Números enfatiza, de muitas maneiras, a presença constante de Deus entre Seu povo e com ele. A nuvem que cobria o tabernáculo demonstrava que Yahweh não era um Deus distante e inacessível, mas que permanecia entre o povo, mesmo em face de suas freqüentes falhas. Balaão, vidente pagão e teólogo involuntário, afirmou que o Senhor seu Deus é com ele, no meio dele se ouve a aclamação dum rei (23.21). Igualmente, os cananeus reconhecem o fato (14.14), mas Israel constantemente desprezava essa realidade tão preciosa. Vale também lembrar que essa presença se manifestava em graça (Arca, Dia de Expiação), mas também em ira e disciplina (11.25; 16.19, 42; 20.6).
Enquanto que em Gênesis o poder de Deus é visto em sua força criativa e destrutiva, e em Êxodo é demonstrado por Sua soberana intervenção nos fenômenos da natureza, em Números ele se encontra na provisão sobrenatural para uma população enorme (cf. 11.4- 6, 31-35; 20.1-13) e nos meios incomuns pelos quais Yahweh disciplina os pecados de Seu povo. Todos eles estão relacionados a manifestações da ira divina por intermédio de fenômenos raros como a abertura da terra, o florescer da vara de Arão e a cura pelo olhar para uma serpente de bronze.
Com esta expressão, quer-se dizer que Yahweh se levanta em ira santa contra violações e violadores de Seus justos padrões morais e pactuais (e.g, contra Arão e Miriã [12.9], contra a nação incrédula em Cades [14.10-12], contra o violador do Sábado [15.32-35] e contra o próprio Moisés [20.12,13]). Se termos como essencial e secundário aplicam-se a Yahweh, o Deus eterno, podemos dizer que a ira divina é um atributo ―secundário‖, a manifestação terrena de sua santidade ou verdade ofendidas. Essa ira, embora ―tardia‖ em sua manifestação, é tão segura quanto as misericórdias e as promessas da aliança. Uma das questões principais levantadas pelo livro de Números gira em torno deste atributo. ―Podemos nós, como nação, sobreviver à ira de Yahweh, uma vez que tantos e tão grandes sucumbiram diante dela?‖. Balaão traz a resposta, às vezes crítica, às vezes cômica, mas correta na predição de que a promessa patriarcal ainda era válida e ainda seria cumprida (cf. 23.20 e 24.9).
A despeito dos repetidos fracassos da geração do Êxodo e das falhas da geração do deserto às portas da Terra Prometida, Yahweh repetidamente manifestou a Sua misericórdia, isto é, Sua aquiescência para com a intercessão feita por Moisés (e Arão) para que Ele poupasse a Israel a porção merecida da justa ira de Deus. Assim acontece no caso de Miriã (12.9-15), com toda a nação em Cades (14.10-20), depois da rebelião de Corá (16.41-50) e no episódio das serpentes, próximo a Edom (21.4-8). Mesmo a legislação outorgada depois que a aliança mosaica havia recebido sua forma mais completa revela a misericórdia de Yahweh. Com uma taxa de mortalidade de pelo menos quarenta adultos por dia, a provisão da água purificadora (Nm 19) era crucial para a continuidade da vida civil e religiosa, removendo a contaminação do pecado representado pela morte.
Talvez o mais notável atributo divino encontrado no livro de Números é a fidelidade demonstrada por Yahweh para com o Seu povo errante. Ele mantém Sua promessa incondicional aos patriarcas, a despeito das sucessivas falhas do povo em se conformar às promessas condicionais de bênção encontradas na aliança sinaítica. Balaão, o adivinho pagão, é o agente involuntário na revelação do compromisso divino de não apenas abençoar Israel de maneira geral, mas de conceder-lhe todo o espectro das bênçãos prometidas a Abraão. Dentro do tema da fidelidade de Yahweh, há um elemento de polêmica contra falsos deuses no inclusio que é formado pela mensagem de Balaque a Balaão (… porque eu sei que será abençoado aquele a quem tu abençoares, e amaldiçoado aquele a quem tu amaldiçoares, 22.6) e pelo terceiro oráculo de Balaão (Benditos os que te abençoarem, e malditos os que te amaldiçoarem, 24.9). O servo de deuses falsos não pode amaldiçoar o povo do Deus verdadeiro, e Ele repete a promessa divina a Abraão (Gn 12.3). Na Sua fidelidade, Yahweh sobrepuja o poder de reis e nações para estabelecer Israel segundo a promessa.
