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O PROFETA ZACARIAS

Zacarias foi um contemporâneo de Ageu que, embora, sem dúvida, preocupado com as questões da época que angustiavam Ageu, transmitiu visões e oráculos de natureza escatológica, tanto histórica (para nós) e ainda mais remotamente futura. A linguagem dele é altamente apocalíptica, mas isso não obscurece de forma alguma os grandes temas teológicos que tocavam de perto seu coração. Esses temas podem ser reduzidos essencialmente a: (1) a desobediência de Israel; (2) o julgamento de Israel; (3) a restauração de Israel; (4) o julgamento das nações; (5) a salvação das nações; (6) a vinda do Messias; e (7) a soberania de Iavé. Mencionamos diversas vezes esses temas nas obras proféticas anteriores, mas, no relato de Zacarias, eles alcançam clareza e intensidade raras nos profetas de épocas anteriores.

A DESOBEDIÊNCIA DE ISRAEL

Esse tópico era comparativamente de pouco interesse para o profeta, talvez porque o exílio, punição par excellence para a longa história de pecado de Israel, já ficara no passado. No entanto, ele fornece um breve resumo da adoração hipócrita do povo até mesmo nos setenta anos de exílio, atitude também característica dos muitos séculos anteriores ao exílio. O jejum e o lamento deles, o comer e o beber nas festas — tudo isso eles faziam para demonstração pública, não como atos de devoção ao Senhor (Zc 7.4-7). O que eles tinham de fazer para consertar isso era obedecer aos termos da aliança mosaica, em especial, vis-à-vis o pobre e o necessitado, algo que os pais deles não fizeram (w. 8-13). Por isso, eles foram entregues ao cativeiro babilônio (v. 14).

O JULGAMENTO DE ISRAEL

Zacarias descreve o exílio como a dispersão do povo do Senhor pelos “chifres das nações”, como se eles estivessem sendo carregados daqui para lá por rebanhos ou bois (Zc 1.21) ou pelo vendaval que deixou a terra sem vida (7.14). Contudo, o julgamento não era apenas uma questão que ficara no passado. Perdurava ainda aquele dia em que a impenitente Israel vivenciaria mais uma vez o desagrado do Senhor. Essa vivência incluiria os governantes ímpios que, pelo menos figurativamente, comprariam e venderiam seu povo como faziam com muitas ovelhas (11.4,5). Todos iriam para o cativeiro com nada além de um aviso do Senhor (v. 6). Zacarias 13.7,8 continua com o tema do pastor, passagem que prediz que, da mesma forma que as ovelhas se espalham quando o pastor é incompetente, dois terços do povo de Deus também pereceria no dia em que eles não tivessem liderança. O cumprimento dessas profecias é muito incerto, mas a história revela várias diásporas dos tempos antigos até os dias de hoje em que o povo judeu se dispersou pelas nações. Até mesmo na era escatológica, Jerusalém será capturada, seus cidadãos serão maltratados e muitos deles, levados para o exílio (Zc 14.2).

A RESTAURAÇÃO DE ISRAEL

Essas cenas deprimentes são mais que a contraparte da revelação do profeta dos dias gloriosos por vir. O Senhor prometera vir a Jerusalém, reconstruir sua casa e abençoar a terra com prosperidade (Zc 1.16,17). A cidade não precisaria mais de muros de proteção porque o Senhor seria um “muro de fogo” em torno dela (Zc 2.5) e viveria entre seu povo (v. 10). Judá tomar-se-ia a herança do Senhor e Jerusalém, sua cidade escolhida (v. 12). No dia edênico, homens e mulheres, bem como as crianças, viveriam em paz e harmonia depois de voltar dos confins do mundo para a terra (Zc 8.3-8). Seria estabelecida a plena comunhão da aliança, pois Israel seria o povo do Senhor, e ele seria seu Deus (v. 8). Eles, embora tivessem sido objeto de maldição por parte das nações, seriam um meio de bênção para as nações, um cumprimento claro e direto da aliança abraâmica (v. 13; cf. Gn 12.1-3).

O retorno do povo de Deus aconteceria por iniciativa do Senhor, não deles. “Eu fortalecerei a tribo de Judá e salvarei a casa de José”, declarou o Senhor (Zc 10.6). Eles seriam salvos por causa da compaixão do Senhor, e o favor gracioso dele seria estendido a eles como se nunca tivessem pecado (v. 6b). Ele “assobiarfá] para eles e os ajuntar[á]” (v. 8), independentemente de quão distante e dispersos eles estejam. Eles, como em outro êxodo, atravessariam mares e rios de oposição até estarem seguros em casa (w. 10,11). Mesmo assim, Jerusalém, no dia do Senhor, sofreria mais uma vez cerco e ameaça de destruição nas mãos das nações perversas Zc 12.1,2). Entretanto, o Senhor a libertaria de novo, usando Jerusalém como sua arma de guerra (v. 6). O poder e a graça do Senhor em favor de Judá e de Jerusalém seriam tão convincentes de sua soberania que toda a nação — do cidadão mais humilde à família real — lamentaria profundamente de arrependimento por seu pecado de desprezá-lo (vv. 10-14). A seguir, ele faria jorrar uma fonte para purificá-los (Zc 13.1), imagem que lembra o “coração de carne” que Deus poria em seu povo como um ato de pura graça registrado no relato de Ezequiel (Ez 36.26).22 Mais uma vez (cf. 8.8), o Senhor poderia afirmar a respeito de Israel: “É o meu povo”, e eles poderiam dizer com toda sinceridade: “O S e n h o r é o meu Deus” (Zc 13.9). Nunca mais Jerusalém seria destruída, pois o Senhor a tornaria segura para sempre (Zc 14.11).

O JULGAMENTO DAS NAÇÕES

Muitas vezes, a redenção e a restauração de Israel vieram e virão à custa das nações que a subjugaram e a molestaram. Contudo, essas nações, na verdade, são hostis ao Senhor, não a seu povo, pois são motivadas por entidades espirituais das quais não têm nem mesmo consciência. O plano de Deus da criação era que as nações governassem em nome dele; mas por causa da Queda, elas foram aliciadas para o serviço de poderes demoníacos. Por essa razão, elas devem se arrepender ou ser destruídas para que o Reino de Deus possa existir soberano com hegemonia inconteste. Zacarias declara primeiro que os chifres (isto é, as nações) que arrastaram Israel para o exílio seriam eles mesmos depostos (Zc 1.21). A Babilônia é o exemplo de um instrumento de Deus usado para castigar seu povo, mas essa nação, agora, deve ser punida pelos excessos que cometeu. Ela ultrapassou a medida do razoável e tocou “na menina dos olhos dele [do Senhor]”, ou seja, Israel, sua posse especial (Zc 2.8,9). Outras nações também vivenciariam a ira do Senhor, especialmente as vizinhas de seu povo eleito — Hadraque, Damasco, Hamate, Tiro, Sidom, Ascalom, Gaza, Ecrom, Asdode e todas as nações filisteias (Zc 9.1-8). Elas oprimiram sua nação e, agora, deviam sofrer a maldição reservada aos que amaldiçoassem a descendência de Abraão (v. 8). O julgamento final das nações viria no dia do Senhor quando ele, como guerreiro divino, lideraria seus exércitos na guerra santa (Zc 14.3-5). O Senhor, com poderes sobrenaturais, lançaria um ataque tão severo que as forças hostis do mundo se transformariam em nada (w. 12-15).

A SALVAÇÃO DAS NAÇÕES

Ao mesmo tempo, a graça do Senhor se estenderia à humanidade — judeus e também gentios — a fim de atraí-la para si mesmo. E esses gestos de boa-vontade não ficaram sem resposta, pois “muitas nações se unirão ao S en h o r naquele dia e se tornarão meu povo”, declarou o Senhor (Zc 2.11). Israel, por fim, tornar-se-ia o imã que atrai as nações, papel para o qual Deus os chamara para fazer aliança. O profeta previu, em termos muito vívidos, um tempo em que “dez homens de todas as línguas e nações agarrarão firmemente a barra das vestes de um judeu e dirão: ‘Nós vamos com você porque ouvimos dizer que Deus está com o seu povo’” (Zc 8.23). Naquele dia, eles juntar-se-iam a Israel na peregrinação a Jerusalém a fim de celebrar a festa das cabanas, festival associado à renovação da aliança (Zc 14.16; cf. Dt 3.9-13; Ne 8.1-18). Os que se recusassem a fazer isso seriam marcados como rebeldes e estariam sujeitos ao mesmo tipo de disciplina que Israel vivenciara em sua história de desobediência. Isso é uma prova adicional de que Israel e as nações serão um só povo no fim das eras. Na casa do Senhor, ninguém mais será considerado um cananeu pagão, pois toda a humanidade será purificada e submissa ao Senhor Deus (w. 20,21).

A VINDA DO MESSIAS

O messianismo desempenha papel importante, e em termos familiares, na teologia do relato de Zacarias. O Senhor revela por intermédio do profeta: “Trarei o meu servo, o Renovo” (Zc 3.8), dizendo que isso resultaria em uma conversão tão maciça que ele “remover[á] o pecado desta terra num único dia” (Zc 3.9). O contexto e a terminologia técnica deixam claro que essa não seria a obra do servo na história (como em Is 53), mas do fim das eras quando, conforme apresenta Isaías, uma nação nasceria em um dia (Is 66.8). O indivíduo a vir incorporaria dois papéis — o de sacerdote e o de rei — usando a mitra de Josué e assentando-se no trono real. O nome dele, o Renovo, estabelece suas credenciais messiânicas; e ele, como o sacerdote-rei Davi, exercerá o domínio concedido pelo Senhor sobre o povo de Deus (Zc 6.9-15; cf. SI 110; Ap 21.22; 22.3). A passagem 9.9,10 é o texto messiânico mais famoso do livro, passagem essa que fala de um rei entrando em triunfo em Jerusalém. Ele é justo e trará salvação. A seguir, ele, depois de estabelecer a paz mundial, governará sobre toda a terra. A imagem é de um monarca davídico que vem para afirmar e estabelecer sua soberania universal. Só o texto do Antigo Testamento apresenta esses eventos ocorrendo ao mesmo tempo ou em rápida sequência; o Novo Testamento, que entende Jesus como o rei em questão, divide a passagem entre a entrada triunfal (v. 8) e o exercício de realeza que se segue a esta (v. 9). Na verdade, as citações do Novo Testamento (Mt 21.5; Jo 12.15) aludem apenas ao versículo 8, sugerindo que a caminhada sobre o jumento já aconteceu (da nossa perspectiva), ao passo que a assunção de soberania universal ainda será cumprida no dia do Senhor.

A SOBERANIA DE IAVÉ

Por fim, Zacarias toca brevemente nessa idEia — de que o Senhor “será rei de toda a terra” (Zc 14.9). Haverá só um Senhor, diz ele, e seu nome será o único nome. As nações que o virem o adorarão como rei, tornando-se, com Israel, o povo do Senhor (w. 16,17). O desígnio original de Deus para o Reino — a criação da humanidade a sua imagem para governar sobre todas as coisas em seu nome — por fim, virá à plena realidade.

—- Retirado de: Eugene Merrill – Teologia do Antigo Testamento

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