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A Teologia do livro de Isaías

O livro de Isaías é mais bem entendido se dividido em três partes principais. A primeira parte lida com a remoção da ordem rebelde, antropocêntrica, que mantém a nação sob seu poder (caps. 1-35). A segunda parte serve como uma dobradiça histórica, em torno da qual giram os temas de juízo e libertação, que aparecem ilustrados na experiência ambígua do rei Ezequias (caps. 36–39). A terceira parte, finalmente, lida com o estabelecimento de uma nova ordem divina, em que a rebelião idólatra será finalmente punida, e o reino de bênção e salvação universais, centrado em Sião, será introduzido pelo Servo de Yahweh.

O livro de Isaías enfatiza a singularidade de Yahweh como a fonte de esperança e segurança para a nação de Israel. Enquanto facções políticas na corte faziam o reino oscilar de um lado para outro, ora em direção ao Egito, ora em direção à Assíria, Isaías encorajava reis a confiar apenas em Yahweh para sua sobrevivência e bem-estar. Este tipo de neutralidade divina seria mais tarde incorretamente interpretado como uma panacéia para os pecados da nação, mas não foi assim que Isaías a havia proposto. O mesmo Senhor que podia salvar teria de primeiro remover uma ordem antropocêntrica universal por meio do juízo para somente depois introduzir na História um tempo de bênção universal. A total incapacidade de Israel de conformar-se aos padrões divinos (Is 1.2-8; 42.18- 20; cf. 6.9-13) para sua missão na terra abriu caminho para a manifestação escatológica do Servo, a personificação de tudo que Israel devia ter sido, o Israel ideal, por meio de quem Yahweh concretizará juízo e libertação definitivos. O propósito do livro parece ser duplo. Primeiramente, serviu como uma condenação judicial de Judá e das nações circunvizinhas, um aviso solene de juízo iminente. Em segundo lugar, serviu como uma mensagem de conforto àqueles cuja experiência da ira disciplinadora de Deus os teria levado a pensar que toda esperança futura estaria perdida. Um remanescente arrependido retornaria à Terra Prometida para experimentar a plenitude das bênçãos pactuais sob a égide do Servo do Senhor. Embora alguns autores designem o tema da condenação para os primeiros 39 capítulos e o tema da consolação para os 27 restantes, parece-me que ambos se entrelaçam ao longo do livro, com um tom predominantemente condenatório na primeira parte (1–35), uma ilustração dos princípios operativos de juízo e libertação na segunda parte (36–39), e uma perspectiva mais positiva na terceira e última parte (40–66).

Isaías preocupa-se com a salvação definitiva de Yahweh, que será manifesta no âmbito da História. Essa salvação tem um aspecto negativo, uma vez que envolve a remoção da autonomia humana em suas muitas formas e conseqüências. Tem, no entanto, um aspecto positivo, que consiste de uma nova ordem teocêntrica, estabelecida por um indivíduo denominado ―o Servo‖. Essas duas linhas de pensamento entrelaçamse ao longo do livro, como as páginas seguintes demonstrarão. Devido ao formato descritivo do esboço que se segue, a exposição será limitada. Na Primeira Parte, Isaías enfatiza a remoção da presente ordem de coisas, pecaminosa e antropocêntrica, tanto em Judá quanto nas nações circunvizinhas (1.1–35.10). Os primeiros seis capítulos apresentam a condição e o castigo de Judá como as condições necessárias para a restauração divina do remanescente. O capítulo 1 apresenta a condição desoladora de Judá como o resultado da apostasia e hipocrisia, que Deus, embora disposto a perdoar, teria de punir antes que pudesse restaurar Seu povo. Os capítulos 2 a 4 apresentam promessas do grande reino de Deus (2.1-4 e 4.2-6), as quais servem como parênteses para a condenação de Judá (2.5-11) e as ameaças de punição devastadora contra a nação (2.12–4.1). Os capítulos 5 e 6 apresentam o desapontamento de Yahweh com o fracasso de Israel como Seu povo, e o castigo inevitável que isso representaria para uma nação a quem Deus endureceria judicialmente por meio do ministério profético de Isaías. Os capítulos de 7 a 12, comumente chamados de ―O Livro de Emanuel‖, repreendem a nação pela incredulidade que prejudica o plano divino de salvação. Esse plano será, em última análise, efetuado por Emanuel, o sinal divino para a nação. O sinal de Emanuel (o nascimento virginal de ―Deus conosco‖ e a cronologia de sua infância, cf. 7.14s.) garante ao mesmo tempo a libertação da dinastia davídica e seu juízo histórico iminente. O juízo virá por meio da Assíria (cap. 8), mas a libertação e a glória virão pelo Filho prometido (9.1-7). O reino do Norte, inimigo imediato, e a Assíria, inimigo futuro, serão derrotados (9.8–10.19) e o remanescente será trazido de volta (10.20-34), para desfrutar as glórias do reino do Messias (cap. 11) e adorá-lo sinceramente (cap. 12). A divisão seguinte, capítulos 13 a 23, enumera juízos divinos contra nove nações circunvizinhas e serve como garantia de que os inimigos de Israel serão alvo da justiça de Yahweh antes que Ele estabeleça Seu reino.

O juízo inicial diz respeito à Babilônia (13.1–14.23) e parece ter tanto um aspecto contemporâneo (a total destruição de Babilônia por Senaqueribe em 689 a.C.; (cf. J. Bright, Uma História de Israel, p. 416) quanto um aspecto escatológico, quando o remanescente de Israel se regozijará pela queda definitiva de Babilônia (14.1-23). Isaías alista as seguintes nações como alvo do juízo de Deus: Assíria (14.24-27), Filístia (14.28-32), Moabe (15.1–16.14), Damasco e Samária (17.1-14), Etiópia (18), Egito (19), Egito e Etiópia (20), Babilônia (21.1-10), Edom (21.11,12), Arábia (21.13- 17), Judá (22), e Tiro (23).

A seção seguinte (caps. 24–27), conhecida como o Pequeno Apocalipse, fala de um juízo universal que precederá o estabelecimento do reino prometido (cap. 24). Em seguida, Isaías registra a bênção e as glórias do reino (cap. 25) e os louvores dos redimidos (cap. 26). A posição privilegiada de Israel como a vinha de Yahweh (que fora perdida no capítulo 5) será recuperada depois de sua punição e restauração (cap. 27). Os capítulos 28 a 33 descrevem o juízo contra Jerusalém e Samária por ter confiado em riquezas e alianças políticas, em vez de depender de Deus (caps. 28 a 31). Isaías afirma que somente o futuro Libertador trará a verdadeira liberdade, glória e vitória sobre os inimigos (caps. 32–33). A divisão final da Primeira Parte apresenta uma breve descrição do juízo universal de Yahweh (cap. 34) e as bênçãos físicas e espirituais associada ao retorno de Israel à sua terra no tempo do reino (cap. 35). A Segunda Parte é como que uma dobradiça histórico-literária para toda a obra. Ao mesmo tempo separa e conecta as profecias relacionadas ao período assírio (caps. 1-35) e aquelas relacionadas ao período babilônio (caps. 40–66). A confrontação de Ezequias com os exércitos de Senaqueribe em 701 a.C. foi resultado da falta de fé de Acaz, pai de Ezequias (as semelhanças entre Is 36 e Is 7 têm o claro propósito de destacar esse fato; e.g., o campo do lavandeiro, onde Isaías pronunciara juízo contra Acaz e a casa de Davi, é também o lugar em que a Assíria humilha Judá). O juízo que Isaías profetizara havia chegado, e Yahweh milagrosamente libertou Seu remanescente fiel (caps. 36–37) em cumprimento a Suas promessas. De outro lado, mesmo o piedoso rei Ezequias, capaz de confiar em Deus para a cura de uma doença mortal (cap. 38), não estava imune à insensatez de acreditar em alianças humanas, exibindo vaidosamente suas riquezas aos emissários de Babilônia que buscavam atraí-lo para uma coalizão militar contra a Assíria (cap. 39). Embora esses dois últimos capítulos não se achem em ordem cronológica em relação aos anteriores (36 e 37), sua seqüência no texto é a maneira encontrada por Isaías para indicar a contínua insensatez de Judá, ao confiar no homem e seus recursos, bem como para mostrar a necessidade de novas disciplinas e de uma resposta definitiva para o problema do pecado de Israel. A Terceira Parte contém profecias relacionadas à consolação pela intervenção de Yahweh em favor de Israel depois de seu sofrimento disciplinador em Babilônia, que (o assim-chamado Primeiro) Isaías havia anunciado quando a Babilônia ainda estava subjugada à Assíria como vassala (39.3-7).