A ADMINISTRAÇÃO DOS PROPÓSITOS DE DEUS
O livro de Números oferece um exemplo fascinante do desenvolvimento do propósito quádruplo de Deus de permitir a existência do mal, de julgar o mal e triunfar sobre ele em favor da semente escolhida, ou por meio dela, e de oferecer bênção aos eleitos e, por intermédio deles, a toda humanidade.
A cada nova geração, Yahweh confronta os homens com sua inclinação congênita para o mal. Israel recebeu testes no deserto e, lamentavelmente, fracassou na maioria deles. Cades-Barnéia foi o teste crucial, por haver revelado o problema principal de Israel, sua incredulidade e o conseqüente menosprezo a Deus (14.23). Baal-Peor foi o outro lado desses parênteses de fracasso, revelando o resultado último da incredulidade e do menosprezo a Deus, que são a idolatria e a imoralidade mais grosseiras. Estes dois incidentes, como registrados por Moisés, deveriam ter servido de advertência a gerações futuras, que evidentemente não a levaram a sério.
Esta linha de ação divina é particularmente evidente em Números. Cada um dos fracassos de Israel teve o seu necessário julgamento que, embora não fosse necessariamente proporcional ao pecado que o causara, revelava o zelo de Deus para com Sua santidade. O simples fato de que a geração que haveria de entrar em Canaã foi julgada com maior severidade (24 mil mortes em Baal-Peor contra 14.700 na rebelião de Corá. cf. Nm 16.49) indicam que Deus não trata o pecado levianamente e está determinado a puni-lo. Números também indica que há uma relação entre a extensão da ira de Deus e a intercessão de Seus servos. Isto não equivale a dizer que a oração, por si só, altera as decisões divinas ou encurta a disciplina de Yahweh; significa, outrossim, que soberania, misericórdia e santidade se combinam no exercício da punição e nos meios pelos quais ela exaure seu curso rapidamente na vida de alguns e se estende por 38 anos na vida da grande maioria. Números também indica que o perdão não significa isenção das conseqüências do pecado, que são parte do juízo geral contra o pecado. Dois exemplos marcantes desse princípio são a lepra temporária de Miriã e a proibição de que Moisés entrasse em Canaã.
Esta linha da atividade divina não se apresenta explicitamente em Números, embora possa ser inferida de dois incidentes específicos. Depois do relatório dos espias em Cades, Josué e Calebe destacaram-se como o remanescente fiel a quem Deus escolhe para herdar a Sua bênção (14.26-38). A outra ocorrência surge no quarto oráculo de Balaão (24.15-19), em que foi profetizada a aparição de um indivíduo que exercerá autoridade (24.17 usa as palavras estrela e cetro; 24.19 fala de um dominador) e destruirá os inimigos de Israel. A associação com a bênção de Jacó e com o sonho de José aponta para um conceito de Rei-Conquistador-Salvador que judeus e cristãos têm, por longos séculos, considerado davídico-messiânico.
De uma perspectiva pactual, esta linha de atividade divina limita-se mais aos oráculos de Balaão. Isso significa que Números, em suas divisões, narrativas e legais, não acrescenta novas promessas ao estoque já em poder de Israel. No entanto, tão gritantes haviam sido os fracassos das gerações passada e presente que foi necessário reafirmar as promessas passadas à medida que Canaã se aproximava. Números 23.19, 20 é um começo digno, já que afirma o compromisso imutável de Yahweh para com os recipientes de Sua aliança. Em suma, Balaão promete crescimento numérico (23.10), segurança (23.21-23), vitória (21.24), prosperidade (24.5-7), poder real (i.e., de rei, 24.7b), conquista (24.8, 9) e a ascensão de um dominador poderoso (24.17-19). Essas promessas constituem uma reafirmação impressionante das promessas abraâmicas, que Deus anunciou soberanamente, mediante um relutante profeta pagão, a um povo que não a merecia. A fidelidade de Deus brilha em meio aos dias escuros do deserto, iluminando os portais de Canaã.
ARGUMENTO BÁSICO
Apesar de sua forma ser ainda mais fluída que a dos livros que o precederam na coleção mosaica, o livro de Números tem uma mensagem específica. Tomando por base uma divisão tríplice do livro (Preparação no Sinai, 1.1–10.10; Peregrinação no Deserto, 10.11–22.1; Preparação na Transjordânia, 22.2–36.13), esta é a mensagem proposta para o livro: O estabelecimento de Israel como nação na Terra Prometida sob a autoridade de Yahweh foi adiado devido à incredulidade do povo e de sua rebeldia contra os líderes designados por Deus.
