Menu fechado

Direita ou Esquerda?

Direita ou Esquerda

Vamos direto ao ponto: é errado um cristão ser de esquerda?

Essa é uma das perguntas mais feitas – ou respondidas sem que ninguém pergunte – no mundo cristão atual. Mas, veja, como pode um cristão, com a Bíblia em mãos, simplesmente não saber se ele pode ou não ter essa ou aquela posição política?
É simples: basta que ele não saiba a que se referem esses termos, ainda que ele tenha certeza de saber. Na verdade, o problema já começa mesmo na definição dos termos.

Quando pensamos em “direita e esquerda”, já estamos lidando com conceitos ultrapassados. Esses são conceitos bastante ruins do vocabulário político, como bem escreveu André Venâncio, em seu artigo “Armadilhas do vocabulário político”, publicado no site Teologia Brasileira; vale a pena a leitura do artigo completo.

Venâncio comenta:

A tentação de ver o mundo como algo semelhante a um jogo de futebol se apresenta, sob diferentes formas, a toda posição política concebível […] Na política, como fora dela, o simplismo é inimigo da verdade. Reconhecer suas manifestações em cada caso e se precaver contra elas é um dos desafios do cristão que busca compreender a dimensão política da realidade. A polarização convencional entre direita e esquerda é uma das manifestações mais amplamente difundidas do simplismo posto a serviço de uma agenda política apóstata. A popularidade de tais simplificações é um indício da dificuldade envolvida na tarefa de superá-las.

A classificação convencional “direita e esquerda” não consegue explicar posição política, nem é específica o suficiente para que alguém que se diga de direita ou esquerda saiba antecipadamente algo consistente sobre alguém que se assume do outro lado.
No artigo, Venâncio explica como os grupos de esquerda, apesar de divergirem grandemente entre si em muitas coisas e até nas pautas principais, têm em comum apenas a ideia de igualdade econômica, mais nada. E nos grupos de direita fica ainda pior.

O que há em comum entre todas as direitas é apenas o fato de que se opõem à esquerda; mas o fazem pelas razões mais díspares e incongruentes entre si. O liberal se opõe à esquerda por ver nela um atentado ao valor supremo da liberdade individual; o conservador se opõe à esquerda por ver aí uma tentativa de subversão da ordem moral (ou espiritual) da sociedade; os fascismos se opõem à esquerda por verem nela um atentado ao espírito nacional ou racial em prol de uma ordem que transcende a da nação.

Além disso, cada um desses motivos pode ser (e é), com o mesmo grau de coerência, apontado por seus respectivos defensores, não só contra a esquerda, mas também contra as demais direitas. Por conseguinte, ainda que adotemos a classificação convencional para dizer quem é direitista, não é justo nem sensato atribuir à direita uma unidade; o que existe é uma irredutível pluralidade de direitas.
Se, por um lado, um esquerdista não tem condições de acusar um direitista de nada sem antes ouvir diretamente dele porque se denomina direitista, por outro lado, é muito comum que os direitistas nem saibam por que exatamente dizem-se de direita, a não ser pelo fato de que se oporem à esquerda de modo bem genérico.

Afinal, há algum problema em ser de direita ou esquerda?

Cristãos de Esquerda

Se você diz que é cristão e é de esquerda, é possível entender muitas coisas diferentes que provavelmente você discordará, mas que estarão plenamente de acordo com o esquerdismo.

Ser cristão e de esquerda pode significar, facilmente, que você está assumindo crer em Jesus, e ainda assim, ser um revolucionário marxista que acredita na tomada violenta dos meios de produção. Em outras palavras, se você é um revolucionário marxista, você, necessariamente, acredita na “abolição da propriedade privada” para favorecer uma “ditadura do proletariado” (expressões usadas pelo próprio Marx no Manifesto Comunista).

Bem, não é preciso ter muito tempo de igreja para saber que alguém defendendo que patrões sejam assassinados com violência para que se possa tomar deles os meios de produção pode ser qualquer coisa, mas definitivamente não é cristão, nem foi tocado por qualquer coisa da fé cristã bíblica. Isso está, na verdade, em direta oposição ao cristianismo.

Porém, dizer-se cristão e de esquerda pode significar apenas que a pessoa gosta da ideia de uma redistribuição de renda. Ou seja, a pessoa crê que alguns indivíduos com mais posses devem ter parte de sua riqueza distribuída por meios de certos mecanismos sociais, entre eles o confisco e a taxação de grandes fortunas. Ou então, a pessoa pode dizer-se de esquerda porque acha que deveria haver mais serviços públicos – uma ideia conhecidamente esquerdista. Pode ser também que essa pessoa acredite que deveria haver uma renda mínima universal fornecida pelos governos, acredite também em salário mínimo, regime CLT, na proteção do comércio nacional e que deveria haver uma maneira de cobrar mais impostos dos ricos e menos dos pobres, por exemplo. No caso dos mais militantes, pode ser que a pessoa se diga trabalhista e sindicalista. Pois bem, na mentalidade dessas pessoas, isso tudo traria o bem para a sociedade.

Essas pessoas podem ser cristãs crendo nisso?

Apesar dessas pautas serem, sem dúvida alguma, de esquerda, não há algo exposto na primeira camada do raciocínio que contradiga a fé e a vida cristã.

Não tenho dúvidas de que são pautas social e economicamente equivocadas, além de serem parte do discurso populista de praticamente qualquer político, mas isso não diz nada sobre a fé.

Diz, sim, sobre a ingenuidade, a maturidade e a pouca informação técnica dessa pessoa, que apesar de ter certeza de que isso seria bom para a sociedade, não tem noção sobre os impactos reais dessas ideias. Contudo, essas pessoas podem ser genuinamente cristãs. Ainda que possamos questionar os meios pelos quais elas esperam que os pobres sejam ajudados, a princípio, não temos motivos para questionarmos sua fé, nem sua intenção.

Perceba que esses ideais não são diretamente opostos à teologia bíblica, tais como os anteriores que citamos.

Há vários cristãos que são profundamente de esquerda em pautas econômicas, mas são opositores ferrenhos à legalização do aborto; são decididamente contra a sexualização de crianças nas escolas, são contra a perseguição contra pastores que falam sobre homossexualidade etc. Ou seja, só seguem pautas de esquerda em assuntos mais específicos que entendem não ferir princípios bíblicos.

E quanto aos cristãos de direita?

Cristãos de Direita

Se você diz que é cristão e é de direita, veja: também é possível entender muitas coisas diferentes que provavelmente você discordará, mas que estarão plenamente de acordo com o direitismo.

Ser cristão e de direita pode significar, facilmente, que você está assumindo crer em Jesus, e ainda assim, ser um nacionalista escondido atrás de uma máscara de patriotismo, que imagine-se de tal forma superior a outros povos e que as fronteiras devem ser fechadas e imigrantes devem ser expulsos.

Bem, também não é preciso ter muito tempo de igreja para saber que alguém defendendo que emprego e boas condições de vida a pessoas do seu próprio país seja mais importante do que a pessoas de outros países é um absurdo completo e está completamente fora de sincronia com o que Jesus ensinou claramente na parábola do Bom Samaritano (Lc 10:29-37).
Outro exemplo: dada a situação atual da política brasileira, não é difícil encontrar quem diga ser cristão e acreditar que o presidente seja um enviado de Deus, um representante de Deus, de forma que ir contra ele é ir contra o próprio Senhor.

Isso indicaria não menos do que um problema muito sério na vida cristã dessa pessoa. Mas esses dois exemplos não são tudo o que se pode dizer de um cristão.

Dizer-se cristão e de esquerda pode significar apenas que a pessoa gosta da ideia de um livre-mercado – ou, a desregulamentação do mercado, pois isso produziria muito mais bens e serviços para a sociedade, o que tiraria muito mais gente da miséria do que um governo que tenta fazê-lo não pela produção de bens, mas dividindo o que outras pessoas conseguiram por meio de impostos. Ao dizer-se de direita, você pode estar pensando apenas na defesa da família tradicional e dos costumes mais conservadores na cultura. Pode ser que você esteja pensando em liberdade de expressão, propriedade privada e defesa da vida, dentre outras coisas.
Essas pessoas podem ser cristãs genuínas? É claro que sim.

Esses ideais não são diretamente opostos à teologia bíblica, tais como aqueles que citamos antes.

Ainda que alguém queira questionar os meios pelos quais elas esperam que os pobres sejam ajudados, a princípio, também não temos motivos para questionarmos sua fé, nem sua intenção.

Há vários cristãos que são profundamente de direita em pautas econômicas, mas que participam de ações sociais, são generosos na caridade e verdadeiramente se importam com pessoas em situação econômica precária.

Ou seja, só seguem pautas de direita em assuntos mais específicos que entendem não ferir princípios bíblicos.

Lidando com a Polarização

O que fica claro é que o cristão não pode aderir incondicionalmente a nenhuma ideologia política. Ninguém pode ter dúvida de que Cristo não cabe em nenhuma delas.

O que nós precisamos entender é: dentro dessas convicções políticas, o que (e por que) exatamente é antibíblico, herético e imoral? E quais são as coisas que eu apenas não concordo? Você não pode enquadrar todos da mesma forma. É preciso saber do que se está dizendo, caso a caso.

No fim das contas, se estamos mesmo falando de cristãos convictos e que foram convencidos pelo Espírito Santo de seus pecados, só podemos concluir que, apesar de suas falhas em compreender corretamente como o mundo funciona, tanto direitistas quanto esquerdistas, em certas convicções, não estão se opondo a Jesus.

Além disso, caso você encontre irmãos que estejam, sim, crendo em pautas anticristãs, você ainda tem o caminho da repreensão e correção; esse é o caminho entre cristãos – e não o insulto, a ira, a mágoa etc. Aliás, esteja pronto também para receber correções.

Se você se considera um grande conhecedor disso ou daquilo e tem certeza de que as ideias que alguns irmãos seguem são extremamente danosas ou, digamos, burras, perceba que essa não é uma situação de heresia ou apostasia. O Evangelho também é para pessoas pouco inteligentes, pouco sábias e pouco conhecedoras das coisas. Aliás, a salvação não é pelo intelecto, mas pela graça, mediante a fé. Portanto, não há motivo para cristãos romperem a comunhão em razão de diferenças políticas que não atingem valores inegociáveis da fé cristã.

Se estamos unidos em Jesus, as diferenças menores devem ficar para trás. Precisamos aprender a ficar juntos pelo que importa.
De fato, a união da Igreja só é possível se Jesus for o nosso valor maior. Uma igreja que se divide por causa de opinião política já tirou Jesus do seu centro há muito tempo.

O pastor e teólogo John Piper, em seu livro “O que Jesus espera de seus seguidores” (p. 180), menciona que o amor é o “critério fundamental de nosso comportamento por ser o segundo aspecto destacado por Jesus na nova maneira de encarar a Lei: ele declarou que tudo se resumia ao amor: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (7:12). Ao dizer isso, Jesus redirecionou o foco dos mandamentos per se para um relacionamento com ele, capaz de produzir o amor que cumpre a Lei”.

Se tivermos um senso de unidade em Cristo, nós teremos também maturidade para permitir que as pessoas tenham liberdade para interpretar questões secundárias diferente de nós, cada um com sua limitação intelectual e preferência pessoal, ainda que com seus equívocos. Ora, a Igreja é composta por pessoas imperfeitas, pecadoras, que tomam decisões estúpidas muitas vezes, isso inclui você.
Ore para que seus irmãos o amem e suportem, apesar de suas falhas, sua falta de conhecimento e opiniões políticas.

Leia muito, mas muito mais sobre isso no livro A Política e a Fé Cristã, no link abaixo:

A Política e a Fé Cristã | Lucas Rosalem

Artigos relacionados

1 Comentário

  1. Pingback:O Zelote e o Publicano – Editora Mente Cristã

Comentários estão fechados.