O problema dos zelotes não era a oposição ao estado, mas a forma que usavam para colocá-la em prática. Hoje, o problema das visões políticas se inverteu: de modo geral, não é mais a oposição a um estado impositor, mas tentar usar o impositor o seu próprio gosto.
A maioria dos cristãos parece acreditar que pode impor o cristianismo goela abaixo na sociedade, ou no mínimo, sua ética.
A proclamação foi substituída por algo mais “eficaz”: a força.
O envolvimento de muitos cristãos com a política não é por outro motivo senão uma tentativa de cooptar o poder estatal.
A Via Estatal
Você sabia que é propriamente através do poder político que o anticristo irá se manifestar? Como Hank Hanegraaff comenta em seu artigo “Quem é o Anticristo?”:
[No] livro de Apocalipse, João identifica tanto um indivíduo como uma instituição que representam a personificação final do mal – o anticristo arquétipo. Ele refere-se a esse anticristo arquétipo como uma besta que “engana os que habitam na terra” (Apocalipse 13:14). Utilizando a descrição apocalíptica de Daniel sobre os poderes mundiais do mal (Apocalipse 13; cf. Daniel 7-8), João descreve um imperador, da sua época, que arrogantemente coloca a si mesmo e ao seu império contra Deus (13:5-6), perseguindo violentamente os santos (13:7), e violando de maneira grosseira os mandamentos mediante várias e longas demonstrações repugnantes de depravação, inclusive demandando ser adorado como Senhor e Deus (13:8,15).
Barry Gritters joga ainda mais luz sobre a questão, em seu artigo “O Anticristo”:
Resta pouca dúvida quando vemos que a besta tem chifres e coroas. Na Escritura, chifres são simbólicos de poder, e coroas de autoridade governamental. Além disso, Apocalipse 13:2 diz que a besta tem poder e um trono e grande autoridade, e o versículo 7 diz que ela tem poder sobre todos os povos, línguas e nações. Se resta alguma questão, Daniel 7 diz que as quatro bestas são quatro reis; e Apocalipse 17 diz que a besta da terra é um rei. Os séculos de divisão e separação sobre esta terra terminarão num único governo mundial. O Anticristo é uma realidade política, uma nova ordem mundial, uma unidade global […] A Escritura deixa claro, contudo, que o Anticristo será um poder político. Este poder político será um poder mundial. A besta tem dez chifres e dez coroas, representando a plenitude de poder e autoridade sobre as nações do mundo.
O verso 3 traz um detalhe importante: “O mundo inteiro se maravilhou e seguiu a besta”.
O poder político e as ações dos poderosos constantemente maravilha as pessoas. E isso vai encontrar seu ápice com a Besta.
No mínimo, essa reação popular deveria nos estranhar. Quando falamos de política, estamos falando especificamente dos dominadores deste mundo, do desequilíbrio que aconteceu por causa do pecado. Por isso, esses poderes são constantemente mencionados como inimigos de Deus e do povo (1Co 15:24-25; Sl 2; Jr 12:10; At 4:26).
“Vocês, governantes, sabem o que significa justiça? Acaso julgam o povo com imparcialidade? De modo algum! Tramam injustiça em seu coração e espalham violência por toda a terra” (Sl 58:1-2).
E, sim, os poderes políticos sempre foram usados por Deus para estabelecer seus próprios planos. Ainda assim, cada governante recebe influência das forças que dominam sua mente com maior ou menor intensidade.
Como Israel foi uma monarquia por muito tempo, muitos cristãos confundem o que isso significou.
Ao contrário do que muitos cristãos acreditam, por fazerem uma leitura enviesada das Escrituras, a Bíblia está longe de ser unânime sobre a monarquia. É possível perceber nas narrativas tradições favoráveis à monarquia (1Sm 8,1-5.21-22; 9,1-10,16; 11) e tradições contrárias a ela (1Sm 7; 8,6-20; 10,17-27; 12).