O livro de Números é uma obra histórica cujo tema principal é o estabelecimento de Israel e a forma com que foi desnecessariamente retardado em virtude de uma geração inteira, devido à disciplina divina contra a descrença e a rebelião da nação. Ainda assim, a ênfase de seu autor não está nas falhas da geração do êxodo, da qual ele registra apenas alguns exemplos, mas na certeza do plano de Yahweh para Israel, retardado, mas não destruído pela rebelião humana contra Ele. Isto é demonstrado pela inclusão de dois censos no livro. O mesmo número geral no Sinai e em Moabe sugere aos leitores que a falha em atingir o alvo de estabelecer-se em Canaã não ocorreu devido à falta de poder divino, ou à perda de força numérica, mas apenas à incredulidade de Israel. Os 38 anos entre Cades-Barnéia foram verdadeiramente um vácuo na Heilsgeschichte (história da salvação), uma vez que o programa de Deus foi, por assim dizer, interrompido graças à incredulidade humana. A inclusão das narrativas de Balaão, entretanto, mostram que tal atraso não significava o fim das promessas. Deus não voltará atrás, mesmo em face à persistente incredulidade humana, no que Ele prometera sob juramento (Gn 22).
A obstinada falta de fé na provisão e proteção de Yahweh trouxe a disciplina pactual, o desencadeamento da ira divina contra a rebelião humana. As passagens que se seguem contêm manifestações da ira de Yahweh: Números 11.1, 10, 33; 12.9, 10; 14.11-20; 16.46, 47. A demonstração mais surpreendente da ira divina, entretanto, foi a rotina de morte entre Cades e Moabe. Pressupondo números literais para o censo e que apenas os homens necessariamente teriam morrido (seiscentas mil pessoas) no curso de 14.508, teria havido uma média de quarenta enterros por dia! Não é de admirar que Moisés tenha escrito: Pois somos consumidos pela tua ira […]. Quem conhece o poder da tua ira ? (Sl 90.7, 11). Parece melhor dividir o livro de Números em três partes: Preparação no Sinai (1.1– 10.10), Peregrinação no deserto (10.11–22.1), e Preparação na Transjordânia (22.2– 36.13). A primeira parte contribui para o propósito, ao demonstrar que Israel era militarmente capaz de atingir seu objetivo e tornar-se uma verdadeira nação em termos de organização civil, com um posicionamento peculiar para a batalha e para a paz (caps. 1 e 2). Isto prossegue na contagem e designação de trabalho para os Levitas, separados para o Senhor de entre as tribos de Israel (caps. 3 e 4). A nação não era apenas militarmente capaz, ela estava ritualmente preparada. A seção seguinte aborda a necessidade de pureza da nação. As leis no capítulo 5 falam acerca da separação daquilo que é impuro (5.1-4), da restituição dos males cometidos (5.5-10) e da infidelidade conjugal (5.11-31) e, assim, lida com questões fundamentais na vida de uma comunidade (saúde pública, confiança e honestidade pública, como também unidade familiar). O capítulo seguinte descreve os votos do nazireado, uma provisão para aqueles que queriam dedicar-se ao Deus de Israel de alguma forma especial. O capítulo 6 termina com a bem conhecida bênção aarônica, que é uma forma apropriada de encerrar um capítulo que descrevia aqueles que queriam se identificar inteiramente com Yahweh, porque Seu próprio desejo é colocar Seu nome sobre os israelitas. Os capítulos 7–10.10 fornecem-nos as últimas referências históricas ao Sinai, quando os príncipes de Israel consagram suas ofertas voluntárias na dedicação do tabernáculo (Nm 7.1-89;cf. Êx 40.17-33), as lâmpadas são acesas dentro do Lugar Santo (Nm 8.1-4), os levitas são consagrados para obra do Senhor (8.5-26) e a Páscoa é celebrada em dois estágios (9.1-14). À medida que os israelitas se preparam para marchar, o autor informa seus leitores que aquela jornada era uma questão da liderança direta de Yahweh por meio de uma coluna de nuvem/fogo (9.16-23). Isso ilustra a figura ideal que deveria ter prevalecido, e que teria levado Israel até Canaã em apenas 10 dias de caminhada a partir do Sinai. A referência das trombetas de prata é necessária para indicar que, além do direcionamento divino, Israel não era apenas uma multidão indisciplinada, mas também possuía uma organização humana que a tornou uma nação.(10.1-10). A segunda parte do livro mostra com que freqüência e quão intensamente Israel foi reprovado nos testes dados por Deus no deserto e, por meio de sua incredulidade e desobediência, desperdiçou a concretização das promessas da aliança naquela geração. Os capítulos 11 a 14 descrevem a atitude predominante de desrespeito para com Deus causado pelo problema básico de Israel, a incredulidade. Israel reclamou acerca das dificuldades da jornada pelo deserto (11.1-3), trazendo um julgamento de fogo; eles murmuraram devido à falta de carne (11.4-35), influenciados pela multidão semítica que havia deixado o Egito com eles. O resultado foi uma dura lição sob a forma de punição por seus próprios desejos, depois de desprezar a provisão fiel de Deus. Talvez tenha sido nesse ponto que Moisés implementou, com certa medida de incentivo divino, o sábio plano criado por Jetro com respeito à organização do povo (cf. Êx 18). A aprovação divina aparece quando alguns dos designados para o cargo de juiz começam a profetizar. Miriã e Arão murmuram contra o papel de Moisés como líder (12.1-16), trazendo sobre si ira e disciplina, direcionada contra Miriã, uma vez que ela foi quem instigou a conspiração. Essa seção serve ao propósito do livro, ao mostrar que a ingratidão e o desrespeito não se limitavam ao povo comum, mas atingia até mesmo os líderes mais proeminentes da nação.
Por fim, a nação rejeita o desafio de Yahweh de confiar Nele para a conquista de Canaã (13.1–14.45). O relato dos espias deu à nação uma oportunidade definitiva de confiar em Yahweh para o impossível; também provou que a terra da promessa era tudo aquilo que as pessoas esperavam, e mais ainda. Ainda assim, a nação rejeitou o relatório minoritário da fé e rebelou-se contra Yahweh e Seus líderes escolhidos (14.1-4, 10a). O Novo Testamento toma esse incidente como uma exortação para os crentes da Nova Aliança, alertando-os para que não endureçam seus corações em incredulidade, para não desperdiçar as bênçãos e a recompensa divinas (Hb 3.15-19). Nem mesmo seu arrependimento demorado e o desejo de seguir em frente poderiam levá-los a Canaã; os amalequitas foram os primeiros a executar o juízo de Yahweh (14.39-45). As areias do Sinai e do tempo os seguiriam. O capítulo 15 apresenta exigências antigas para uma nova situação (15.1-21), padronizando os sacrifícios ao contexto da Terra Prometida. O exemplo do homem que violou o Sábado aponta para a condição da geração do Êxodo, que havia pecado com os olhos bem abertos; assim como uma violação deliberada da aliança deveria ser punida com a morte (15.32-36), sua clara rebelião em Cades seria punida. Israel precisava de lembretes de seus privilégios e responsabilidades, e a nova lei das borlas nas roupas providenciou isso (15.37-41). A próxima ameaça a uma vida ordeira perante Yahweh surgiu com a rebelião de Corá. Essa foi uma tentativa de subverter a hierarquia, com o pretexto de absoluta igualdade dentro do povo de Deus (16.3). O juízo divino rapidamente atingiu Corá e seus associados, quando a terra consumiu Corá e os líderes rubenitas associados com a revolta (16.25-34), e o fogo do Senhor (vindo da arca?) matou 250 dos que se intitularam ―sacerdotes‖, os quais começaram a contestar a Arão (16.35). A revolta de Israel foi tão feroz contra Yahweh, que eles ignoraram o perigo e dirigiram-se contra Moisés e Arão no dia seguinte. O resultado foi a morte de 14.700 pessoas, no que foi a demonstração mais surpreendente do desagrado de Yahweh para com aquela geração. A incredulidade e o desrespeito para com Deus (16.30b) apenas levaram a uma tragédia maior. A necessidade de uma prova maior da hierarquia de Yahweh para uma vida ordeira surgiu quando Arão foi vindicado diante das outras tribos (17.1-13). Esse conflito, por sua vez, leva a instruções detalhadas acerca do trabalho dos levitas (18.1-32). Portanto, o autor vinculou seus temas religiosos a acontecimentos que representavam a necessidade que Israel tinha de informação ou correção. O mesmo vale para o capítulo 19, que contém a legislação acerca da purificação causada pela morte, uma necessidade óbvia à luz da alta taxa de mortalidade naqueles 38 anos. A última seção, nessa segunda parte, lida com os últimos acontecimentos da geração do Êxodo. Um ciclo completo completara-se e a nação se encontrava novamente em Cades. Ali, Miriã morreu e foi sepultada (20.1). Ali, Israel mais uma vez cometeu um erro, com talvez o último remanescente da geração do Êxodo, ao dar voz a sua amargura contra Deus pela falta de água (20.2-5). Cedendo à ira e ao orgulho, Moisés (e Arão, por associação) puxa para si mesmo a honra de suprir água da rocha, incorrendo na disciplina de Yahweh (20.6-13). A partir de Cades, Israel contornou o território de Edom, ao sul do mar Morto e chegou ao monte Hor, onde Arão morreu e foi sepultado (20.22-29). A condução de Eleazar ao sumo sacerdócio foi um sinal de que a nova geração estava assumindo seu lugar. Esta foi uma época de vitória, quando Israel derrotou Arade (21.1-3), mas também de derrota, à medida que a nova geração provou que era feita do mesmo material da anterior, pois murmurava contra suas condições na época crítica de marchar junto às fronteiras de Edom, uma região bastante inóspita. O ciclo de disciplina e libertação se desenrola novamente, com a aparição de serpentes venenosas e a cura por meio da intercessão e uma renovada oportunidade de confiar em Yahweh (21.4-8). Pode haver uma polêmica contra os rituais pagãos em que serpentes são adoradas como símbolos de vida. O Senhor Jesus utilizou esse acontecimento para ilustrar Sua morte substitutiva e a necessidade de responder em fé a Sua oferta de salvação (Jo 3.14).
Depois desse acontecimento, a caminhada foi retomada, muito provavelmente em um passo acelerado. A água foi providenciada, e o povo, que aparentemente se arrependeu de verdade de sua murmuração perto de Edom, cantava com alegria. Depois disso, veio a conquista dos amorreus que viviam ao leste do Jordão, na terra que eles haviam conquistado aos Moabitas (cf. Jz 11.14-27). Siom de Hesbom e Ogue de Basã foram derrotados e sua terra foi conquistada por Israel. As promessas aos patriarcas estavam prestes a se tornar realidade. A terceira parte do livro contribui para o propósito de Números ao demonstrar como Yahweh permaneceu fiel a Suas promessas e como o povo, até mesmo a nova geração, continuava ingrata e inclinada ao pecado, mesmo depois de testemunhar a disciplina de Deus por 39 anos. Esses últimos capítulos também fornecem informação acerca do estabelecimento de Israel na terra, assim como um novo censo, a provisão para a mudança de liderança, o ensaio para as leis de sacrifício e acordos para a distribuição da terra ao leste do Jordão, a proteção para as pessoas acusadas de homicídio não doloso, como também as situações complexas de herança. O ciclo de Balaão (22.2–24.25) contribui para o propósito de confirmar o status de Israel perante Yahweh, a despeito do grande atraso causado pela incredulidade da nação. Também serve como uma polêmica contra os deuses das nações que Israel haveria de enfrentar na batalha não muito depois que fossem conhecidos esses acontecimentos. O profeta contratado, conhecido por sua eficácia como lançador de maldições (22.6), é persuadido por essa divindade recém-chegada, Yahweh, a concordar e ir com o mensageiro de Balaque, sob a condição de apenas dizer aquilo que Yahweh lhe revelasse. Seu conflito emocional é evidenciado no episódio do diálogo com a mula. O amor de Balaão pelo ―prêmio da injustiça‖ (2 Pe 2.15) acabaria finalmente por levá-lo a renunciar a seu conhecimento inicial com Yahweh e a se posicionar ao lado dos inimigos de Israel (Nm 31.8, 16). Suas profecias, alugadas pelo rei de Moabe, acabaram reforçando as promessas de Yahweh a Abraão. Seus tópicos incluem o crescimento numérico de Israel (23.10), segurança (23.21-23), vitória (21.24), prosperidade (24.5-7), poder monárquico (24.7b), conquistas (24.8, 9) e o surgimento de um poderoso governante (24.17-19). É teologicamente sadio afirmar que Moisés recebeu o conteúdo dos oráculos de Balaão por meio de inspiração, mas também é possível que Balaão tenha sido capturado com os midianitas e passado a informação para Moisés. O contraste entre a glória e o triunfo prometidos por Balaão e a cena trágica dos israelitas envolvidos com prostituição cultual no capítulo 25 é impressionante. Esse incidente forma um inclusio sombrio com a tragédia do bezerro de ouro em Êxodo 32. Embora a idolatria do Egito tivesse sido deixada para trás, a praga de Canaã, o baalismo, apresentou-se em toda a sua hediondez pela primeira vez, e a nação sucumbiu a ele. Os capítulos 26 a 30 lidam com questões relacionadas à vida na terra. Um novo censo, realizado depois que a praga havia dizimado a tribo de Simeão (cf. 25.14; 26.14; e 1.23), revela que o poderio militar de Israel permanecera intacto ao longo de seus vários anos e peregrinação, graças à misericórdia de Yahweh. Apesar disso, 26.64 fala, em alto e bom som, acerca do poder da ira de Yahweh, uma vez que nenhum dos 603.550 homens de guerra da geração do Êxodo estava vivo quando o segundo censo foi realizado. A questão do direito de herança para as mulheres (27.1-11) vem naturalmente depois das orientações para a divisão da terra (26.52-65). Depois disso, veio a orientação acerca da sucessão de Moisés (27.12-23); Josué seria um líder civil e militar, com Eleazar como seu braço direito.
A vida espiritual deveria ser regulada na Terra Prometida, e as ofertas sazonais, ou de acordo com o calendário, tinham um papel importante nisso. Essa regulamentação complementa aquela de Levítico, não apenas nas exigências de ofertas dedicatórias adicionais, mas na inclusão das libações ou ofertas de bebida, algo que a geração do Êxodo não poderia apresentar no deserto (28.1–29.40). Uma vez que os votos estavam freqüentemente relacionados às ofertas, um capítulo acerca de votos não está fora de lugar aqui (30.1-15). De forma interessante, a igualdade garantida às mulheres no capítulo 27 é equilibrada pela subordinação imposta pelo capítulo 30. O capítulo 31 lida com a última campanha militar de Moisés, da dedicação dos midianitas à destruição (mais provavelmente a parte desse povo que vivia mais perto do caminho de Israel, uma vez que eles reaparecem em grande número cerca de 250 anos depois em Juízes 6). O incidente serve como um claro padrão a ser seguido depois da invasão; uma guerra sem quartel e sem trégua contra as nações insidiosamente idólatras era o único meio de proteger Israel do avanço trágico do paganismo. O capítulo 32 lida com o pedido de Rúben, Gade e metade de Manassés para que possam se estabelecer na terra conquistada aos amorreus (32.1-5). Moisés pressentiu o início de uma nova Cades-Barnéia e repreendeu os líderes das duas tribos e meia (32.6- 15). O compromisso das tribos de ajudar a seus irmãos na conquista do lado oeste (32.16-19) abriu a porta para o acordo e o estabelecimento deles nessa porção de terra (32.20-42). Os capítulos 33 a 36 olham para trás e para diante. No capítulo 33, o itinerário das viagens de Israel desde o Egito é apresentado; acampados nas planícies de Moabe, Israel recebe a ordem de erradicar os cananeus (ou sofrer seu fim inglório sob a disciplina de Yahweh). A divisão justa da terra entre as tribos devia ser feita de acordo com a proporção da população das tribos (33.53,54). Para auxiliar em um empreendimento como esse, as fronteiras oficiais da Terra Prometida são dadas em 34.1-12, e os ―homens que deverão distribuir a terra‖ são relacionados pelas tribos (34.16-29). Uma vida ordeira em Canaã exigia uma distribuição apropriada da terra para os servos do povo, os levitas, e isto é abordado em 35.1-5. O restante do capítulo lida com a questão crítica da vida humana, seu valor e a necessidade de reprimir o derramamento de sangue. As cidades de refúgio (35.6-28) e a legislação acerca da pena capital (35.29- 34) representam um primeiro passo rumo à solução.
O livro termina com uma observação feliz, mas aparentemente irrelevante, à medida que a lei ordena que as herdeiras deveriam casar-se dentro de seus clãs para preservar a posse da terra com a família. Este gesto de solidariedade e fidelidade serve como um reflexo menor da fidelidade e solidariedade do próprio Yahweh para com o objeto de Sua aliança. O livro encerra com Israel em Moabe, e Moisés é declarado o ministro aprovado de Yahweh em favor de Israel.