Em suma, há dois problemas maiores na interpretação de Joel. Primeiro, o que é descrito em 2.1-11, uma invasão de gafanhotos ou uma invasão literal de exércitos humanos? Segundo, como se deveria interpretar 2.18-20, em que o hebraico utiliza os pretéritos e a maioria das versões bíblicas em tempo futuro? Um terceiro problema, mais relacionado ao estudo do Novo Testamento, trata do cumprimento de Joel 2.28-32; esta passagem foi totalmente cumprida em Atos 2? Ou foi apenas ilustrada pelos eventos de Pentecostes?
Quanto ao primeiro problema, este autor prefere uma invasão humana real em 2.1-11 pelas seguintes razões: (a) as imagens do capítulo vão muito além de uma praga de gafanhotos normal, que nada tem de ver com os eventos cataclísmicos descritos em 2.10 e repetidos em 2.30,31; (b) os invasores no texto hebraico do capítulo 2 são realmente chamados de ―povos‖ (2.2,17), ―exército‖ (2.11) e ―o exército do Norte‖ (em hebraico ―o que vem do Norte‖; 2.20), que sugere o uso de linguagem simbólica para descrever um evento semelhante; (c) a referência a gafanhotos em 2.25 como um ―exército‖ aponta para o capítulo 1, relacionando o livramento escatológico à praga histórica que a nação experimentara recentemente; (d) a direção da qual vem essa ―praga‖ (2.20) assemelha-se perfeitamente à história militar do Oriente Médio antigo, e nada tem de ver com pragas de gafanhotos, que geralmente vinham da direção oposta. Os pretéritos são realmente um problema espinhoso. Eles parecem indicar que 2.18-20 se refere ao derramamento de bênçãos de Yahweh a uma nação arrependida à época de Joel. No entanto, o conteúdo de 2.19b,20 sugere que a passagem ainda pertence ao futuro, à época da composição do livro. Robert Chisholm (Robert Chisholm, ―Joel‖, em The Bible Knowledge Commentary – Old Testament Edition, pp. 1418-1419.) opta por pretéritos normais, mas reconhece que ―profecias referentes a sua geração se fundem aqui com aquelas que esperam por realização futura‖ (p. 1419). Apoio sintático para considerar os pretéritos como futuros pode ser encontrado cf. W. Gesenius, E. Kautzsch, e A. E. Cowley, Hebrew Grammar, § 117 w, desde que seja estabelecida uma ligação entre 2.11 (o último verbo a empregar um perfeito profético) e 2.18 (em que ocorre o primeiro pretérito). Se o intérprete postular um parênteses exortativo em 2.12-17, ou considerar o imperfeito רוְּ אמ ֹי) yôʾme rû) como futuro, é possível argumentar em favor de um sentido futuro para os espinhosos pretéritos de Joel 2.
O significado de Joel 2.28-32 em relação a Atos 2 já recebeu pelo menos cinco interpretações diferentes. O ponto de vista de cumprimento até Pentecostes atribui cumprimento parcial durante os dias de Joel e cumprimento completo em Pentecostes. O ponto de vista do cumprimento somente em Pentecostes encara como cumprimento total em Pentecostes, com alguns detalhes relacionados ao tempo da crucificação de Jesus. O ponto de vista do cumprimento parcial abandona o elemento cataclísmico contemporâneo a Joel em favor de um cumprimento escatológico na segunda vinda de Cristo. O ponto de vista de cumprimento contínuo considera um cumprimento inicial das promessas relacionadas ao Espírito em Pentecostes que continua durante o período da Igreja, como também um componente escatológico que se cumprirá na segunda vinda de Cristo. O ponto de vista de não-cumprimento em Atos argumenta que a ausência de linguagem de fórmula literária e a total ausência de detalhes cataclísmicos em Pentecostes, apontam para um uso ilustrativo (alguns preferem a palavra ―típico‖) da profecia de Joel pelo apóstolo Pedro; Joel 2.28-32 encontra seu cumprimento total na segunda vinda do Senhor. Este último ponto de vista é o mais coerente na opinião deste autor. Na mente de Pedro, o reino estava sendo oferecido uma vez mais à nação de modo condicional, ou seja, o arrependimento nacional permitiria a Israel o desfrute das promessas concernentes ao reino por meio da volta do Messias. Deste modo, a expressão ―isto é o que‖ tem um elemento condicional que, conforme a História prova, nunca se materializou e ainda aguarda cumprimento no fim dos tempos.
TEMA E DESENVOLVIMENTO
O livro trata da ameaça de julgamento de Deus contra Judá, que Ele ilustra com a recente e devastadora praga de gafanhotos. A esperança de Judá repousa no arrependimento e na misericórdia divina, que trará, com os julgamentos do Dia do Senhor, Sua abundante misericórdia ao restaurar a nação à glória e fartura. Assim, o propósito do livro pode ser assim enunciado: Promover arrependimento nacional e fé em Yahweh como o Deus que julgará cosmicamente a humanidade de modo a trazer as bênçãos de que Israel é receptor e canal. Joel atinge seu propósito desenvolvendo-o nas três partes que compõem sua profecia. Na primeira parte (1.2-20), o profeta descreve a praga de gafanhotos que ameaçara a vida da nação. Joel conclama a nação a considerar o caráter incomum desse julgamento divino (1.2-4), depois exorta todas as camadas sociais a chorar suas perdas, causadas pelos gafanhotos devoradores (1.5-13). Tal julgamento exige arrependimento nacional (1.14) e aponta para o iminente Dia do Senhor (1.15-20). Na segunda parte, Joel anuncia os julgamentos cósmicos de Deus, que incluem uma violenta invasão militar da Palestina (2.1-11). Essa invasão é descrita com referência à recente praga de gafanhotos. Joel apresenta tal julgamento como próximo no tempo (2.1,2), altamente destruidor (2.3-5) e irresistível (2.6-11).
Na terceira parte, esse julgamento cósmico é apresentado como o ponto inicial do tempo de arrependimento e restauração para Israel, enquanto o Senhor castiga as nações gentílicas opressoras e abençoa o remanescente espiritual e materialmente (2.12–3.21). A conclamação profética ao arrependimento nacional (2.12-17) é seguida pela promessa divina de restauração benevolente em resposta ao arrependimento de Israel (2.18-27). Israel recebe depois a promessa de um futuro glorioso que inclui sua renovação espiritual (2.28-32), vingança dos seus inimigos (3.1-8), livramento sobrenatural do ataque estrangeiro escatológico (3.9-17) e paz e prosperidade sob a presença do próprio Deus com o Seu povo, que cumprirá, portanto, seu papel na aliança como o canal de bênçãos de Yahweh para o mundo (3.18-21).