A primeira divisão diz respeito às promessas de restauração de Israel (caps. 40–48). Nos capítulos 40 e 41, Yahweh é exaltado como o Deus Eterno e Onisciente (40), superior em poder a todos os ídolos (41). No capítulo 42, o Servo fiel é contrastado com Israel, o servo infiel; este é reprovado, e Aquele, elogiado. Os capítulos 43.1–44.5 retratam a libertação efetuada por Yahweh e a restauração de Israel, que é seguida pelo provocante contraste entre Yahweh e os ídolos de Babilônia, cujo propósito é levar Israel de volta à fé em seu Deus poderoso e redentor (44.6-23). A identificação pessoal do instrumento divino de libertação, Ciro, e a futilidade de qualquer oposição aos planos de Deus são o assunto central da seção seguinte, que engloba o restante do capítulo 44 e o capítulo 45. A polêmica de Yahweh contra os ídolos de Babilônia continua nos capítulos 46 e 47, em que Sua prometida salvação inclui a derrota que Ele infligirá aos ídolos que, na mentalidade dominante no antigo Oriente Médio, aparentemente teriam saído vencedores no conflito entre Babilônia e Jerusalém. Esta primeira divisão da Terceira Parte termina com a correção divina do apego de Israel à Babilônia, de onde o povo escolhido deve fugir para poder experimentar a libertação e a graciosa provisão divinas (cap. 48). A segunda divisão contém o maior número dos chamados ―Cânticos do Servo‖. O capítulo 49 focaliza sua missão de restaurar Israel e trazer iluminação aos gentios. A seguir, sua obediência inabalável a seu chamado oferece um exemplo comovente ao rebelde Israel (cap. 50). A mensagem de consolação é renovada nos capítulos 51 e 52 (até o versículo 12), em que Yahweh promete à nação de Israel exaltação e alegria em Sua presença. A seção seguinte focaliza a humilhação e a morte vicária do Servo como o meio pelo qual o plano de Yahweh se concretizará (52.13–53.12). Quando isso se der, um Israel convertido e restaurado terá suas fronteiras alargadas e será embelezado (cap. 54), e a salvação de Yahweh será graciosamente estendida a todos quantos O buscarem (cap. 55). Nessa expansão da misericórdia de Deus, os gentios se tornarão co-participantes das bênçãos da aliança (56.1-8). A última seção dessa divisão retrata o lado judicial dessa salvação cósmica, pois aqueles que escolherem permanecer no pecado e rejeitar a oferta divina de paz serão terminantemente excluídos de Sua bênção (56.9–57.21). A divisão final da Terceira Parte contém o último dos ―Cânticos do Servo‖ e focaliza a remoção dos repetidos pecados de Israel, bem como o juízo contra a iniqüidade humana por meio do Servo (58.1–66.24). Os capítulos 58.1–60.22 apresentam o Senhor removendo o pecado de Israel para restaurar sua glória. O Servo estende seu ministério para além de Israel, alcançando todo o mundo (cap. 61), garantindo ao mesmo tempo a restauração de Sião (cap. 62) e a punição de Seus inimigos (63.1-6).

A seguir, o profeta insere uma oração nacional vicária. Agindo como representante da nação, ele implora que Yahweh intervenha no presente à luz de Suas misericórdias passadas e de Seu papel como Pai e Criador (63.7–64.12). A essa oração, Yahweh responde com as duas linhas básicas da profecia: o juízo contra a maioria impenitente, cuja resposta a Deus era pior do que a dos pagãos no que diz respeito à fé (65.1-7), como também a libertação e a bênção para o Remanescente (65.8-25). O livro termina com o júbilo cósmico pelo estabelecimento do justo reinado de Yahweh sobre um universo do qual a rebelião terá sido justamente removida, tornandose apenas uma lembrança (66.1-24).

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