No cap. 6 de Atos, vemos a igreja se deparando com um problema administrativo e ministerial.
Antes de lermos a passagem, precisamos de algumas informações para contextualizá-la:
• A passagem faz distinção entre dois grupos de cristãos. Até essa época, a igreja era formada apenas por judeus convertidos, mas havia dois grupos diferentes de judeus, cuja distinção feita entre eles na passagem era justamente o motivo do problema. Os dois grupos eram estes: os helenistas e os judeus.
• Os cristãos chamados de hebreus eram judeus de origem palestina. Os cristãos chamados de helenistas eram judeus convertidos de outros locais no mundo de fala grega, que provavelmente foram para a região por causa da festa de Pentecostes e que foram alcançados pelo dom de línguas em Atos 2.
• No início da igreja cristã, judeus desses dois grupos distintos haviam se convertido, mas havia certa tensão entre eles: os nascidos e criados na Judeia se consideravam naturalmente superiores. Mesmo com a confissão de fé desses judeus em Jesus, é difícil termos certeza sobre a natureza do problema de Atos 6: se tratava-se apenas de um resquício da mentalidade anterior, se era evidência de falsa conversão por parte de alguns ou ainda se foi apenas um descuido não proposital que gerou confusão.
O PROBLEMA
De qualquer forma, a instituição do diaconato, narrada na passagem, está intimamente relacionada com a murmuração surgida entre esses dois grupos.
A acusação era que estava acontecendo um “esquecimento” das viúvas helenistas por parte dos hebreus durante a distribuição diária de alimentos.
Atos 6, leiamos a passagem que narra a situação que inaugurou na história da Igreja o ofício diaconal: Leia Atos 6:1-7.
A SOLUÇÃO
O dilema entre os dois grupos demonstrou a necessidade de mais organização na liderança. Em outras palavras, demonstrou a necessidade de um serviço específico dentro da igreja.
Já no versículo 1 , vemos queque a discriminação e a murmuração aconteceram como consequência direta do crescimento numérico da igreja.
Diz o texto: “…naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração…”.
A correta proclamação da Palavra deu tanto fruto que a quantidade de pessoas se convertendo e aderindo à fé cristã foi maior do que a capacidade de organização.
Isso significa que o problema que originou o ofício diaconal era de ordem missiológica.
É importante percebermos que os irmãos da igreja em Jerusalém reconheceram que havia surgido um problema derivado do crescimento da igreja. Mas não foi só isso. Além de terem admitido o problema e apontado a origem, eles também demonstraram uma real disposição em buscar a solução para socorrer aqueles que sofriam com o conflito.
Em outras palavras, na própria manifestação daqueles irmãos nós já encontramos a evidência do dom de socorro e uma disposição diaconal em resolver o problema.
A IMPORTÂNCIA
Um ponto interessante na passagem é a preocupação manifestada pelos doze apóstolos em não abandonar uma função de altíssima prioridade por causa de outra, também importante.
No caso, a função tão fundamental que eles não podiam deixar de lado era justamente o ensino da Palavra.
Os apóstolos, melhor do que quaisquer outros, sabiam que todos aqueles novos irmãos precisavam receber urgentemente um sólido ensino da Palavra de Deus para terem seus antigos conceitos transformados e poderem, assim, viver um cristianismo crescente em sua própria vida.
Os doze sabiam que o crescimento numérico não deveria ser a única dimensão da igreja a crescer. Sendo assim, eles não podiam abandonar o ministério do ensino da Palavra de Deus para servirem às mesas.
Os doze apóstolos, por outro lado, estavam cientes de que servir às mesas (diaconia) era um ministério que deveria ser igualmente enfatizado e realizado pela igreja.
A forma de resolver o problema foi pedindo que os próprios irmãos escolhessem pessoas não pelas suas habilidades, mas aquelas que estivessem, sim, dispostas, porém sob outro critério principal: que fossem cheias do Espírito para as funções necessárias.
A própria comunidade cristã é que deveria escolher os irmãos que deveriam se dedicar à diaconia; detalhe: na mesma proporção em que os apóstolos se dedicariam à oração e ao discipulado na Palavra de Deus.
Os dois únicos ofícios da igreja cristã citados na Bíblia são o episcopado (ou presbiterato) e o diaconato. É por isso que os dois, e somente eles, são lembrados por Paulo em Filipenses 1:1.
Do mesmo modo, em 1Timóteo 3, depois de passar 7 versículos tratando das qualificações para os pastores, Paulo passa outros 5 tratando apenas das qualificações para diáconos.

CONSCIENTES DA MISSÃO
O ministério diaconal foi visto de forma tão séria que os diáconos eleitos pela comunidade deveriam demonstrar qualificações para esse ofício: “boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria”.
Essas qualificações apontam para um testemunho cristão genuíno e para uma espiritualidade verdadeira e profunda.
Vamos nos lembrar do que foi dito na lição 9 da revista 1:
“Foi nessa ocasião que apareceram Estêvão e Filipe, que mesmo sendo escolhidos para essas funções, continuaram ainda agindo como evangelistas ousados e entusiasmados, com Estêvão até mesmo entregando sua vida pelo Evangelho. Atos 6:8-10 nos mostra como é um diácono cheio do Espírito Santo: os religiosos foram discutir com Estêvão, mas não podiam resistir à sua sabedoria. Estêvão e Filipe tinham “dom” para evangelizar, mas seu serviço na igreja local era o diaconato”.
Filipe é até mesmo citado mais à frente como evangelista, provavelmente área onde tinha maior facilidade. Por mais que ele soubesse que sua capacitação especial fosse para a evangelização e até tivesse experiência nisso, isso não o impediu de socorrer a igreja no ministério diaconal.
Isso é estar cheio do Espírito.
A mesma passagem que o chama de evangelista, diz também que ele ainda era “um dos sete”, uma referência aos sete diáconos escolhidos em Atos 6. Leia Atos 21:8.
Os diáconos escolhidos tinham disposição para o serviço e foram designados para cuidar de obras de misericórdia e caridade.
Porém, muito mais do que projetos de filantropia, diaconia é firmada em associação com o ensino da Palavra de Deus.
A diaconia é uma das dimensões da vida da igreja em missão, tão importante quanto a proclamação verbal. Sendo assim, o legítimo crescimento da igreja em todas as suas dimensões, inclusive a numérica, exige que a ação diaconal, que demonstra o amor redentor de Cristo por meio do alívio das diversas formas de sofrimento humano, esteja necessariamente associada à proclamação do evangelho e ao ensino da Palavra de Deus, visando a transformação e a solidificação da fé dos crentes.
A SERIEDADE
Todos somos chamados para a diaconia, para servir e socorrer uns aos outros. Porém, quando se trata de “representar” a igreja local, é preciso de muito maior rigor para poupar sofrimentos futuros.
Um diácono da igreja local é semelhante ao pastor, no sentido de que representa a igreja em um “ministério comum”.
Ensinar, evangelizar e servir são ministérios comuns (de todos membros da igreja), mas assim como o pastor tem a responsabilidade especial de ensinar a igreja e, por isso, é cobrado de maneira diferente, o mesmo acontece com quem assume outros ministérios. E, como já vimos, a Bíblia coloca o diaconato e o ministério pastoral lado a lado.
Em João 15:16, o Senhor Jesus afirma que nos escolheu para que sejamos frutíferos. A caminhada da profissão de fé até o ministério frutífero é, às vezes, longa e acidentada, mas deve ser percorrida por todos os cristãos sinceros, pois, como vimos, no reino de Deus servir não é uma opção. E Deus tem reservado para nós obras que ele mesmo planejou na eternidade (Ef 2:8-10).
O cristão frutífero é aquele que apresenta cinco características, conforme Colossenses 1:
• Ele é salvo, experimentou pessoalmente o novo nascimento, depositando sua fé em Cristo e recebendo-o como seu Senhor e Salvador (Cl 1:4).
• Ele é santo, vivendo de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado (Cl 1:10a).
• Ele é um servo, que frutifica em toda boa obra (ministério e evangelismo – Cl 1:10b).
• Ele cresce no pleno conhecimento de Deus (Cl 1:10c).
• Ele é fortalecido com todo o poder espiritual, segundo a força da glória de Deus (Cl 1:11a).
Essas características tornam a vida do cristão uma bênção para todos os que o rodeiam e permitem o livre fluxo do amor e graça divinos, produzindo frutos espirituais. Por mais que essas sejam características esperadas de todos os cristãos, alguns irmãos verdadeiramente convertidos têm dificuldade em alguns desses pontos e, segundo a Bíblia, isso os desqualifica para o diaconato, assim como para representar a igreja em quaisquer outros serviços.
ESTÊVÃO E O AVANÇO DO EVANGELHO
Esse mesmo Estêvão, que talvez hoje alguns diriam “apenas um diácono” ou “apenas um evangelista”, veio a ser o primeiro mártir da Igreja, o primeiro a morrer por causa do nome de Jesus. Mas não sem que isso tivesse consequências grandiosas contra as portas do inferno.
