Menu fechado

O PROFETA MALAQUIAS

A principal questão que confrontou o último profeta de Israel (c. 470 a.C.) foi a hipocrisia da comunidade judaica, que praticava os movimentos da religiosidade sem compromisso genuíno e sincero.25 O templo já fora construído havia muito tempo e o aparato completo de adoração, restabelecido, mas a letargia espiritual se insinuara, e a carta da lei começara a tomar o lugar de seu espírito. Para Malaquias, parece que nada foi aprendido com a disciplina do exílio e que o Estado judaico caminhava mais uma vez em direção ao julgamento divino. O apelo dele para seu povo era que eles reordenassem suas prioridades e se alinhassem com as exigências da aliança do Senhor. Eles, ao falhar em fazer isso, podiam esperar o desagrado do Senhor no dia da prestação de contas. As promessas do Senhor da aliança, por sua vez, eram eternas, e ele, no fim, salvaria seu povo da maldição inevitável com a qual afligiria a terra.

O favor do Senhor em relação a Israel foi estabelecido desde o início com a notável declaração dele de que o Senhor “sempre os am[ou]” (Ml 1.2). Isso estabelece o tom de aliança do livro, pois, na linguagem bíblica técnica, Deus amar é sinônimo da eleição soberana por parte dele (cf. Dt 7.7-11).26 Por essa razão, o Senhor “rejeit[ou] Esaú” (ou Edom; Ml 1.3); ou seja, rejeitou-o ou não o escolheu. A história da rebelião de Edom contra o Senhor e da perseguição a seu irmão Israel, na verdade, levou o Senhor a chamar Edom de “Terra Perversa” (Ml 1.4), epíteto refletido também nos escritos de muitos dos outros profetas (Is 34.1-15; Jr 49.7-22; Ob). Contudo, o ponto aqui em estabelecer a graça eletiva do Senhor era enfatizar, por meio do contraste, a falta de gratidão de Israel por esse favor. Tanto os sacerdotes como o povo desprezavam o nome dele oferecendo animais defeituosos como sacrifício, esquecidos de que nunca teriam ousado oferecer esses sacrifícios para seu governante humano (Ml 1.6-8). Seria melhor fechar as portas do templo e parar com essa farsa que continuar fazendo seus rituais sem sentido (w. 9,10). Esse comportamento traria descrédito para o nome do Senhor entre as nações (v. 14), e até mesmo elas, em um tempo por vir, adorariam o Senhor com mais sinceridade que isso (v. 11).

O chamado para os sacerdotes era que retornassem à obrigação para a qual Deus os chamara por meio da aliança (Ml 2.1-9). Os ancestrais deles, de modo geral, observaram essa aliança (w. 5,6), mas a presente geração corria sério risco de ser desprezada. A reputação deles já estava maculada aos olhos do povo (v. 9), e o pior ainda estava por vir por causa de sua violação da aliança confiada a eles por seus pais (v. 8). Eles, em vez de serem abençoados pelo bom serviço, seriam amaldiçoados por causa de sua indiferença em relação à honra do Senhor (v. 2). Mas o povo não era melhor que eles. Eles também romperam a aliança com o Senhor com a infidelidade uns com os outros (v. 10) e, ainda pior, pelo adultério espiritual cometido por eles (v. 11). As duas coisas estavam ligadas, pois o aumento do número de divórcios na comunidade andava lado a lado com a infidelidade de Israel em relação ao Senhor, na verdade, seu divórcio do Senhor. O Senhor, diz o profeta, odeia o divórcio dos dois tipos: entre marido e mulher e entre seu povo adúltero e ele mesmo (v. 16). A questão subjacente nos dois casos — e, na verdade, em todo o livro — era a desobediência ao compromisso da aliança, quer na dimensão horizontal, quer na, vertical.

Malaquias, voltando-se em direção à era escatológica, prevê o dia em que “o Senhor”, “o mensageiro da aliança”, apareceria repentinamente (Ml 3.1 -5). Nesse dia, esse personagem messiânico purificaria os levitas e o povo, e a adoração apropriada seria restabelecida em Jerusalém (w. 3,4). O consenso cristão quase universal identifica esse mensageiro como Jesus Cristo, não em seu papel como Deus, o Redentor, encarnado, mas como o Juiz que virá no fim da história para restaurar Israel e renovar a aliança, capacitando, assim, Israel a adorá-lo em espírito e em verdade.28 Essa visão equipara-se claramente à de Ezequiel, que também fala da purificação do povo escolhido e da renovação da aliança do Senhor com eles nos últimos dias (Ez 36.24-36). Todavia, Malaquias enfatiza mais o aspecto do julgamento como um meio de purificação, tema encontrado em outras passagens dos profetas, especialmente no relato de Jeremias (Jr 30.5-24).

Esses prospectos gloriosos, embora inevitáveis por causa do compromisso do Senhor com suas promessas da aliança (Ml 3.6,17,18), todavia, dependiam do arrependimento de Israel em relação ao Senhor. Eles deviam mostrar evidência de um retorno genuíno a ele, sintetizado aqui, no relato de Malaquias, pelo pagamenro de dízimo (Ml 3.8-11). Isso é relevante porque o dízimo representa o tributo do vassalo exigido por seu suserano nos contextos de aliança.29 Isso está no cerne da teologia das festas anuais em que Israel, em reconhecimento à soberania do Senhor, oferecia dádivas no templo, lugar de habitação dele, concedendo-lhe, assim, a leal devoção embutida no relacionamento deles (Êx 23.14- 19). Por essa razão, o dízimo era o reconhecimento de submissão à aliança e sugere que tudo estava bem entre o Senhor e a comunidade da aliança. Quando eles faziam isso, o Senhor, por sua vez, os abençoaria, e todas as nações os chamariam de abençoados (v. 12). Quanto às nações perversas e impenitentes do mundo, o dia da restauração de Israel também seria o dia do julgamento e da destruição delas (Ml 4.1-3). Israel, em uma irônica guinada dos eventos, não seria mais oprimida, mas seria o instrumento de conquista de Deus (v. 3). O esmagamento sob as solas dos pés lembra a imagem da ordem da criação para que a humanidade subjugue a terra e governe sobre todas suas criaturas (Gn 1.28). No fim dos tempos, Israel demonstrará a soberania de Deus transmitida por meio daqueles criados a sua imagem. Assim, o Reino dos céus prevalecerá sobre os reinos deste mundo — até que toda rebelião e desobediência sejam esmagadas — e o Senhor será Rei sobre todos (cf. Ez 39.7-13).

—- Retirado de: Eugene Merrill – Teologia do Antigo Testamento

Artigos relacionados