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A Teologia do livro de Cantares

O propósito do livro depende totalmente da abordagem hermenêutica utilizada para entender o Cântico. Os que optam por uma abordagem lírica com três personagens defenderão uma afirmação de propósito que se aproxime de ―preservar a pureza do amor espiritual contra as propostas indecentes do amor erótico. Os que optam por uma abordagem tipológica com três personagens defenderão frases como ―preservar a pureza da fé israelita (ou cristã) contra os apelos ímpios da idolatria (ou heresia). Uma abordagem lírica com dois personagens pode eventualmente empregar o Cântico dos Cânticos como uma ilustração dos relacionamentos sugeridos, mas vê como o propósito real do livro: Exaltar o valor do amor conjugal como uma preciosa dádiva divina que deve ser obtida em pureza e preservada com perseverança.

Apresentando o verdadeiro amor como um compromisso paciente que aguarda seu legítimo desfrute (1.2–3.5). A noiva vê-se na pomposa corte de Salomão, em Jerusalém, onde experimenta sentimentos conflitantes – o anseio pela presença do noivo (1.2-4), o medo de ser rejeitada, no palácio real, pelos sofisticados membros da corte, além da saudade do próprio lar (1.5-11). Enquanto anseia pela demonstração física de amor do noivo, a noiva toma consciência de sua aparência física malcuidada e anseia por um ambiente menos sofisticado, em que possam se encontrar em termos mais íntimos (1.7). Seu incômodo com a aparência é percebido pelas damas da corte e pelo próprio rei, que lhe reassegura seu amor e desejo por ela (1.9-11). A despeito de tais reafirmações e desse apreço mútuo (1.12–2.6), o poderoso impulso do amor deve ser contido até que chegue seu tempo adequado (2.7). A expectativa e ansiedade pela beleza de seu amor (2.8-15) despertam o medo de que seu amado, de alguma forma, se perca (2.6–3.4). Seu pesadelo termina com a reunião dos dois, que conduz à cena do casamento, precedida por mais uma admoestação quanto ao cuidado com que se deve tratar o amor até que chegue o tempo de seu desfrute (3.5).

Indicando que o verdadeiro amor é fisicamente consumado sob a bênção de Deus (3.6– 5.1). Esta divisão começa com a descrição da procissão matrimonial real voltando da casa da noiva, de onde o noivo a trouxe para o palácio real, seguindo o costume israelita (cf. Is 61.10 em relação ao costume do noivo usar uma coroa). Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento, pp. 56-57. cf. Is 61.10 em relação ao costume do noivo usar uma coroa). O séquito real aguarda ansiosamente a chegada do par real, pois estivera envolvido na preparação da liteira real para a viagem (3.10). No entanto, quando chega a hora das prolongadas festividades, a cena muda para a câmara nupcial, onde o amor encontra sua mais profunda expressão, e os amados sua mais profunda alegria, com a aprovação e a bênção de Deus (4.1–5.1). A noite de núpcias é descrita em uma enxurrada de metáforas nas quais a beleza sedutora da noiva é exaltada (4.1-7) em termos que, além de serem significativos para ela (eram todos de origem pastoril), também a ajudavam a sentir-se valorizada e segura nessa hora crucial. A seguir, o marido apela às emoções mais profundas da esposa, pedindo-lhe sua total entrega para a consumação de seu amor; pensamentos sobre o Líbano, seu lar, e temores distantes devem ser deixados para trás (4.8). À medida que o apreço mútuo é fisicamente expresso, o marido elogia a esposa pela natureza altamente satisfatória de seu amor (4.9-11), e por sua pureza (lindamente ilustrada pelas figuras de um jardim fechado e de uma fonte límpida e selada; 4.12-15). A consumação de seu amor é uma linda cena de auto-entrega (5.1a), à qual uma voz oferece plena aprovação (5.1b). Embora alguns entendam que esta é a voz dos convidados às bodas, parece estranho que um momento tão solene e íntimo seja invadido por um grupo barulhento e indiscreto. É melhor entender que esse Hóspede Ilustre é o próprio Deus, que sussurra Sua aprovação ao amor conjugal puro e sincero

