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A Teologia do livro de Jonas

Por conter muito mais narrativa do que exortação ou predição profética, Jonas se ajusta bem às considerações teológicas que pontilharam os livros históricos neste trabalho. É fácil perceber a permissão do mal na vida de Jonas à medida que se desenrola sua interação com os marinheiros no capítulo 1. A flagrante desobediência, até mesmo o cinismo calejado de Jonas – que prefere morrer a obedecer – servem para ressaltar perante os olhos atônitos dos marinheiros a realidade que o tal Deus que abarcava sob seu domínio o céu, o mar e a terra seca, não era uma divindade que pudesse ser ignorada (muito menos desobedecida sem as mais severas conseqüências). O decreto de julgar o mal se antevê na mensagem original confiada a Jonas – ―Clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim‖ (Jn 1.2), bem como na mensagem transmitida aos ninivitas − ―Ainda 40 dias, e Nínive será subvertida‖ (3.4). Embutida nessa última declaração, há tanto a certeza de que finalmente o juízo cairá como a possibilidade de que aquela geração escape ao julgamento decretado

O relato da resposta divina ao avivamento provocado pela pregação de Jonas é um dos pontos teológicos mais discutidos do Antigo Testamento desde sua primeira menção em Gênesis 6. O uso do verbo םַחִׁנ) םֶחָמִׁטָו ,w yyinnāḥem, ―arrependeu-se‖) no grau nifal tem sido apontado por muitos, mais recentemente por defensores do chamado teísmo aberto, como uma indicação de que Deus é sujeito a emoções, ou desconhece o futuro, ou é dependente em alguma medida das ações e reações de Suas criaturas, ou todas as anteriores. Em resposta a isso, teólogos teístas tradicionais têm afirmado que a mensagem trazia em si uma condição latente, e que o uso do verbo םַהִׁנ obedece a uma característica da mentalidade hebraica de antropomorfizar suas descrições de Deus de modo a tornar mais compreensível aos mortais a interação de um Deus, que é descrito como perfeitamente soberano, com criaturas que desfrutam genuína liberdade (mas não absoluta autonomia).

Outra abordagem é dizer que tal interação é descrita do ponto de vista meramente humano, como uma espécie de refração ótico-espiritual, por meio da qual a intervenção divina parece desviar-se do rumo proposto, ao entrar em contato com o meio terrestre em que se fará sentir, simplesmente porque os que a percebem ignoram a totalidade dos desígnios aos quais a prometida intervenção pertence e entre os quais se efetua.

A libertação dos eleitos surge no capítulo 2, quando em meio a algas e águas revoltas, Jonas percebe ao que equivalia sua rebeldia profética. A sua referência aos אְּוָשֹיֵלְּ בַח (ḥ ḇle šāwʾ , literalmente ―vaidades de vazio‖) pode indicar sua percepção de que sua rebeldia era semelhante à confiança em ídolos inúteis (cf. Sl 31.7 e 1 Sm 15.23). Imerecida e inesperadamente, a intervenção salvadora de Yahweh preserva o profeta escolhido para que ele cumpra sua missão. Essa libertação atinge também os ninivitas por meio da pregação de Jonas. As dimensões dessa libertação são muito discutidas – teriam sido elas meramente temporais ou de natureza eterna? Basta aqui dizer que a libertação foi real, a despeito de sua natureza última. As palavras do Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 12.41) sugerem que a misericórdia divina, tão criativamente demonstrada a Jonas no capítulo 4, garantiu a dimensão eterna dessa salvação.

A bênção para os eleitos é limitada à preservação daquela geração de ninivitas, que escapou a um juízo que finalmente viria a cair sobre uma cidade que esqueceu seu quebrantamento perante Yahweh e retornou a seus caminhos idólatras e desumanos. É digno de consideração o fato de que aquela geração foi preservada para que mais tarde a Assíria fosse usada como a ―vara da ira‖ de Yahweh contra o pecado obstinado de Israel.

