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Anarcocapitalistas e suas esperanças sociais e econômicas

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Recentemente, um rapaz cristão me contou sobre sua frustração a respeito da sociedade, da política e do próprio mundo. Em resumo, o problema é este: quando estudamos escatologia (as coisas que acontecerão com este mundo daqui até o retorno de Jesus), descobrimos que o mundo não irá melhorar. Ao contrário, ele irá de mal a pior. As pessoas se corromperão ainda mais, os males aumentarão, etc. Isso faz com que todas as discussões políticas a longo prazo se tornem sem propósito. Mesmo assim, os cristãos estão cada vez mais envolvidos em uma esperança geral depositada nos governantes para “consertar o mundo”. Do ponto de vista bíblico, isso sim é uma utopia. Contudo, é compreensível que aconteça com frequência. Por que é compreensível? Porque a fé cristã é essencialmente escatológica. Ou seja, é uma esperança no porvir, com base na revelação registrada nas Escrituras. Moltiman justifica essa afirmação assim:

O cristianismo é escatologia, é esperança, olhar e andar para frente e transformar o presente. O escatológico não é um dos elementos da Cristandade, mas é o agente da fé cristã em si, a chave à qual tudo está ajustado […] Por isso, escatologia não pode ser apenas uma parte da doutrina cristã. Antes, a perspectiva escatológica é característica de toda a proclamação cristã, de cada existência cristã e de toda a Igreja.[1]

Agora, preste atenção: este assunto foi dividido em duas postagens. Esta aqui é direcionada a conservadores/liberais/direitistas/esquerdistas e a outra aos anarcocapitalistas/libertários, que está neste link aqui. Se você for deste segundo grupo, considere ler o outro post antes.

Eu disse que, por causa da fé cristã ser essencialmente escatológica, é compreensível que os cristãos transformem seu anseio pelo mundo porvir em pautas políticas que anunciam salvar a sociedade de alguma forma. É compreensível, porém, um erro crasso. O cristão não pode confundir seus anseios escatológicos com as falsas esperanças estatais e governamentais. Ainda assim, podemos aprender o seguinte: a fé cristã por si só não imuniza ninguém. Um cristão que não entendeu direito as implicações da sua esperança pode confundir as coisas e depositar esperança também no Estado, como se fosse possível, via canetada de deputado ou presidente, salvar o país ou algo assim.

Vou citar um exemplo mais exagerado, apenas para você entender a relação: no Comunismo, as “profecias” de Marx dizem que um dia as lutas de classes levarão o mundo a uma sociedade ideal, onde o capitalismo será abolido, junto até mesmo com o dinheiro, pois nada disso será necessário, tamanha será a harmonia entre os indivíduos. Tudo isso acontecerá em decorrência das lutas de classes, pois, segundo a forma infantil e absurda com que ele enxergava a realidade, o mundo é movido por conflitos de classe gerando novas classes que continuariam o conflito até chegar nesse mundo dos sonhos. Então, pensando não em líderes religiosos, mas em líderes políticos, leia atentamente o alerta do projeta Jeremias:

“Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que entre vós profetizam e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor” (Jeremias 23:16).

E por que eu fiz uma postagem sobre isso específica para anarcocapitalistas e libertários? Porque os cristãos de direita e de esquerda, geralmente com poucas informações sobre eles, têm a tendência de acusá-los de confiar demais na Economia para salvar o mundo, ou algo assim. Porém, eu nunca conheci um libertário que pensasse no problema econômico como o maior problema do mundo. Essa é uma atribuição que cristãos andam fazendo contra libertários e não um problema real deles. Por isso, enquanto o outro texto é voltado para um diálogo com eles, este aqui é para responder você que faz essas mesmas acusações que, na verdade, provavelmente mostrem que é você que, sem perceber, está imaginando que o mundo se divide entre pessoas que confiam no Estado ou na Economia.

Antes de continuar, deixe-me dizer algo: eu, que escrevo este post, sou um cristão reformado. Tal como a fé protestante explica, e diferente da católica, eu creio que a salvação é pela fé, não por obras, e que a salvação leva o salvo às boas obras. Eu creio em Jesus Cristo como o Filho na Trindade Santíssima, que se fez homem, viveu perfeitamente a vontade do Pai, morreu por nós e ressuscitou para a nossa esperança. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja, no sacerdócio universal de todos os crentes, nos Cinco Solas e na TULIP.

Ficou claro? Pois bem, além disso, eu sou libertário (ou anarcocapitalista, e cito os dois termos para deixar bem claro a que me refiro, mesmo admitindo que a terminologia não é boa e geralmente assusta). Passado o susto, vamos continuar.

A questão é a seguinte: os anarcocapitalistas (ancaps) são acusados de confiar na autonomia humana e confiar que o livre mercado salvará o mundo (ou algo assim), mas isso é definitivamente falso. Pode ter ancap que acredita nisso? Pode. Ora, tem gente que acredita em saci, não é? O fato é que isso é uma estupidez dentro para os libertários em geral, quanto mais entre os que são cristãos. Dito isso, eu devolvo a acusação: esquerdistas e direitistas parecem só conseguir pensar em resolver as coisas pela via política. E mais: quando a oposição sobe ao poder, já se inicia automaticamente uma onda de teorias de fim de mundo e afins. Isso significa necessariamente que ao menos a massa crê, sim, numa salvação pelo Estado. Na mentalidade do estatista, há uma nítida esperança soteriológica ou escatológica (as coisas aqui se confundem). Se você disser que essa esperança não é intrínseca ao estatismo (seja de direita ou de esquerda), eu enfatizo: então, pare de acusar os ancaps da mesma coisa, trocando apenas Estado por Economia.

Só leia o outro texto se você já tiver compreendido que o anarcocapitalismo não é a idolatria do capitalismo, nem o libertarianismo a idolatria da liberdade, tanto quanto você considera que o seu estatismo não seja a idolatria do Estado – se é que você consegue justificar isso na prática.


[1] Citado por Anthony Hoekema. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989.

Um complemento devocional: O que vem por aí? Não importa, viva a sua fé!

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