Descrevendo como o verdadeiro amor se fortalece por meio da resolução de conflitos e do elogio mútuo (5.2–8.4). Como se a indicar que o verdadeiro amor entre humanos não é um relacionamento à prova de problemas, o autor descreve o esfriamento das chamas do amor pelo gelo da indiferença. A companhia de um marido desejoso é rejeitada pela esposa, cujas palavras traem certa ingratidão e auto-complacência (5.3). Seu amor, entretanto, permite que ele lide com a rejeição da esposa com graça e criatividade, indicadas quando ele deixa um sachet de mirra na maçaneta da porta, um lembrete do grande valor que ela representava para ele (5.4,5). O extenso período de separação que se seguiu, permitiu que a esposa tivesse tempo de meditar no valor de seu marido e na maneira egoísta como o tratou. As filhas de Jerusalém agem como a consciência da esposa, ajudando-a a perceber que seu ―amado‖ e ―amigo‖ era único e digno de que ela o buscasse, o que ela faz (6.1-3). Sua reunião ocorre longe do burburinho do palácio, em um local onde seus sentimentos originais seriam mais facilmente reavivados. Flávio Josefo descreve um lugar assim, fora de Jerusalém, no qual Salomão costumava ficar a sós, repousando de sua atividade palaciana. Flávio Josefo, Antiguidades dos Judeus, 8:7:3. Esse encontro idílico oferece ao casal a oportunidade de renovar seu apreço mútuo e sua afeição (6.4-13). A divisão seguinte retrata o casal expressando, mais uma vez, seu amor físico. Uma vez mais o marido exalta a beleza de sua amada (7.1-6) e elogia suas carícias apaixonantes (7.7-9). Suas metáforas se tornam mais ousadas e sensuais do que na noite de núpcias, o que demonstra o aprofundamento de sua relação. Ela, por sua vez, aparenta estar mais livre e mais autoconfiante em sua entrega a ele (7.10). A passagem indica que a intimidade sexual não é um meio para a resolução de problemas conjugais, mas a medida dessa resolução. Com a relação resolvida e normalizada, vê-se desejo que ela cresça na vontade de voltar ao ambiente pastoril em que seu romance começou (7.11–8.4). A alusão a árvores frutíferas em flor e mandrágoras exalando seu perfume tem uma óbvia conotação romântica (7.12,13). A amada anseia ter todas as restrições, sociais e físicas, removidas de seu relacionamento de modo a expressar plenamente seu amor pelo amado (8.1-4). Em seu amor maduro, a instrução mutual e as expressões de amor seriam a norma, não a exceção. Ela agora pode exortar e dizer, com a voz da experiência, que outras deveriam imitá-la, retendo o amor até que chegue seu tempo apropriado de expressão (8.4).

Indicando que o verdadeiro amor se origina em Deus e é obtido por meio de escolhas responsáveis (8.5-12). Este capítulo é ambientado no cenário da aldeia onde a amada um dia morou. Os aldeões ficam surpresos ao ver o par real chegar ao seu humilde lugar (8.5a). A amada fala ao seu marido e pede a ele que lhe seja sempre leal, pois seu amor é verdadeiro e se originou em Deus (é ―uma chama do Senhor‖; 8.6b). Lembranças de como o amor foi obtido se concentram nos irmãos, que haviam aparecido de forma pouco elogiosa no capítulo 1, mas que aqui são apresentados como guardiões cuidadosos da possessão mais valiosa de sua irmãzinha, sua pureza pessoal (8.8,9). A preocupação com ela os fez envolvê-la no trabalho de cultivo de uvas, o que fortaleceu o caráter da jovem e, eventualmente, lhe proporcionou um encontro com Salomão (cf. 8.12 e 1.6). Sua determinação pessoal de permanecer pura trouxe recompensa divina para ela e benefício para seus irmãos (8.10-12). O verdadeiro amor é generoso para com aqueles que contribuíram para sua existência.

Indicando que o verdadeiro amor é um desejo interminável de suprir os anseios mais profundos do cônjuge (8.13,14). Este último parágrafo funciona como uma corda em uma sinfonia. Um tema é repetido para sugerir continuidade e profundidade crescente. Ele, que parece tão intensamente focalizado na beleza física da amada ao longo de todo o poema, mas agora simplesmente anseia pela companhia dela (8.13). Quando o Cântico começou, ela ansiava pela companhia dele; no final, anseia por oferecer-lhe a plena satisfação dos desejos que ele expressou em sua noite de núpcias (cf. 8.14 e 4.6).

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