Como já vimos, o próprio Deus deixou isso claríssimo quando Israel pediu para ter um governante, em 1Samuel 8. A passagem nos revela muito sobre o coração humano. As coisas que o Senhor diz sobre como seria estatizar a nação são assustadoras e ainda assim o povo desejou que assim fosse. Curiosamente, como o primeiro rei durou pouco, tudo aquilo que Deus disse se cumpriu já no segundo reinado, com o melhor rei que Israel teve: Davi.
Em seu livro “No Alvorecer dos deuses” (p. 127), o pastor Yago Martins comenta:
Um exemplo que pode nos ajudar facilmente com isso é o contexto de 1Samuel 7, o pano de fundo da origem da monarquia israelita, cuja origem é profundamente idólatra e remete a um desejo pecaminoso por um líder; e pior: à semelhança do faraó! – um tipo de bezerro de ouro particularmente poderoso.
Diante de tudo isso, talvez a primeira pergunta seja: se é assim, um cristão pode se envolver com a política?
Cristãos na Política
Como deve ter ficado claro no capítulo anterior, o que define um cristão não é estritamente o que ele faz, mas em que ele crê e como ele relaciona isso com o que faz. É possível alguém ser genuinamente cristão e, no entanto, por ter uma péssima compreensão de certos assuntos, agir de forma tecnicamente incoerente sem entender. É possível também que um cristão genuíno aja de forma incoerente por pecado. Ele não deixará de ser cristão, mas deverá ser corrigido por isso pelos seus irmãos.
Com isso em mente, devemos considerar ainda que quando falamos de política, estamos tratando de uma zona de atividade que está recheado de problemas éticos profundos e estruturais – no sentido de que o sistema funciona naturalmente de uma forma que encoraja e recompensa a má conduta, se retroalimentando, expulsando ou convertendo os divergentes. Para um cristão, participar disso é o faria estar em posição de guerra. É possível? É.
Contudo, já sabemos que Deus não nos chamou para isso. É fato que podemos nos envolver com questões para as quais não fomos diretamente comissionados, mas é claro que existem áreas mais difíceis. Existem desafios muito particulares que fazem certas áreas de atuação serem algo que, apesar de possíveis em teoria, são impossíveis na prática. No caso da política, o problema da identidade cristã e o seu testemunho é muito evidente.
Em primeiro lugar, será muito difícil um cristão se envolver profundamente com a política e continuar vivendo coerentemente com a ética de Deus. No governo atual, nós estamos presenciando isso acontecer nitidamente, de forma indiscutível: nós tivemos uma entrada incomparável de cristãos e até pastores na política, inclusive no governo federal, e infelizmente isso se converteu em mais pastores presos e mais escândalos públicos envolvendo pastores.
Na prática, só Deus tendo muita misericórdia para que cristãos se envolvam nesse meio saiam ilesos. Não parece compensar.
Além das questões mais óbvias de corrupção, temos aquilo tudo que foi dito no capítulo anterior: o problema dos cristãos cujas vidas são caracterizadas não pelo Evangelho, mas pelo ativismo político. Dificilmente um cristão político será lembrado pela pauta de Cristo – que muitos confundem com a imposição da moral cristã. Para ser sincero, você consegue se lembrar de algum?
Quando cristãos pensam no envolvimento da Igreja com a política, sempre pensam em passagens bonitas, lembram de personagens cativantes e eventos marcantes. Pensam sempre em como cristãos irão salvar a sociedade. Eles nunca lembram que o sistema estatal de opressão já é Deus agindo na sociedade à sua maneira.
Em Mateus 21:43, Jesus diz: “Eu lhes digo que o Reino de Deus será tirado de vocês [Israel] e será dado a um povo que dê os frutos do Reino”. Ao que Piper comenta:
Deus estava tirando sua obra redentora de Israel e transferindo-a para as nações gentias. O povo de Deus não mais seria definido por etnias, nem por sua participação no sistema teocrático de reis, sacerdotes e juízes, nem pelas leis cerimoniais e cívicas que sustentavam aquele sistema. O povo seria definido pela fé em Jesus e pelo fruto do amor. (2010, p. 181; grifo meu).
Leia muito, mas muito mais sobre isso no livro A Política e a Fé Cristã, no link abaixo: