Será proveitoso lembrarmos agora da distinção feita anteriormente entre secularizados e cristãos. Quando os classificamos, os dividimos entre dois grupos nitidamente diferentes, com objetivos e propósitos diferentes, bem como uma forma muito diferente de definir prioridades entre seus valores e princípios. O problema é que não é tão simples fazer tal distinção na sociedade.
Veja, é verdade que a nossa sociedade é ordenada por valores judaico-cristãos que influenciam as considerações de todos sobre honra, reputação, amor, confiança, dinheiro, propriedade, governo e principalmente propósito. Assim, a esmagadora maioria dos secularizados busca por alguma espécie de propósito, algo que possam “deixar para a posteridade”, algo que transcenda diretamente seu sentido individual e particular. Mesmo quando estão descontentes sobre suas carreiras, sua família ou conhecimento, o fazem sempre comparando-se com toda uma humanidade, ignorando o fato de que sem Deus não existe sentido em sequer falar de humanidade.
Somos a humanidade apenas na medida em que mantemos um grande e único referencial que é estático para todos, em todos os tempos históricos e em todos os lugares: Deus. E até mesmo o ateu mais radical depende da utilização de um componente metafórico que é precisamente esse referencial para que possa, em seu quarto à noite, longe de todos os debates, sonhar com seu legado.
Digo isso para que entendam o que vou dizer agora.
Da mesma forma que o ensino do cristianismo foi extremamente vital e significativo para que todos contemplassem um horizonte novo em que as coisas fazem sentido e que são ordenadas e voltadas ao bem, o secularismo também deixou marcas em muitos cristãos. Pois, se o cristianismo foi capaz de expandir muitíssimo a experiência humana, universalizando a nossa forma de pensar, fazendo-nos tratar cada ser humano como irmão e parte de uma mesma servidão a Cristo Jesus, foi o secularismo que reimplementou a noção da separação dos indivíduos em nações; e substituiu nos indivíduos o seu senso de obediência a Deus pelo desejo da obediência do próximo.
Se o cristianismo é universal, o secularismo é particular. Se o cristão busca o reino de Deus, o secular busca a maior felicidade possível o quanto antes. Se não participaremos daquela grande festa nos céus, depois desta vida, então precisamos participar do máximo de festas quanto possível nesta vida.
Se o cristão procura amar ao próximo tal qual Deus amou, de forma mais abrangente possível, refletindo em torno do maior número de pessoas quanto possível, ao mesmo tempo que sendo inteiramente responsável e internamente responsabilizado pela suas condições materiais, familiares, psicológicas e espirituais, o secular irá amar a si mesmo e pensar no problema em termos de como obrigar o outro a tomar parte de suas responsabilidades e problemas. E esse é o tipo de terceirização que a política facilita.
Diferente do adulto que, durante uma emergência em um avião, primeiro coloca sua máscara para que possa então colocar nos idosos e crianças ao seu redor, o secular busca que o próximo se responsabilize, que o próximo levante sua cruz. E com isso não se nega, nem se poderia negar, o papel vital da caridade e do apoio ao outro, mas se tenta recuperar o papel individual de cada cristão em sua família, sua comunidade e na sua vida em geral.
Todas as possíveis mazelas relacionadas à forma como se vê o papel do estado, a forma de ver o voto, aquela antiga arma usada para fazer com que a vontade política de um se prostre por sobre todas as outras, a forma de ver a violência, a forma de ver nossos problemas espirituais gerais, são apenas um reflexo desse tipo de distinção e o leitor é assim convidado a refletir sobre qual a consequência do pensar correto nesses assuntos acima.
Leia muito, mas muito mais sobre isso no livro A Política e a Fé Cristã, no link abaixo: