Deus – e também não quer fazê-lo – busca apenas seu prazer, adorando a si mesmo, às coisas da natureza e criando novos falsos deuses. Essa também é uma doutrina cristã básica, que é chamada de Depravação Total.[2] A palavra “total” não significa que o homem é sempre o pior que pode ser, mas que é inteiro corrompido e incapaz de adorar verdadeiramente a Deus por decisão própria. Todos os seus atos estão manchados pelo pecado.
“Todavia, não há um só justo na terra, ninguém que pratique o bem e nunca peque” (Ec 7:20).
E agora? Quem não conhece a Deus, também não quer vir a conhecê-lo, tampouco se considera merecedor do inferno. Diante dessas informações, perguntará: como pode uma criatura nessa situação ser salva? A resposta é que não podem mesmo! Lembra-se do que Cristo disse ao jovem que perguntou como ele mesmo poderia fazer para se salvar?[3] Não é possível, pois “o coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável“ (Jr 17:9).
Humanos são “existencialmente viciados no pecado“.[4]
Diferente da pergunta do incrédulo, a nossa pergunta é retórica: agindo Deus, quem impedirá?
O MILAGRE DA SALVAÇÃO
Mesmo olhando para trás e vendo do que fomos salvos, às vezes corremos o risco de parar de perceber a dádiva (presente) que é a fé. É como se estivéssemos nos acostumando com a sensação e convicção plena da salvação ao ponto de quase nos esquecermos de como era aquela alegria e satisfação em Deus que sentíamos no começo; aquela primeira vez, quando percebemos que havíamos sido salvos por Cristo. Nós nos esquecemos do milagre.
Na verdade, parece que nós somos assim em tudo. Passamos meses juntando dinheiro para comprar um carro, e realmente nos alegramos quando compramos, mas, passados alguns dias, o carro continua conosco; a satisfação, por outro lado, já foi embora.
Diferente dos bens materiais, a alegria da vida cristã não é algo que podemos simplesmente comprar, seja indo a uma igreja ou fazendo caridade. Nossa alegria não é sustentada pelas coisas que vemos, sentimos ou temos, mas pela fé – que recebemos do próprio Deus.
A alegria que a fé cristã nos dá é conseguida somente na reconciliação com o Criador. E a reconciliação também não é algo que podemos conquistar da mesma forma que um bem material. Para isso acontecer, somente um grandioso milagre! Não há maior milagre do que alguém ser regenerado pelo poder transformador do Espírito Santo. Você pode ler essa afirmação e imaginar que se trata de um tipo de exagero emocional religioso, mas não poderia estar mais errado ao pensar assim.
Muitas coisas belas e impressionantes são chamadas de milagre de forma metafórica para expressar a alegria ou gratidão que sentimos – por exemplo, o nascimento de uma criança, um livramento de perigo ou a resolução de um problema. Mas essas coisas não são milagres, mesmo quando temos certeza de que foi Deus quem conduziu as situações. Até porque, nós sabemos que Deus conduz todas as situações, nem por isso chamamos tudo de milagre.
O que estou tentando dizer é que a providência de Deus nem sempre acontece de forma miraculosa e sobrenatural.
Deus é soberano e nada escapa dos seus planos; não temos dúvidas de que nada foge ao seu controle, não é? Mesmo assim, não ficamos dizendo que cada detalhe que acontece à nossa volta é um milagre. Algumas coisas são naturais [e não sobrenaturais], são físicas [e não espirituais], são ordinárias [e não extraordinárias]. Deus usa todos meios naturais e ordinários para agir. Então, é claro que o nascimento de uma criança não é sobrenatural, mas natural; quando escapamos de um acidente de carro porque pisamos no freio a tempo, isso não é um livramento extraordinário, mas ordinário – não é milagre, mesmo sendo providência.
Por que estou dizendo, então, que a conversão é um milagre? Porque algo completamente sobrenatural acontece na conversão. Algo naturalmente impossível.
Billy Grahan, um dos maiores evangelistas de todos os tempos, escreveu: “os resultados no novo nascimento são tão incalculavelmente significativos que merecem ser chamados de ‘milagre’ – o maior de todos os milagres!”[5]
No capítulo anterior, vimos que o homem nasce na cegueira espiritual e é impossível que se salve ou que busque a Deus para salvá-lo. Isso está além dos limites da sua natureza, portanto, não se trata de algo naturalmente impossível em um sentido metafórico, como se fosse algo muito difícil, mas algo que para o homem é impossível literalmente. O nosso chamado a evangelizar é uma prova disso.
Este texto faz parte do livro Agindo Deus, Quem Impedirá?, que você pode encontrar aqui.
[1]. Alfredo Barbosa, Você Entende Esses Versículos?, Ed. Mente Cristã. 2108.
[2]. Base bíblica para a doutrina da Depravação Total: Gn 2:17; Gn 6:5; Gn 8:21; 1Rs 8:46; Sl 51:5; Sl 58:3; Ec 7:20; Is 64:6; Jr 4:22; Jr 9:5-6; Jr 13:23; Jr 17:9; Jo 3:3; Jo 3:19; Jo 3:36; Jo 5:42; Jo 8:43,44; Rm 3:10-11; Rm 5:12; Rm 7:18, 23; Rm 8:7; 1Co 2:14; 2Co 4:4; Ef 2:3; Ef 4:18; 2Tm 2:25-26.
[3]. Uma explicação sobre a passagem foi dada no livro Apenas o Evangelho, que você encontra neste link: < www.editoramentecrista.com/apenas >.
[4]. Franklin Ferreira, Teologia Cristã, Ed. Vida Nova, p.100. 2011.
[5]. Billy Graham, O Poder do Espírito Santo, Vida Nova, p.56, 2009.
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