Por Lucas Rosalem.
“Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1João 5:21).
Este é o último verso da primeira carta de João, escrita já em sua extrema velhice. Preciso frisar: é o último verso da carta. Ou seja, é com essas palavras repentinas que o apóstolo “se despede” dos seus irmãos a quem ele escreveu. Faz sentido encerrar a carta assim?
Infelizmente, faz.
Digo “infelizmente”, porque a carta não é evangelística. É uma carta escrita a cristãos bem esclarecidos. Como é possível? Por que cristãos dos tempos de João precisavam ser alertados por ele a terem cuidado com os ídolos?
Gente do céu! Estamos falando dos cristãos da igreja primitiva!
Quando você ouve um pastor pregando sobre ídolos, você pensa nos católicos, não é? Quando muito, pensa que algum evangélico poderia estar fazendo do dinheiro um ídolo (e, sim, milhares deles estão). Talvez você pense da maneira mais boba: “tudo que tira Deus do primeiro lugar da sua vida é idolatria”. Nisso, você inclui todo tipo de coisa viciante, assim como a avareza e outras coisas parecidas.
Talvez você esteja certo em pensar assim. Talvez. Mas isso é realmente muito, mas muito conveniente, e talvez você saiba disso e por isso mesmo prefira pensar assim. É, talvez.
É muito conveniente fazermos um ranking de “pecadões” que possamos comparar com idolatria, desde que nada disso realmente sequer toque na nossa realidade: na realidade suja do nosso coração vaidoso, arrogante e acomodado com o pecado.
Mas ao invés de descarregar aqui um pedido de autoavaliação, como as pregações sobre ídolos geralmente fazem (e isso não é ruim), vou me limitar a apresentar uma visão mais profunda sobre os ídolos a partir do contexto da 1ª carta de João.
O verso final não é apenas curioso por encerrar a carta, mas pelo seu conteúdo também. Ele nada havia falado sobre isso antes na carta inteira. Esse não foi o assunto em nenhum capítulo, nem mesmo nesse último. A carta inteira é sobre o amor que os salvos têm que exercer e a confissão na encarnação de Jesus. Por isso, boa parte da carta é alertando os cristãos sobre falsos mestres. Então, por que esse final sobre ídolos?
Veja o que diz o verso anterior:
“Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna“ (v.20).
Pense um pouco. O que esse verso está fazendo aí, imediatamente antes do alerta contra os ídolos?
Nos tempos em que João escreveu, os mestres gnósticos negavam que Jesus era o Cristo, Filho de Deus. Assim, nesse versículo, João resume o ensinamento básico da fé cristã: Jesus Cristo é o Filho de Deus, é verdadeiramente divino e é a vida eterna. É apenas depois de falar de Jesus como o verdadeiro Deus que João alerta: “guardai-vos dos ídolos”.
Caso não tenha percebido ainda a conexão: João está exaltando a obra de Cristo, Aquele que, sendo Deus, tornou-se homem para nos redimir e reconciliar com a Trindade. Ao exaltar a Cristo (isso, na carta inteira), ele alerta para a centralidade de Jesus e sua obra como fonte da mensagem cristã e como motivo pelo qual nós somos chamados a amar uns aos outros verdadeiramente.
No capítulo anterior (4), João explica que os falsos profetas, sob domínio do “espírito do anticristo”, são aqueles que ocultam e substituem a pregação do Evangelho por outros assuntos. Como isso acontece em nossos dias? Com isso: prosperidade, felicidade, autoajuda, coaching, pregações teatrais, músicas sentimentalistas, ambiente emotivo, etc. Complete a lista você mesmo.
Ora, preste atenção!
“Guardai-vos dos ídolos”, aqui, significa “cuidado com os falsos conceitos sobre Deus!”.
É por isso que ele gasta a carta inteira intercalando a discussão sobre o amor na vida cristã como consequência de uma real conversão, com o outro assunto: um chamado para que os cristãos julguem os ensinos que recebem e rejeitem os falsos mestres (4:1).
Quando João diz: “guardem-se dos ídolos”, ele está chamando os crentes para se absterem de qualquer forma de adoração que os distancie de Jesus Cristo, pois somente “Ele é o verdadeiro Deus e a vida eterna”.
Agora, sim, faça uma autoavaliação.
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