ARGUMENTO BÁSICO

Jonas é singular no aspecto de que a mensagem de Deus a Israel não é transmitida por uma exortação profética, mas pelas aventuras (ou desventuras) pessoais do profeta. A mensagem está implícita na narrativa, em vez de explícita em uma exortação. O profeta é encarregado de proclamar uma mensagem específica de Deus contra Nínive (ָֹיהֶלָעֹאָ רְּ וק] ,ûqerāʾ ʿāley ā], ―e clama contra ela‖, 1.2). Em vez de ir e enfrentar a vergonha devida ao não-cumprimento de suas predições catastróficas (que ele tinha como certo, conforme ‘explica‗ em 4.2), Jonas foge para Társis, desencadeando assim o plano soberano de Deus para levar Seu conhecimento aos ninivitas pagãos. A soberania de Deus em conceder salvação é vista primeiro na experiência dos marinheiros. Apesar da atitude cínica demonstrada por Jonas quanto ao seu Deus e sua iḡgîḏ î ḇōrēăḥ ûʾ w y nê millip (מִׁ לִׁ פְּ נֵיֹיהוהֹהואֹב ֹרֵ חַֹכִׁ יֹהִׁ גִׁידֹלָהֶם) missão lā em), ―[pois sabiam os homens que Jonas] fugia da presença do Senhor, porque ele lhes contara‖, 1.10), os marinheiros passam a temer Yahweh quando Jonas é lançado ao mar, fazendo cessar a grande tempestade. Apesar de o livro não apresentar informação detalhada a respeito de sua fé, ele deixa claro que os marinheiros reconhecem Yahweh como o verdadeiro Deus e lhe oferecem alguma forma de sacrifício (1.16). O curso de soberania dado por Deus prossegue com a lição pessoal dada a Jonas. Jogado ao mar, ele ora por livramento e louva a Deus quando este chega inesperadamente na forma de um grande peixe, designado por Yahweh para a tarefa.1 Preso dentro do peixe, Jonas percebe que a salvação pertence a Yahweh (ֹהָ תָשועְּי יהוהַל ,ye šûʿāṯ l y w , 2.9). Com a teoria básica aprendida, Jonas recebe outro chamado para ir a Nínive e obedece. A terceira demonstração da soberania de Deus na salvação acontece quando a וטָאֲמִׁ ינוַֹאנְּשֵ יֹנִׁנְּוֶהֹ) generalizado arrependimento um provoca Jonas de pregação ַֹיםִׁ להֹאֵב ,w yyāʾămînû ʾ nše ninwe bēʾlō îm, ―os homens de Nínive creram em Deus‖, 3.5), à luz da ameaça de uma intervenção divina destruidora contra a cidade (ֹודֹע e, dias 40 ainda , ―pāḵeṯ ne weninwe yôm rbāʿîm ʾ ʿôḏַ, ארְּ בָעִׁ יםֹיֹוםֹוְּנִׁנְּוֶהֹנֶהְּ ּפָכֶת Níneve será subvertida‖,2 3.4). Frustrado com os resultados surpreendentes de sua pregação, Jonas protesta contra eles justificando a si mesmo (4.2) e por meio da autocomiseração (4.3-9). A última lição divina sobre soberania vem quando Deus provê uma planta3 que alivia o desconforto de Jonas, pois o profeta, ainda desafiando a decisão divina de não destruir Nínive, faz uma greve de protesto nos arredores da cidade (4.5). Essa planta incomum cresce da noite para o dia e oferece alívio para o insuportável calor da região. No entanto, um verme designado por Yaweh (novamente surge o verbo hebraico הָנָמ] mān ], que é uma chave no livro; cf. 1.17; 4.6; 4.7; 4.8) destrói a planta, e um vento divinamente enviado causa desconforto ainda maior.

Yahweh está ensinando a Jonas que sua frustração por coisas que ele não criou e pelas quais não era responsável deveria fazê-lo cônscio da terna misericórdia de Deus por Suas criaturas (4.11) e torná-lo submisso ao soberano plano divino de estender salvação àqueles a quem Ele escolheu demonstrar misericórdia. Essa mensagem implícita, dirigida ao profeta, tinha em vista um público mais amplo − o povo de Israel no século 8 a.C. − que era cínico e espiritualmente insensível. Yahweh é soberano para salvar aqueles que se arrependem, sejam eles israelitas sejam ninivitas; a inferência é que aqueles que recusam arrepender-se terão de enfrentar a ira de Deus. Nesse sentido, Jonas de fato oferece um contraponto ou um realce a seus contemporâneos Oséias e Amós.

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